“Whiskas saquetas”, Margarita

Ora, para alguém que está enterrada até acima do pescoço, ao serviço dos interesses brasileiros, na profissão de demolição da Língua Portuguesa, isto é doentio, é grave, é de facto uma patologia mental. [post “Margarita no sofá“]

E cá está ela novamente, desta vez aproveitando a boleia de uma moçambicana “ligeiramente” anti-portuguesa. Aliás, o tom sinistro de indisfarçável lusofobia perpassa pela verborreia de ambas estas mulheres com uma subtileza equivalente ao bocejo do hipopótamo.

De entre o chorrilho de enormidades, para não variar do seu estilo carroceiro, a “presidenta” do IILP esparrama nesta “local” do DN, por entre inúmeras passagens com a escova da bajulação ao Itamaraty, as suas “ideias” para que (ainda) mais fácil e rapidamente o seu querido Brasil tome conta disto tudo, de uma vez por todas. Parece um ‘cadinho aborrecida, porém, dado o facto — para ela, de todo intolerável — que Moçambique (além de Angola, como sabemos) ainda não tenha “adotado” o Brasileiro como língua oficial.

E que e que e que, blábláblá, Whiskas saquetas. Todo o palavreado do artigo, de cabo a rabo, é absolutamente insuportável. Transcrever esta abjecta porcaria já foi sacrifício suficiente, seja pelas alminhas, não vou agora citar ou destacar pedaços da asquerosa prosa, livra, que nojo.

Ora aqui está um caso flagrante em que se aplica o aforismo sobre a melhor forma de pegar num pedaço de esterco pelo lado limpo. Quem for capaz de tal proeza, pois então faça o favor de ler. Não se aprende nada, evidentemente, mas convém munir-se a gente de pelo menos alguns conselhos sensatos, como o de Sun Tzu (543-495 a.C.): “Keep your friends close and your enemies closer”.

A descolonização da língua portuguesa

Margarita Correia
29 Maio 2023

O discurso de Paulina Chiziane aquando da entrega do Prémio Camões desencadeou notícias e ondas de choque nas redes sociais, provando a importância e o impacto dos temas que abordou, que são daqueles que mexem com as pessoas e carecem de análise e discussão. Não pude ouvir o discurso em directo e não o encontrei na Internet; é no que vou lendo e na minha experiência que baseio a reflexão que aqui trago. Ao falar da necessidade de descolonizar a língua portuguesa, a autora deu exemplos da descrição de conceitos ligados à vivência africana recebiam em dicionários de língua. Ainda que o tópico seja relevante e preocupação constante de fazedores de dicionários e boas editoras, a questão da descolonização da língua não se circunscreve a esta espuma linguística e é bem mais funda.

O Brasil foi a primeira colónia a tornar-se independente, em 1822, em condições muito especiais. O processo de descolonização da língua portuguesa tem decorrido no país, mas não estará completamente concluído, segundo alguns – e.g. a norma escrita culta, especialmente a do mundo das apostilas para exames, parece estar desfasada e ainda muito dependente da norma portuguesa. Pela sua dimensão, o Brasil é hoje uma superpotência em termos de produção e edição (literária, científica, pedagógica, noticiosa, etc.), feita na sua própria variedade nacional, a variedade brasileira do português. O Brasil tem os seus próprios dicionários, gramáticas, pensamento linguístico, a sua terminologia, instituições reguladoras, investimentos na área, as suas política e planificação linguísticas mais ou menos claras. Pode fazer melhor? Pode, sim, mas a verdade é que faz muito, não depende dos demais estados de língua portuguesa e não surpreende a preponderância que tem vindo a ganhar no nosso espaço. A situação de Portugal a este nível pode ser explicada pela pequena dimensão do país, o proverbial atraso educativo que tem vindo a ser debelado nas últimas décadas, mas também pela falta de políticas e planificação linguística adequadas, pelos compromissos com a UE (e.g. a bibliometria) e, lastbutnotleast, pela mania de sermos “geneticamente poliglotas” e “falarmos bem estrangeiro”.

Foram os países africanos de língua portuguesa que tomaram a decisão de a adoptar como língua oficial (de estado, administração, ensino) e também de unidade nacional; lideranças de movimentos de libertação e elites desses países fizeram a sua formação em português, muitas em Portugal; a adopção da língua resultou, assim, em factor de discriminação entre os cidadãos desses países que a domina(va)m e os que não. Em Timor-Leste, a língua portuguesa foi entendida também como factor de identidade nacional; a sua adopção em 2002 deixou de fora os jovens que, à data, haviam sido escolarizados em língua indonésia.

50 anos após a independência dos países africanos de língua portuguesa, não sabemos exactamente quais as suas opções de política linguística e eles continuam, e.g., a não explicitar que norma de português querem adoptar, a não definir a relação do português com as línguas autóctones, a não produzir instrumentos de estandardização próprios, nem programas de ensino adequados, nem materiais didácticos, nem a formar professores suficientes. Portugal beneficia com esta “cooperação”, assim se favorecem os negócios.
Porque não são esses países ainda autónomos? Quem beneficia da situação? Será sensato pensar que Portugal descolonizará a língua portuguesa? Quem terá de o fazer? Como? Eis questões sobre as quais importa reflectir.

Margarita Correia

Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

 

[Transcrição integral. Cacografia brasileira traduzida automaticamente.]

Curriculum Vitae
Margarita Maria Correia Ferreira

Margarita Correia concluiu doutoramento em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa em 2000, com uma tese sobre a formação dos nomes de qualidade em português. É docente do Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa desde 1990 e Professora Auxiliar desde 2000. Foi investigadora do Instituto Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) entre 1992 e 2014, tendo sido membro da Direcção (1999-2007 e 2008-2014), coordenadora da linha de investigação Léxico e Modelização Computacional (2007-2014), investigadora responsável (2010-2014) e presidente da direcção (2012-2014). Actualmente é investigadora integrada do CELGA-ILTEC (FLUC), unidade de I&D que resultou da fusão, em 2015, do CELGA e do ILTEC. Desenvolve actividade em Linguística Aplicada, especialmente nas áreas relacionadas com o léxico (Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, Neologia, Formação de palavras) e Política linguística. Nos últimos anos tem também orientado trabalhos no domínio ensino-aprendizagem do Português Língua Estrangeira / Língua Segunda e é, desde 2029, directora do Mestrado em Português como Língua Estrangeira / Língua Segunda, da FLUL. Com José Pedro Ferreira, coordenou os projectos VOP – Vocabulário Ortográfico do Português) e Lince – Conversor para a Nova Ortografia (2010), e ainda VOP – Vocabulário Ortográfico do Português, 2.ª edição (2017). Coordenou, com José Pedro Ferreira, Gladis Maria de Barcellos Almeida e Inês Machungo, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (CPLP e IILP, 2017). Foi, entre 2018 e 2022, presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP). Desde 2020, escreve crónicas semanais no Diário de Notícias sobre questões relacionadas com as línguas.

[Portal “Ciencia Vitae”. Cacografia corrigida automaticamente. Destaques meus.]

«Refutou muitas vezes críticas de que os seus livros não eram escritos em português propriamente dito, respondendo sempre que usava a língua portuguesa à sua maneira. O caminho para desenvolvermos a língua passa mais por cada um de nós a trabalhar com aquilo que somos e com o nosso contexto, em vez de a padronizar num acordo ortográfico?»
Paulina Chiziane: «Uma coisa é o acordo ortográfico, que tem as suas vantagens, e outra coisa é o espaço geográfico da língua portuguesa. Cada um tem a sua língua portuguesa. Eu estou em Moçambique, outro está em Timor e outro está no Brasil. Cada um fala como fala, mas um padrão de escrita sempre ajuda na comunicação, pois vai facilitar ler textos que vêm de diferentes partes do mundo. Não estou contra a padronização da grafia, não estou contra o acordo ortográfico, antes pelo contrário. Acho que toda a língua é comum. O que eu posso não estar de acordo é que um moçambicano, por exemplo, tenha de falar um português considerado padrão que vem de Coimbra ou do Porto. Eu não sou do Porto, sou de Moçambique, e mesmo dentro de Portugal a língua tem as suas variantes. Padronizar a grafia, sim, mas por muito que se exija que falemos português da mesma maneira, não acredito que isso seja possível. Devemos sempre manter dinâmica a língua.» [semanário “Novo”, 14.05.23]
[Imagem de “Whiskas saquetas” de: “ZooPlus” (um nome muito adequado ao assunto, aliás).]

Angola não foi “infetada”

Álcool ″desinfetante″: xinguilamentos da língua portuguesa em Angola (por ocasião do Dia Mundial da Língua Portuguesa)

José Luís Mendonça
www.novojornal.co.ao, 13.05.23

A data do 11 de Novembro de 1975 marcou, no plano político, a descolonização de Angola. E marcou também, no plano da cultura, a descolonização da língua portuguesa. Quarenta e sete anos passados sobre a data da independência, constata-se que a língua portuguesa passou por um processo de transformações exactamente igual ao que se verifica nas outras dimensões da vida nacional. Ao retrocesso na economia, ao retrocesso nas condições de vida das populações corresponde fielmente o mesmo retrocesso na comunicação em língua portuguesa.

A língua é um privilégio concedido pelos deuses à sua maior criação, o Homem. A língua, que, como alguém já desconstruiu, não é nenhum corpo vivo autónomo, mas uma pele imaterial que cobre todo o corpus do pensamento, dá cor à vida em sociedade: cada qual, no seu dia-a-dia a faz e refaz para se comunicar.

Daí que, quando em 1990, foi assinado em Lisboa, o Acordo sobre a Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, não poucos insignes escritores, académicos e outros lusitanos se insurgiram contra essa normalíssima adaptação da ortografia do português aos novos tempos e, até, negaram a sua validade.

Angola assinou o AO90, mas, até à data, recusa ratificá-lo. Aquando da celebração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, no ano de 2019, o ministério da Educação da República de Angola tornou público um comunicado em que afirmava que pretende ver reflectidos no AO90, os aspectos da linguística bantu “para que a realidade linguística portuguesa de Angola possa ser retratada nas gramáticas contemporâneas”.

Ora, essa posição, também defendida pela Academia Angolana de Letras, contradiz a pragmática da língua portuguesa em Angola, pautada pela exclusão oficial dos aspectos da linguística bantu. Em Angola, escreve-se Cuanza-Norte, nome de província, mas a moeda nacional escreve-se Kwanza. Se Angola não faz uso do que lhe é peculiar, como pode pretender que os outros países da CPLP o façam?

O artigo 19.º da Constituição angolana estabelece que “1. A língua oficial da República de Angola é o português. 2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional.”

O que muita gente no pelouro da Educação desconhece é que o Acordo Ortográfico de 1990 na sua Base I, 1.º, restaura o k e o y e introduz o w, fazendo o alfabeto português possuir 26 letras: O Anexo II do Acordo contém o Item 7.1 (»Inserção do alfabeto»), que justifica a introdução dessas três letras e das três razões, destacamos a que nos interessa:

“c) Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa existem muitas palavras que começam por aquelas letras.”

O que é que isto significa? Que o ministério da Educação, para além de falacioso, é preguiçoso, ao não criar um gabinete com peritos da língua pagos exclusivamente para elaborar estudos nesta área.

Quando o Estado não valoriza, nem promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola estará ou não a incorrer numa inconstitucionalidade por omissão? Sendo assim, que fundamento existe para o ministério da Educação não ratificar o AO90, alegando “os aspectos da linguística bantu”?

O que o Estado angolano deve fazer é simplesmente apropriar-se da língua portuguesa e fazer bom uso dela, impondo “os aspectos da linguística bantu” que achar necessários e não estar sempre a lamuriar-se como um bebé rabugento. A isso se chama fazer o trabalho de casa. [destaque no original]

xinguilamento | n. m.

xin·gui·la·men·to

(xinguilar + -mento)

nome masculino

1. [Angola] Acto ou efeito de entrar em transe, de xinguilar.

2. [Angola] Ritual em que se invocam os espíritos.

“xinguilamento”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/xinguilamento [consultado em 16-05-2023].
Xinguilamento linguístico

Mesmo sem a ratificação do AO90, acontece, porém que, devido a um sistema de Ensino obsoleto, a grafia luso-brasileira entrou pela escola adentro, e implantou-se implacavelmente na comunicação social dos angolanos, através das interferências intercontinentais, pela mídia e pelas migrações humanas, sem apelo nem agravo. Entrou em Angola como um modo zungueiro ou informal de dizer e escrever a língua oficial.

Um aspecto muito peculiar do estado de expressão do português é o facto de haver, na esfera da Administração Pública tantos modos de escrever a língua veicular, quantos os níveis de aquisição de (in)competência linguística pelos utentes. A fala também absorve esta fenomenologia do discurso, porém a plurimorfose linguística na oralidade é universal, esmaltada no tempo e perfeitamente inócua.

Em Angola, são facilmente detectáveis seis substractos linguísticos que influenciam a comunicação verbal:

1. O Acordo Ortográfico de 1945, que rege a língua oficial;

2. O Acordo Ortográfico de 1990, que Angola recusa ratificar;

3. A norma do Português do Brasil importada pelos seus falantes e pela pesquisa dos nossos estudantes na internet;

4. A norma do Português de Portugal que nos chega pela mesma via da do Brasil;

5. A recriação popular da língua pela estrutura mental e oral dos angolanos;

6. O fenómeno intercontinental de simplificação com o abuso da crase.

Poder-se-á ainda acrescentar um sétimo substracto que nos chega dos Congos, das nuances da língua francesa, em que a crase não segue as mesmas regras do português.

Esses seis ou sete níveis criam em Angola uma autêntica confusão linguística, a modos de xinguilamento verbal, na comunicação oficial, com diversas gradações e modos individuais de perceber e transmitir o pensamento através da língua oficial.

Quando a escola não preserva a língua, o povo anónimo faz a língua sair para fora da bocarra das normas.

Neste momento, a primeira acção relevante para uniformizar tanto a grafia quanto a sintaxe da língua oficial é a ratificação do Acordo Ortográfico de 1990.[destaque no original] Concomitantemente, sem mais delongas, é urgente reciclar os professores do Ensino de Base, para que adquiram a necessária competência linguística do português, língua oficial e acabar com o xinguilamento existente, pelo menos no espaço da Escola.

[Transcrição integral. Destaques e “links” meus.
Os destaques no original foram mantidos e assinalados como tal.
Imagem de rodapé: “Screenshot” do site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda.
Em “grafia luso-brasileira” tracei “luso”.]

Nota: o site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda já está totalmente adulterado pela cacografia brasileira; a imagem foi obtida após correcção automática. Esta aberração, evidentemente financiada pelos brasileiristas do Estado tuga, é caso único em Angola. Toda a Administração Pública angolana, Presidência, Governo e demais organismos e entidades do Estado — e também todo o sector empresarial privado, toda a sociedade civil, todas as organizações e serviços — não apenas não aplicam (Angola não ratifica) o #AO90 como continuam a seguir a norma do Acordo Ortográfico de 1945 (que o Brasil recusou unilateralmente em 1955). Veja-se, a título de ilustração, a página governamental dedicada ao Ministério da Educação, cuja titular é licenciada pela Universidade do Minho.

«Descolonizar a língua portuguesa» [JPT, “Nenhures”]

Descolonizar a língua portuguesa

Os prémios literários têm o valor que se lhe decide dar. Derivam em parte dos regulamentos e objectivos das instituições que os atribuem, estas de pequeno porte (órgãos autárquicos, fundações menores), nacionais ou até globais (o Nobel é caso máximo). E nisso também das composições sociológicas e ideológicas dos júris que os seleccionam. Tudo isso é muito esquecido e o público tende a dar-lhes um valor como se absoluto, um estatuto “objectivo”. Mas os prémios têm outras funções – para além de salvaguardarem os tais objectivos dos seus financiadores – e nisso são positivos: chamam a atenção dos leitores, que depois logo seguem ou não tais recomendações. E remuneram económica, estatutária e, se calhar o mais importante, afectivamente os escritores. Dito isto, valem o que valem…

O Camões também, e por maioria de razão. É um prémio político – instaurado como uma vertente da sedimentação da tal “comunidade de sentimentos” assente na língua, já gizada no Estado Novo do salazarismo de 1960s. Uma das hastes no domínio da “língua e cultura”, nos anos da sua instauração ombreando com esse rumo do republicanismo (maçónico) colonialista que desembocou no Acordo Ortográfico. Mas é também um prémio político dada a sua metodologia, essa consuetudinária alternância anual entre premiado português e brasileiro, de quando em quando polvilhada de um africano. Vertente política – associada à da influência da sociologia das academias – escarrapachada aquando da recusa de jurados da direita brasileira em premiarem Jorge Amado, tendo escolhido outro brasileiro. Coisa restaurada no ano subsequente, já com outros jurados brasileiros aceitando premiar Amado e nisso quebrando-se, afinal pois política oblige, o mandamento político da tal alternância.

Pouco me importa isso: desde que um autor de uma obra única, multifacetada, riquíssima, excêntrica, cosmopolita como Ruy Duarte de Carvalho morreu sem ter ganho o prémio – apesar de autores da reduzida dimensão de Luandino Vieira ou Pepetela terem antes sido premiados – deixei de dar algum crédito ao que os pequenos júris (dois portugueses, dois brasileiros, dois “africanos”) faziam nas suas escolhas. Claro que rejubilei com a atribuição a Raduan Nassar, claro que me ri do meu Portugal geringôncico quando da premiação à “literatura de combate” de Manuel Alegre. Isto porque os tais jurados (já conheci alguns, amigos mesmo) premeiam quem lhes “apetece”. Como referi a questão identitária sempre foi a fundamental – a nacional. Agora introduziram-se outras: o sexo, a raça (a “etnia”, como escreve um conhecido colunista do jornal de referência “Expresso”).

Essa trindade identitária impulsionou o prémio dado a Paulina Chiziane, o qual foi também ancorado por critérios quantitativos – o júri sustentou a sua decisão devido a que a autora é “muito estudada nas universidades”. Entenda-se, Chiziane é muito investigada nas universidades brasileiras pois essas suas características identitárias são apelativas às tensões político-ideológicas vigentes naquele país. Não se trata de discutir o interesse de Chiziane sob um ponto de vista de cânone literário (instrumento que estes “pensamentos abissais” actuais reduzem a qualquer coisa como “epistemicídio”), nem tão pouco de remeter a relevância dos seus textos para uma dimensão documental sobre a sociedade moçambicana. Trata-se de, pura e simplesmente, consagrar as tais identidades: nacional, sexual, racial. Justificando-se o júri de académicos feito, e repito-me, por critérios quantitativos…

Insisto, tudo bem. O “Camões” é o que é, vale o que vale, mero instrumento político. Qual a razão de sufragarmos as atribuições por critérios nacionais e não por outros? E com toda a certeza que não depende do meu gosto pessoal – aliás o meu “gosto” seria lapidado por quaisquer antagonistas, pois reduzido a reflexo imediato (pavloviano até) das minhas vis características identitárias (branco, português, ocidental, homem, heterossexual. E, quem sabe até, reaccionário).

No meu país as pessoas louvam, dadas que são ao fetichismo identitário – que aliás julgam ser sinónimo de posicionamento político. Mesmo que não a tenham lido – ficção e, já agora, os textos “ensaísticos”… Por isso Paulina Chiziane vai agora a Portugal receber o Prémio e faz um discurso a clamar pela “descolonização da língua portuguesa”. E lá está a esquerdalhada a bater palmas – até a minha família literata publica “Obrigado, Paulina Chiziane!”, comovida com a indigência.

A problemática é simples. Essa expressão de Chiziane convoca duas temáticas em voga, que a tal esquerdalhada adora: a necessidade da purificação da língua (o “cancelamento”, por assim dizer), a afirmação de que Portugal é tal e qual um império colonial (“um país racista que não se descolonizou”). Chiziane diz, o pessoal do “Público” e do “Jornal de Letras” comove-se, solidário, e escreve entre aplausos “Obrigado, Paulina Chiziane!”.

Escola primária em Tofo, Moçambique [“link” origem da imagem]
Volto um quarto de século atrás, quando até trabalhava na área, mas agora com menos pertinência pois as coisas mudaram um pouco: não é a língua portuguesa que tem de ser expurgada, até porque ela vem tomando rumos diversos consoante os contextos linguísticos nos quais vem sendo usada. O que poderia mudar são as práticas linguísticas portuguesas (e outras). As práticas linguísticas não são a “fala”, são as práticas de quem trabalha na área. Como defendia eu no final de XX quando trabalhava no país de Paulina Chiziane, o que Portugal (esse onde os esquerdalhos agora bramem “obrigado”) deveria fazer como política linguística tinha três dimensões: 1) deixar de andar a passear embaixadas de literatos – escritores bons, medianos, medíocres, académicos e jornalistas culturais sufragados pelo “Jornal de Letras”, ou seja, gente do PS e do PC – e desdobrar-se em apoios à rede de Institutos de Magistério Primário então criados com financiamento do Banco Mundial; 2) apoiar projectos de fixação das línguas nacionais – mesmo que estas práticas sejam violentadoras das diversidades internas a cada continuidade linguística (e sobre isso é sempre de voltar aos magníficos textos de Patrick Harries sobre o Sul de Moçambique) – nisso dinamizando as áreas de estudos linguísticos no nosso país, sempre hiper-deficitários à excepção de alguns trabalhos de missionários ao longo dos séculos; 3) apoiar fortemente as políticas de ensino em línguas nacionais, valorizando o bilinguismo e combatendo o glotocídio. Usando assim o português, seu ensino e sua prática, como língua de civilização – de cultura abrangente, tenho que traduzir o termo para os patetas esquerdalhos.Enfim, um quarto de século depois as situações mudaram, os países africanos serão menos dependentes em recursos humanos e económicos para estas questões. Mas de qualquer forma pensar dentro deste eixo é apelar ao desenvolvimento dos estudos linguísticos, das “práticas linguísticas” no seio dos países de língua portuguesa. Não é andar a surfar a indigente moda “revolucionária” de apontar ao nosso país “escravocrata”, “racista“, “por descolonizar”, a ter de expurgar a sua língua, de “cancelar” termos.Mas a mediocridade não está apenas nos que aplaudem isto. Está também no texto da premiada, atrevido porque infudamentado. A rapaziada da capital pode aplaudir e agradecer mas Chiziane foi a Lisboa mandar “bocas”. Num discurso preguiçoso e sobranceiro, provocatório. Quer ela limpar a língua portuguesa – não a que se fala alhures, mas a que está nos dicionários portugueses. Atira ao ar meia dúzia de palavras, que têm semânticas históricas como é óbvio. Mas basta ir à internet (eu estou longe de casa e dos meus dicionários). Os dicionários actuais não são os de 1923 nem de 1953, as palavras surgem com outros conteúdos (e sim, os melhores dicionários devem ser históricos mas nem todos o terão de ser…). Ou seja, Chiziane ou só tem dicionários velhos ou, pura e simplesmente, foi receber o maior prémio da sua carreira (ela em 1998 dizia a Saramago que queria ganhar o Nobel, mas ainda não o conseguiu) com um discurso que nem sequer fundamentou bibliograficamente, as tais meras “bocas”.Mas há um pormenor final que muito se casa com a “aceitação” do discurso literário de Chiziane, esse apreço de folclorismo alimentado. Entre várias palavras “coloniais” que encontra nos dicionários (portugueses) e que representam a perenidade colonial, a autora clama contra a desvalorização do “matriarcado”, que reclama ser valorizável por ser existente no Norte de Moçambique. Há muito medíocre que invectiva quem fala de “ideologia de género”, dizendo que os que a isso se referem são “reaccionários”, “conservadores” ou quejandos. Mas um dos traços que caracteriza a tal “ideologia de género” é exactamente a recuperação ideológica do mito do “matriarcado”. De facto, o que existe em Moçambique grosso modo a Norte do Zambeze são sociedades com opções matrilineares – relações de parentesco privilegiadas com o lado materno, sucessão de postos e práticas de herança preferenciais por via uterina. E muitas vezes com formas de casamentos tendencialmente matrilocais (os noivos formam a nova casa junto da família da noiva).Dentro de correntes feministas radicais estas opções sociais vêm sendo ditas “matriarcado” (o poder das mulheres), vistas como virtuosas. Uma mistificação recuperando o velho mito das sociedades sobre poder das mulheres (as Amazonas, o recente Astérix entre os Citas, etc.), apresentado de modo algo matizado. Ora Chiziane nem sequer vem alimentada por esse histriónico feminismo académico, pois desde sempre confundiu na sua ficção a matrilinearidade/matrilocalidade com o tal “matriarcado”, um mero caso de ignorância antropológica – algo que muito potencia o apreço que lhe têm as tais “universidades”, de radicalismos identitaristas alimentadas, as quais se tornam, afinal, critério quantitativo de premiação literária. E agora vem-nos dizer “coloniais” ou “colonialistas” porque aprendemos a destrinçar as realidades.E tu, Patrícia, aplaudes isto, agradeces. Para quê?!

[Transcrição integral de artigo, da autoria de José Pimentel Teixeira, publicado no blog “Nenhures” (estan.blogs.sapo.pt) em 08.05.23. Destaques meus. Acrescentei imagens e “links”, sendo os extractos apensos de minha autoria.]

A visita daquele senhor

1 — Primeiro, vinha a 22 e seria recebido a 25 na Assembleia da República, em sessão solene. Caso o programa estabelecido pelo Governo português fosse cumprido, esta seria a primeira vez em que um Chefe de Estado estrangeiro discursaria na sessão comemorativa oficial do 25 de Abril. De súbito, e evidentemente sem sequer consultar qualquer das entidades estaduais, o Presidente da República Federativa decide antecipar a chegada à “terrinha”, o tempo de permanência no território e, por conseguinte, a data da partida para uma das capitais europeias, Madrid.

Adivinhava-se a alteração de última hora (“atirar o barro à parede” não colou). Isso mesmo foi aqui previsto a 3 de Março p.p. e confirmado pela imprensa portuguesa apenas ontem, 20 de Abril de 2023.

Os conspiradores rejubilam e preparavam-se até para convidar o putativo presidente da sua deles República para as comemorações; ao que parece, no entanto, a coisa seria por demais escandalosa, para já ainda convém ir disfarçando o estatuto de 28.º Estado da República Federativa do Brasil, o evento público de tomada de posse ficará talvez para o próximo ano, se calhar até no 10 de Junho.

[post “A lógica instrumental do #AO90″, 03.03.23]

Lula da Silva antecipa viagem para Portugal

Agenda do Presidente do Brasil em Portugal irá começar um dia antes do previsto, numa viagem que deverá ficar marcada pela intervenção no Parlamento, a 25 de Abril.

“SIC Notícias”, 20.04.23

Inicialmente a agenda do chefe de Estado brasileiro previa um embarque rumo a Lisboa durante a manhã de sexta-feira. Com esta alteração, o programa de Lula em Portugal arranca logo na sexta-feira.

(…)

No 25 de Abril, a sessão de boas-vindas a Lula da Silva está marcada para as 10:00 e contará com intervenções do Presidente do Brasil e do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva. Só depois, pelas 11:30, terá lugar a sessão comemorativa do 25 de Abril, já sem a presença do Presidente brasileiro.

Um esclarecimento que surgiu depois da polémica devido ao anúncio, em Março, feito pelo ministro João Gomes Cravinho, no Brasil, quando disse que Lula da Silva iria discursar na cerimónia solene do 25 de Abril na Assembleia da República.

Apesar de ter sido posteriormente convidado por Augusto Santos Silva para assistir à sessão solene no hemiciclo, o convite foi declinado.

[Transcrição parcial de artigo publicado por “SIC Notícias” em 20.04.23. Destaques meus.]

2 — Da agenda do Presidente da República Federativa, que discursará de qualquer forma na sessão solene do 25 de Abril, consta uma enorme lista de negócios (em sentidos literal e figurado), em especial no que diz respeito às exportações para Portugal e, a partir deste entreposto, para a Europa e para os PALOP. Além dos negócios em que os tugas investiram milhões naquela metrópole e que, “por azar”, ou já faliram ou estão em vias disso e, portanto, é necessário “reavivar”, ou seja, torrar lá mais uns patacos, o mais urgente para o Brasil é a exportação em massa de pessoas — aquilo que o governador tuga designa como “invasão de Portugal por brasileiros“. Mas esta “invasão” apenas sucedia, bem entendido, na lógica do mesmo tuga, caso o Presidente brasileiro fosse o “outro”; com “este” não, nada disso, é tudo uma maravilha. “Lógica” futebolística, portanto: os “nossos” são melhores do que os “vossos” porque os vossos são piores do que os nossos.

Ora, lá vêm os números, esse tremendo aborrecimento, a realidade (a realidade, que horror!) estraga completamente a bondade dos “argumentos” de Sua Excelência. Afinal, parece, a tal “invasão” é culpa do “outro” mas quem bate todos os records nesse aspecto é “este”.

«Este é um primeiro episódio a tratar da massiva emigração de brasileiros para Portugal. Iniciaremos a reflexão juntamente com o apontamento do presidente Marcelo Rebelo de Sousa em seus pronunciamentos nos Consulados Gerais de Portugal no Rio de Janeiro e São Paulo. Para o presidente da República Portuguesa, “Está a haver uma invasão de Portugal por brasileiros”, e isso ocorre especialmente nos últimos 4 anos e coincide com o governo de Bolsonaro. Nunca antes na História do Brasil um presidente foi capaz de expulsar tantos cidadãos brasileiros… É mesmo uma pena… Muitos brasileiros chegam à Portugal desesperados, saídos de um Brasil de ódio, insegurança, injustiças, instabilidade política e caos social…»

[YouTube, André Carvalho LUSOaBRaço (Brasil)]
[post “Lusofobia: causa(s) e efeito(s) – 4”, 18.07.22]

«Mais de 93 mil da CPLP com autorizações de residência em Portugal num mês»

«Mais de 93 mil imigrantes lusófonos, a maioria brasileiros, obtiveram autorizações de residência em Portugal no primeiro mês de funcionamento do novo portal disponibilizado pelo SEF para atribuição automática deste documento, segundo um balanço feito hoje.»
«A plataforma para obtenção de autorização de residência em Portugal para os cidadãos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) entrou em funcionamento em 13 de Março e destina-se aos imigrantes lusófonos com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até 31 de Dezembro de 2022 e para quem tem um visto CPLP emitido pelos consulados portugueses após 31 de Outubro de 2022.»

[“Notícias ao Minuto”/BrasiLusa, 11/04/23]
[post
Três mil e cem por dia”, 14.04.23]

Lula da Silva “Doutor” Honoris Causa pela Universidade de Coimbra — Março 2011

3 — Da extremamente ocupada agenda do senhor que está cá de visita não consta, é claro, até porque oficialmente tal coisa inexiste, algo que tenha a ver com a lusofobia. Aliás, nem aos negociantes portugueses ocorre sequer tocar no assunto, nem aos homens de negócios brasileiros interessa qualquer referência a um fenómeno que, apesar de não muito antigo (desde as primeiras décadas do século XIX), recrudesceu e multiplicou-se exponencialmente a partir do momento em que o Brasil impôs a sua língua, através do #AO90, planeou o seu putativo II Império inventando a CPLB e arrasou qualquer resquício de identidade nacional com o chamado “Estatuto de Igualdade” — e suas implicações, como a cidadania automática.

Sobra o costume, enfim. Uma questão (séria) de soberania nacional é tratada como se fosse uma peladinha entre solteiros e casados. Enquanto os de um clube acham mal a presença “dele”, que não é dos “nossos”, os da outra claque barafustam porque “ele” é dos “outros”. A nenhum dos fanáticos adeptos ocorre que “ele” não vem cá dar pontapés na bola (só na gramática, mas adiante) e que ele não representa uma equipa nem a outra. Muito menos se representa a si mesmo. Qualquer Presidente da República representa o seu país. O brasileiro representa o Brasil.

Portugal não é o país dele.

Lula chega hoje a Portugal com imigrantes na agenda da cimeira e negócio aeronáutico à vista

“Diário de Notícias (Madeira)”, 21 Abr 2023
BrasiLusa/www.dnoticias.pt

O Presidente brasileiro Lula da Silva, chega hoje a Lisboa para uma visita oficial a Portugal, com uma agenda intensa, que inclui uma cimeira luso-brasileira, com assuntos da comunidade imigrante estarão em debate, mas também com um negócio aeronáutico no horizonte.

Segundo uma fonte do Executivo brasileiro, a possibilidade de exportação do avião KC-390, que já é produzido pela empresa brasileira Embraer em Portugal, para outros países da União Europeia vai ser um dos assuntos a ser discutido entre os dois governos.

Mas, na cimeira luso brasileira, que decorre no sábado à tarde, constará um capítulo “dedicado aos assuntos da comunidade imigrante do país em Portugal”, disse à Lusa a mesma fonte.

Além deste, haverá também um capítulo económico, muito virado para como incentivar as trocas comerciais entre os dois países e ainda um outro dedicado à agenda internacional e de política externa, onde o caminho para a assinatura do Acordo União Europeia-Mercosulestará em debate, com a questão da guerra Rússia-Ucrânia pendente, adiantou a mesma fonte.
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O “Público” e a sua nova Direcção (ou será “direção?)

Os colunistas e o novo acordo ortográfico

O jornal continuará a publicar textos de colunistas e convidados que seguem o novo acordo ortográfico.

José Manuel Barata-Feyo
17 de Setembro de 2022
«Uma das razões que levam o leitor Elysio Correia Ribeiro “a assinar e a ler diariamente o PÚBLICO é a de não ser agredido com o português (?) do ‘aborto’ ortográfico”. “Neste aspecto, o jornal é caso único – julgo – no confrangedor panorama da imprensa escrita que, sem ser a isso obrigada, correu a cumprir uma lei que, ainda por cima, foi adoptada à revelia do que ela própria afirmava (tinha de ser implementada por todos os países lusófonos) por uma classe política farisaica e ignorante, e contra a opinião de praticamente todos os que profissionalmente manejam a língua.”»

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É um caso sui generis no panorama da imprensa portuguesa generalista de implantação nacional. Existem outros jornais que igualmente recusam a cacografia brasileira — como o “Novo” ou “O Diabo” ou o “Página Um” –, mas foi o “Público” aquele que há mais tempo declarou expressamente a sua determinação em continuar a ir para as bancas (e para a Internet) sempre redigido em Português; inclusivamente, e isto não é coisa pouca, dadas as óbvias implicações políticas da decisão, a Direcção lançou em 2015 a edição “Público – Brasil”, igualmente no «português escrito em Portugal».

Desde pelo menos 2011, sucederam-se naquele jornal os artigos denunciando o estropício, tanto de jornalistas “da casa” como de colaboradores ou colunistas externos e ainda um sem número de artigos de opinião dos autores mais diversos, de “figuras públicas” — representando, no seu conjunto, todo o espectro partidário — ao mais comum dos leitores — também transversalmente, de diversas origens, estatutos sociais e grau de escolaridade ou académico.

De entre todos os artigos ali publicados sobre o #AO90, a maioria dos quais foram aqui reproduzidos, merece especial destaque Nuno Pacheco, director adjunto e (evidentemente) membro do Conselho de Redacção do jornal; apenas deste autor, é possível contar 51 “posts” no site da ILCAO (12.09.200817.06.2015) e outros 82 aqui mesmo, no Apartado. Nota de relevo ainda para o comentador político Pacheco Pereira que, além de diversos textos sobre o assunto, cunhou a expressão porventura mais certeira e exacta para descrever a língua univérrssáu e suas consequências: «um Acordo Ortográfico que se pretende impor manu militari».

Pois agora o que se prefigura na Redacção do “Público”, num futuro bem mais imediato do que seria previsível há apenas alguns meses, é a mudança do Director. Com tudo aquilo que essa mudança poderá implicar, evidentemente. Para já, o que sabemos sobre as orientações redactoriais e, por consequência, a respeito do que poderá (ou não) vir a suceder quanto ao AO90, é que… não sabemos coisa nenhuma; sobre isso, pelo menos até ao momento, nem uma palavra. O que não costuma ser bom prenúncio; por definição, o silêncio precede algo de muito “barulhento”…

Bom, sejamos optimistas. Como se diz em brasileiro, pensámentu pôzitchivu

(Qui orrô, mi adisculpi, viu?)

Conviria, porém, mesmo tentando ver a coisa pelo lado bom, não dar uma de anjinhos. “Conteúdos editoriais” e “conteúdos comerciais”, especialmente quando concatenados ambos os termos na mesma frase, não aparenta de facto — nada, nada, nadinha — ser bom prenúncio. Em 2020, que se saiba — e pouco ou nada mais se soube sobre o assunto daí em diante –, o Governo, com um gesto magnânimo e extremamente generoso, espalhou 15 milhões pelas redacções e, principalmente, pelas “redações” de jornais, rádios e canais de TV; para pagar “publicidade institucional”, dizem.

Tais “ajudas”, depreende-se, irão somar-se à mesmíssima publicidade institucional que toca aos OCS de forma regular: éditos, avisos, alertas, concursos etc. Aliás, essa regularidade é uma das mais importantes fontes de financiamento no ramo, chegando em alguns casos a ser a única receita para além das vendas do produto jornalístico em si, em papel ou por meios digitais, neste caso com publicidade paga também pelo sector empresarial privado.

Bem vistas as coisas, assim como sucede quanto ao próprio acordo da língua brasileira, isto é tudo uma questão de dinheiro. O qual, como sabemos, não tem nem cor (bem, as notas de dólar, se calhar por serem verdes, gozam das preferências gerais) nem opinião nem credo e nem mesmo nacionalidade. Como dizia já não sei quem, “um escudo é um escudo”. Agora, o escudo até já nem tem cotação cambial, mas não faz mal, se não houver dólares pode ser em euros, ou em francos suíços, vá, no problem, isso troca-se numa data de offshores.

Não há-de ser nada. Fiemo-nos noutra coisa sem ser na virgem. Decerto o “Público”, onde é tudo boa rapaziada, estará, ao invés do que sucede com a maioria dos media tugas, imune a qualquer OPA governamental. O que significará, por conseguinte, que poderemos continuar a ler aquilo em paz e sossego, sem conspurcações brasileirófonas.

Esperemos que ao menos desta vez haja um escrutínio realmente democrático e que naquela Redacção ninguém acabe a votar sozinho.

Casamento de novo director do Público com deputada do PS levanta reservas

Margarida Davim
revista “Sábado”, 10 de Abril de 2023
www.sabado.pt

Conselho de Redacção do Público deu parecer positivo ao nome de David Pontes para substituir Manuel Carvalho. Mas, em declaração de voto, duas jornalistas defendem que preocupação quanto às fronteiras entre conteúdos editoriais e comerciais e casamento com socialista deviam ser “motivo para dar um parecer negativo à indicação” do novo director.

O jornal Público já tem novo director indigitado. David Pontes sucederá a Manuel Carvalho quando, a 1 de Junho, este sair da direcção do diário da Sonae. O nome escolhido pela administração teve o parecer positivo do Conselho de Redacção. Mas os jornalistas que compõem este órgão deixaram, nesse texto, claras as reservas que Pontes lhes suscita.

Uma das preocupações dos jornalistas do Público é a de que esta nomeação não dê garantias de uma separação entre os conteúdos editoriais e os comerciais.

“Atendendo à natureza das funções recentemente desempenhadas por David Pontes nesta e noutras empresas de comunicação social, o CR entende, porém, ser imperioso sublinhar que o novo director deve garantir e zelar por uma clara distinção entre as esferas editorial e comercial e reforçar os mecanismos de transparência do jornal quanto aos conteúdos apoiados e aos conteúdos promovidos“, lê-se no parecer a que a SÁBADO teve acesso e que foi redigido já depois de Pontes ter respondido a um pedido de esclarecimentos a este órgão.

“A independência e o rigor informativo são os principais activos desta redacção e devem constituir prioridade para a nova direcção editorial, à qual compete a missão de preservar a marca Público, salvaguardando-a da dispersão e da descaracterização que podem advir da multiplicação de chancelas e projectos”, frisam o Conselho de Redacção.

Director deve abster-se de escrever sobre temas em que é “parte interessada”

Os membros do Conselho de Redacção alertam ainda para a necessidade de o novo director evitar conflitos de interesse nas matérias sobre as quais escreve, defendendo que “os jornalistas do Público, e por maioria de razão o seu director, devem inibir-se de escrever sobre questões em que possam ser considerados parte interessada e recomendam a esse respeito uma política de transparência perante os leitores”.

Em causa está o casamento de David Pontes com a deputada do PS Carla Sousa. De resto, este parecer tem uma declaração de voto assinada por duas jornalistas que entendem que esta circunstância e as dúvidas sobre a separação entre o que são conteúdos jornalísticos e conteúdos comerciais seriam por si só suficientes para o Conselho de Redacção chumbar o nome de Pontes.

“Subscrevemos as reservas apontadas pelos nossos colegas do CR, que partilhamos, mas, no nosso entender, estas são motivo para dar um parecer negativo à indicação de David Pontes para novo director do Público”, escrevem numa declaração de voto, na qual expressam preocupação pela “frágil delimitação das fronteiras entre os conteúdos editoriais e os conteúdos apoiados, a qual ameaça os princípios fundadores do Público e retira o foco do jornalismo a que nos devemos dedicar”.

A declaração de voto defende ainda que, sendo David Pontes casado com uma deputada do PS, é “inadequado que não considere que se deva abster de fazer comentário político, evitando assim a suspeição sobre óbvios conflitos de interesses”.
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