Breves considerações sobre a ortografia
A ortografia é o único aspecto da língua portuguesa em que há uma regulamentação explícita através de textos legais. A norma ortográfica oficial actual segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 1990, segundo o disposto na Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República, n.º 193, Série I-A, pág. 4370 a 4388 (disponível em http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog90.pdf), ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio de 2008, com o correspondente Decreto do Presidente da República n.º 52/2008, publicado no Diário da República, n.º 145, de 29 de Julho de 2008. No caso da norma europeia, até à efectiva entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, vigoravam dois textos legais: o Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro de 1945 e a sua alteração pelo artigo único do Decreto-lei n.º 32/73 de 6 de Fevereiro de 1973 (ambos disponíveis em http://www.priberam.pt/docs/AcOrtog45_73.pdf). A norma onomástica está regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 36/97, de 31 de Janeiro.
Acresce a estes dados a realidade portuguesa relativamente à política linguística, uma vez que não há, em Portugal, uma instituição com funções efectivas na normatização linguística. A este respeito, é interessante verificar a posição da Academia das Ciências de Lisboa, que, ao contrário, por exemplo, das congéneres espanhola e francesa, é uma “instituição interdisciplinar”, que não se pode assemelhar àquelas, as quais “nasceram só para o estudo das [respectivas] Línguas”, como refere Pina Martins, Presidente da Academia à data do seu prefácio ao Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa (Lisboa: Editorial Verbo, 2001, p. ix).
Posição da Priberam
A Priberam acompanhou atentamente todo o processo relativo ao Acordo Ortográfico, no sentido de produzir ferramentas que correspondam qualitativamente às expectativas dos utilizadores. Pelo facto de a Priberam ter adquirido uma grande responsabilidade devido aos produtos que desenvolve, às marcas a que se tem associado e ao número de utilizadores que recorrem aos seus produtos e serviços, é exigido aos seus correctores um alto grau de qualidade e a resolução pronta das dúvidas ortográficas (e não a criação de mais áreas de dúvida ou hesitação).
As versões do FLiP que incluem a ortografia segundo o novo Acordo Ortográfico foram desenvolvidas ao longo de vários anos, depois de um trabalho contínuo com base no texto legal e não com base no Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), adoptado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º8/2011, aprovada em 9 de Dezembro de 2010 e publicada no Diário da República n.º 17, I Série, pág.488.
O texto do Acordo de 1990 não prevê soluções para muitos dos problemas que cria e é lacunar, ambíguo ou incoerente em alguns aspectos, pelo que foi necessário definir linhas gerais explícitas e fornecer ao utilizador a explicação de algumas opções tomadas pela Priberam. Estas opções têm de ser tanto mais explícitas quanto mais sentida for a ausência de instrumentos lexicográficos reguladores autorizados, nomeadamente o “vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa”, previsto no art.º 2.º do texto do Acordo, que permitam substituir as obras tidas como referência maior na lexicografia portuguesa, de que são exemplo o Tratado de Ortografia e o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves.
A consulta do VOP do ILTEC permitiu confirmar algumas das opções tomadas pela Priberam relativamente a áreas pouco claras do texto legal, mas veio colocar novos problemas, especialmente devido à interpretação de alguns pontos do texto do Acordo feita pelos lexicógrafos do ILTEC. Por este motivo também, a Priberam considera essencial dar a conhecer os critérios que nortearam as opções dos seus correctores ortográficos, assinalando e justificando os (raros) pontos em que a sua interpretação do texto legal diverge daquela feita pelo ILTEC. Esta questão é especialmente importante, atendendo ao facto de que, nestes pontos (sobretudo no uso do hífen), os critérios do ILTEC se aproximam das opções do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL), oficialmente apresentado a 19 de Março de 2009, e algumas das opções inicialmente tomadas nesse vocabulário já tiveram de ser alteradas e revistas, conforme se pode verificar no Encarte de Correções e Aditamentos à 5ª edição do VOLP.
O VOP do ILTEC está apenas disponível para consulta na Internet, não havendo actualmente publicação em suporte físico, nem um histórico das alterações introduzidas, pelo que as observações a ele relativas e aos respectivos critérios são referentes a consultas feitas no início de Fevereiro de 2011 (em alguns casos com nota relativa a alterações introduzidas entretanto sem registo do histórico ou justificação de mudança ou introdução de critérios).
A Academia das Ciências de Lisboa (ACL), o órgão consultivo do governo português em matéria linguística, de acordo com o art. 5.º dos seus estatutos, editou no final de 2012 o Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP), que contém “uma seleção numerosa de mais de 70 000 palavras”.
É ainda de referir que estas três obras (VOLP, VOP e VOALP) nem sempre têm opções coincidentes.
Variedades do português: designação de português europeu
Como qualquer língua viva, o português não é alheio à variação linguística e contém diferentes variantes e variedades, nomeadamente a nível geográfico, social e temporal. O português falado em Portugal continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores é designado por variedade europeia ou português europeu (ou ainda português de Portugal), e abrange inúmeros dialectos (divididos ou agrupados segundo características comuns). Esta designação de português europeu é frequentemente contraposta à de português do Brasil (ou português brasileiro ou americano), por serem as variedades do português mais estudadas e alvo de descrição linguística.
Alguns dialectos do português de Angola e do português de Moçambique dispõem já de descrições e estudos, mas ainda sem muita divulgação fora do âmbito académico. A designação de português luso-africano é, do ponto de vista linguístico, incorrecta, uma vez que as características do português de Portugal, como sistema linguístico, são diferentes das características do português falado em cada um dos países africanos de língua oficial portuguesa (nomeadamente do português de Angola, do português de Cabo Verde, do português da Guiné, do português de Moçambique ou do português de São Tomé e Príncipe) ou de outros países (como Timor-Leste) ou territórios onde se fale o português. O único ponto em que poderá haver uma designação que indique uma aproximação luso-africana é exclusivamente em termos de norma ortográfica. Ainda assim, as práticas ortográficas divergem amiúde, principalmente no uso do apóstrofo em contextos não previstos no texto do Acordo Ortográfico de 1990 e das letras k, w e y em nomes comuns e não exclusivamente em nomes próprios ou derivados de nomes próprios estrangeiros. No que diz respeito ao léxico, à fonética ou à sintaxe, trata-se de variedades e normas com traços característicos que as distinguem.
Como as ferramentas linguísticas da gama FLiP não se limitam ao campo estrito da ortografia, mas ao processamento do português como língua natural, a Priberam não adopta o adjectivo luso-africano para qualificar português, variedade, norma ou palavra afim. Esta foi também, aparentemente, a opção da redacção do Acordo Ortográfico de 1990, onde é usada, na “Nota Explicativa“, ponto 5.1, a expressão “português europeu”.
Opção entre duas convenções ortográficas
O pacote de ferramentas linguísticas FLiP inclui correctores para a ortografia segundo o Acordo Ortográfico de 1990. O utilizador do FLiP pode, no entanto, se assim o entender, optar por utilizar a grafia anterior ao Acordo de 1990. Para contornar uma possível rejeição dos utilizadores do FLiP relativamente às novas grafias, por desconhecimento ou por manifesto repúdio, os menus, caixas de diálogo, textos de configuração, ajuda e afins foram escritos segundo a grafia vigente antes da entrada em vigor do Acordo Ortográfico, uma vez que o período de transição assim o permite.
Definições para a ortografia segundo o Acordo de 1990
Relativamente à opção entre a ortografia segundo o Acordo Ortográfico de 1945 ou segundo o Acordo Ortográfico de 1990, não há uma ortografia definida por omissão e o utilizador tem de escolher durante a instalação qual a ortografia que pretende utilizar, podendo posteriormente mudar a sua opção em qualquer momento. Se o utilizador escolher a ortografia segundo o Acordo Ortográfico de 1990, as opções definidas por omissão serão aquelas preconizadas pelo texto legal, sendo que, no caso de o texto legal ser ambíguo, contraditório ou lacunar, as opções são aquelas que a Priberam considera mais aproximadas do espírito do Acordo Ortográfico, com base no texto e nas obras de referência disponíveis.
SUBORTOGRAFIAS NACIONAIS
É desejável que exista a curto prazo um thesaurus da língua portuguesa ou um “vocabulário comum” a todas as variedades do português, mas seria útil ir mais longe na criação de instrumentos linguísticos e permitir a criação de vários vocabulários ortográficos autorizados consoante a norma de cada país, de que o “vocabulário comum” poderia ser a súmula. Estariam então, de alguma forma, organizadas subortografias nacionais, como propõe Ivo Castro , no seguimento da sua defesa de uma “versão fraca de unificação”, para evitar uma grande variação interna dentro de cada espaço nacional. A “Nota explicativa” do Acordo indicia uma solução semelhante no ponto 4.4 quando afirma que “os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia” [sublinhado nosso]. Esta é uma indicação explícita de que a diferenças de pronúncia equivalerão diferenças de grafia com determinados alcances geográficos, i.e., indica que as práticas ortográficas nacionais serão necessariamente diferentes, por exemplo, no território português e no território brasileiro, bem como em cada um dos outros territórios de língua oficial portuguesa.
Acresce a este argumento o facto de o texto legal que regulamenta a ortografia ser omisso quanto às diferenças ortográficas entre a norma brasileira e a portuguesa que provêm da tradição lexicográfica dos dois países (ex.: alforge/alforje, missanga/miçanga) ou ainda o da flexão preferencial, numa e noutra norma, de verbos terminados em -guar e -quar ou o da discordância nas duplas consoantes -mm- ou -nn- (ex.: connosco/conosco, comummente/comumente). Da mesma forma, o Acordo não se pronuncia sobre a divergência específica em formas como húmido/úmido, pelo que se mantém esta distinção nas práticas ortográficas das duas variedades.
É neste âmbito que se pretende inserir o FLiP, uma vez que se trata de um produto comercial que constitui um auxiliar de escrita e de revisão de texto. Uma vez que as diferenças ortográficas entre a variedade portuguesa e a brasileira não são totalmente resolvidas com o Acordo Ortográfico, e que as divergências não se limitam à ortografia, o FLiP contém, como anteriormente, dois correctores distintos para o português europeu e para o português brasileiro.
Critérios para as opções na acentuação gráfica
ACENTO NAS SEQUÊNCIAS -ÉM(A/E/I/O/U)-, -ÉN(A/E/I/O/U) -, -ÓM(A/E/I/O/U) -, -ÓN(A/E/I/O/U) – (E-ÊM(A/E/I/O/U)-, -ÊN(A/E/I/O/U) -, -ÔM(A/E/I/O/U) -, -ÔN(A/E/I/O/U) -, NO PORTUGUÊS DO BRASIL)
ACENTO EM CONTEXTOS NÃO PREVISTOS NO ACORDO ORTOGRÁFICO (EX.: GÉISER, POSÊIDON, E CONTÊINER, DESTRÓIER, HERÔON, NO PORTUGUÊS DO BRASIL)
ACENTUAÇÃO DOS VERBOS TERMINADOS EM -GUIR E -QUIR COM A VOGAL -U- PRONUNCIADA
Critérios para a aceitação de duplas grafias na acentuação
ACENTO NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL DO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO, NOS VERBOS EM -AR
ACENTO NA PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL DO PRESENTE DO CONJUNTIVO E DO IMPERATIVO, NO VERBO DAR E DERIVADOS
ACENTO EM FORMA/FÔRMA
Critérios para a grafia das chamadas “consoantes mudas”
A “norma culta”, que o texto legal tantas vezes invoca como critério para aproximar a grafia da pronúncia, é difícil de aferir. As opções tomadas para o corrector ortográfico não visam reflectir as opções individuais de um falante ou de um grupo de falantes, mas aquelas que foram consideradas como pertencentes à chamada “norma culta”. Entendemos, então, como norma culta a pronúncia registada em dicionários com transcrição fonética, ou as indicações de ortoépia em dicionários e vocabulários. As opções resultam sobretudo da consulta de obras de referência (ver) e, na ausência de opções nestas obras, de analogias feitas pelos linguistas, de acordo com o seu conhecimento dessas mesmas obras.
Critérios para a aceitação de duplas grafias
Como previsto pelo texto do Acordo Ortográfico de 1990, as duplas grafias são aceites pelo corrector ortográfico em casos em que a chamada “norma culta” hesita entre a prolação e o emudecimento das consoantes c e p. Sublinhe-se que o entendimento de “norma culta” não visa reflectir as opções individuais de um falante ou de um grupo de falantes, mas aquelas que assim foram consideradas no registo em dicionários ou vocabulários com transcrição fonética ou ortoépica. Em alguns casos foram feitas analogias pelos linguistas, de acordo com critérios lógicos.
No caso do português europeu, não são aceites duplas grafias em outros casos que não os da prolação/emudecimento das consoantes c e p, por se ter concluído que estes casos não são aceites no registo lexicográfico fonético e ortoépico. Desta forma, não serão registadas duplas grafias relativamente ao uso do h inicial, que o texto legal admite empregar-se “por força da etimologia” ou suprimir-se “quando, apesar da etimologia, a sua supressão está inteiramente consagrada pelo uso” (Base II), nem no português europeu (ex.: humidade, húmido) nem no português do Brasil (ex.: umidade, úmido). Os grupos consonânticos bd (ex.: súbdito), bt (ex.: subtil), gd (ex.: amígdala), mn(ex.: amnistia), tm (ex.: aritmética) também não foram considerados como admitindo duplas grafias, por se considerar que a sua prolação é feita na chamada “norma culta”.
FAMÍLIAS DE PALAVRAS
PERSONALIZAÇÃO DE DUPLAS GRAFIAS
Critérios para as opções relativamente ao uso do hífen
HÍFEN EM PALAVRAS COMPOSTAS QUE CONTÊM FORMAS DE LIGAÇÃO
MANDACHUVA, PARAQUEDAS
BENFEITO, BENFAZER
NÃO- E QUASE- COMO PREFIXOS
ESPÉCIES BOTÂNICAS E ZOOLÓGICAS
SEQUÊNCIAS AB-R, AD-R, OB-R, SOB-R, SUB-R
PREFIXO RE
PALAVRAS COM AFRO-, EURO-, INDO-, LUSO-, …
ELEMENTOS PAN- E PAM-
Critérios para a admissão de maiúsculas e minúsculas
Variedades do português: designação de português europeu
Referências
BIBLIOGRAFIA DO FLIP
Disponível em: www.flip.pt/Produtos/FLiP-9/Documentos/Bibliografia.aspx
Ver versão completa “Critérios FLIP-AO (formato PDF, original Priberam.pt)
Ferramentas
Internet em Pt-Pt: Chrome, Edge e Firefox