Timor “expetável”

Neste tipo de artigos, a manusear necessariamente com pinças mentais, convém munir-se a gente de ao menos algum conhecimento de causa.
A começar pelo facto de deixar claro que pretender encaixar uma terra como Timor-Leste nos padrões “civilizacionais” europeus ou ocidentais é — encurtando razões — profundamente estúpido. E pretensioso, aliás, já que denota um indisfarçável lastro tardo-colonialista. Timor-Leste não tem absolutamente nada a ver, em aspecto algum, com o que no Ocidente em geral se utiliza para etiquetar nações, povos, modos de vida e culturas… ocidentais. Timor-Leste é Timor-Leste, não um enxerto europeu ou americano (ou australiano ou chinês). Os timorenses têm a sua própria Cultura, completamente distinta de qualquer outra, e daí, portanto, a sua Língua nacional ser também algo único: num território pouco maior do que o do Algarve coexistem “15 línguas nacionais” (mais variantes), duas línguas oficiais e ainda o Bahasa*** como língua-franca.
Em Timor-Leste, de acordo com a Constituição do país, o Tétum, que sofreu influências da Língua Portuguesa (uma Língua de elite em Timor), é a Língua Nacional, mas também Língua Oficial, que partilha com o Português. A estas, juntam-se mais as seguintes quinze Línguas Nacionais faladas pelo povo timorense: Ataurense, Baiqueno, Becais, Búnaque, Cauaimina, Fataluco, Galóli, Habo, Idalaca, Lovaia, Macalero, Macassai, Mambai, Quémaque e Tocodede. [blog “O Lugar da Língua Portuguesa“]
É certo que poderia ser muito pior, mesmo propagandístico e descarado, como tantos outros que vamos lendo por aí. Pelo menos deste autor e pelo menos aparentemente, o arrazoado — que poderia valer para o ensino em Chelas, por exemplo, mas não para o que existe em Timor — não tresanda, como de costume, a pura e dura propaganda brasileirista.

Nada de ilusões, porém. Escrever com a cacografia brasileira sobre o ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste poderia muito bem ser (será?) uma forma subtil (“sútchiu”, em brasileiro) de passar a “mensagem”, preparando o terreno para que o Itamarati venha a tomar posse administrativa de mais um porta-aviões, este encalhado no Sudeste asiático.
Ao fim e ao cabo, vejamos, para os acordistas a coisa já nem é só “expetável”.
Que futuro para a língua portuguesa em Timor-Leste?
Timor-Leste não só é um dos mais jovens países ao nível político — independência proclamada em 1975 e confirmada em 2002, depois dos 24 anos de ocupação da Indonésia, do referendo de 1999 que sufragou, por uma maioria muito expressiva, a autonomia e dos anos de transição administrativa das Nações Unidas —, como também o é na pirâmide demográfica dos países lusófonos, com uma percentagem significativa (34,45%) de população jovem, segundo dados de 2023.
Se este país fosse invocado pela obra ímpar de Ruy Cinatti, o eterno e sensível Senhor da Chuva, falaria de uma realidade bem diferente, sobretudo de montanhas, pessoas, tradições, casas e paisagens deslumbrantes. Porém, focar-me-ei na língua portuguesa.
Em linha com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste quanto à identificação das línguas oficiais, a Lei de Bases da Educação, de 2008, determina que “as línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português”.
Por sua vez, os normativos sobre o currículo nacional dos ensinos básico e secundário instituem a progressão linguística destas duas línguas de ensino, com mais tempo lectivo para o Tétum do 1.º ao 7.º ano, passando esse estatuto para o Português no 8.º ano e seguintes.
Sendo um território marcado por uma grande diversidade linguística (23 línguas maternas, variantes do Tétum, língua inglesa e língua indonésia), a abordagem da aprendizagem escolar constitui um dos principais problemas educativos de Timor-Leste, pois a progressividade das duas línguas não se verifica nas escolas, mantendo-se dominante o Tétum, na variante do Tétum Praça, ao mesmo tempo que impera a língua indonésia no quotidiano das famílias, nos programas de televisão mais vistos e no comércio local.
Apesar de existirem alterações significativas em curso, poder-se-á afirmar com toda a convicção que é diminuta a percentagem da população timorense que fala as duas línguas oficiais. O facto de o Português ser uma língua não materna traz dificuldades acrescidas, não sendo tão eficiente o seu uso na comunicação entre os timorenses, nem nas escolas, onde a tendência para a captação da oralidade se sobrepõe ao domínio da leitura e da escrita.
Verifica-se, também, uma certa desvalorização do Português pelas organizações internacionais, incluindo as organizações não-governamentais, cuja preferência na redacção de relatórios e na produção de materiais educativos vai para o Inglês e para o Tétum, como se o Português não fosse uma língua oficial em Timor-Leste.
Mesmo assim, a língua portuguesa é falada no território, principalmente pelos mais velhos que tiveram a sua instrução escolar anterior a 1975 ou pelos mais novos que estiveram ou estão na Escola Portuguesa de Díli ou nas Escolas CAFE (Centro de Aprendizagem e Formação Escolar).
Estas escolas são a actual frente mais visível da cooperação de Portugal com Timor-Leste, tendo sido criadas com o objectivo de replicar a Escola Portuguesa de Díli em cada um dos 14 municípios (o de Ataúro é o mais recente, estando previsto para breve o seu funcionamento) e, por isso, foram denominadas, de 2012 a 2014, Escolas de Referência.