O AO90 em números (V2)

Palavras inventadas pelo AO90

Desde que Maria Regina Rocha avançou com uns números sobre “a falsa unidade ortográfica”, em Janeiro de 2013, passaram-se mais cinco longos e penosos anos de sistemática demolição da Língua Portuguesa. Aquele  estudo tinha por peça central uma contagem (“feita manualmente”, como honestamente refere a própria autora) com o objectivo de responder à seguinte dúvida: «quantas palavras se escreviam de forma diferente no Brasil em comparação com a forma como as mesmas palavras se escreviam em Portugal e nos restantes países de Língua Oficial Portuguesa antes do Acordo e depois do Acordo?»

Uma pergunta quiçá comprida para a qual parece ter com a dita contagem manual encontrado uma resposta mais ou menos do mesmo tamanho: «havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’), havia 569 palavras diferentes que se tornam iguais (por exemplo, ‘abstracto’ e ‘abstrato’ resultam em ‘abstrato’), e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.»

Tal estudo mai-los respectivos apuros tiveram suas repercussões, na verdade teve esse mérito, e alguns ecos do artigo foram reproduzidas aqui, neste modesta, pequenininha, irrelevante posta restante.

Embirrando, porém, solenemente, com falibilidades em geral e com contagens “feitas à mão” em particular, dediquei-me em Abril de 2017 a autopsiar as contas — as mesmas ossadas do cadáver depositado na morgue que é o “Portal da Língua Portuguesa” — utilizando ferramentas cirúrgicas (folha-de-cálculo) com fórmulas de análise e automatismos de sistematização; esta espécie de dissecação visou obter uma resposta concreta, estatisticamente sustentada, a uma outra pergunta: afinal, é verdade o que diz Bechara (e o que papagueiam outros aldrabões que tal), ou seja, «O Brasil cedeu mais do que Portugal no Acordo Ortográfico»?

A resposta consiste, evidentemente, em três letrinhas apenas: NÃO.

Três letrinhas essas que se expandiram exponencialmente, de caminho, com resultados sempre baseados em dados concretos e segundo cálculos algébricos, algoritmos segundo critérios lógicos, formulações sem qualquer pressuposto ou tendência. Do que resultou que de facto não, o Brasil não cedeu mais do que Portugal e não apenas não cedeu mais, como aquilo (em) que cedeu foi, exactamente, precisamente, rigorosamente… ZERO. O Brasil não cedeu absolutamente nada (nem em coisa nenhuma).

Em comum, o estudo de MRR, feito “à mão”, e o meu trabalho, feito “à máquina”, tiveram o facto de se basearem nos “dados” — pomposa designação para aquele amadorístico, manhoso, aldrabado amontoado de “entradas” — constantes do chamado “Vocabulário de[sic] Mudança“, uma parvoíce com que o Portal da Língua Portuguesa pretende enganar os incautos, satisfazer os vendidos, bajular os donos da Língua e, sobretudo, justificar o injustificável.

No entanto, se em comum têm a origem dos “dados”, as semelhanças entre os dois estudos ficam-se por aí. Em tudo o mais são radicalmente diferentes, ainda que resultem algumas coincidências e até uma, uma única similitude.

Afirma MRR: «Esta última situação é a mais aberrante: são 200 as palavras inventadas, que não existiam e passam a ser exclusivas da norma ortográfica em Portugal.»

Bem, este tirinho quase acertou em cheio na “mouche”. Não são 200, são 215 as palavras INVENTADAS pelo AO90.

215 palavras que antes do AO90 se escreviam exactamente da mesma forma no Brasil e em Portugal (e nos PALOP) mas que por via do AO90 — segundo a “lógica” «o que não se pronuncia não se escreve» — passam a ter duas grafias: no Brasil mantêm-se inalteradas, intactas, mas em Portugal (e nos PALOP) passam a escrever-se de forma que anteriormente não existia em lado algum.

As palavras INVENTADAS pelo AO90 são as seguintes:

aceção
acetor
adocianismo
adociano
adotação
afecional
afecionalidade
angietático
anorético
antártia
antasfítico
anticeticismo
anticético
anticoncecional
anticoncetivo
antiprático
antissético
aperceção
apercetibilidade
apercetível
apercetivo
apocaliticismo
apossético
aprático
artícola
assético
aurifatório
bronquetásico
cato
cardiorrético
cinorético
clidorrético
coatar
coátil
conceção
concecional
concecionário
concetaculífero
concetáculo
concetibilidade
concetismo
concetista
concetístico
concetiva
concetível
concetividade
concetivo
concetual
concetualismo
concetualista
concetualístico
concetualização
concetualizar
concetualmente
confeção
confecionador
confecionar
confecionável
conspeção
contraceção
contracetivo
contrarrutura
corretismo
corretivamente
deceção
dececionado
dececionante
dececionar
dececionável
decetivo
defeção
defetibilidade
defetível
defetividade
defetivo
defetório
defetuoso
desmorrético
deteção
eclítica
eclítico
exterocetivo
exterocetor
extratiforme
filocato
flitena
foteletrão
glitografia
hematossético
heterossético
impercetibilidade
impercetível
impercetivelmente
imperfetibilidade
imperfetível
imperfetivelmente
imperfetividade
imperfetivo
indefetibilidade
indefetível
indetetável
interceção
intercetação
intercetado
intercetador
intercetadora
intercetante
intercetar
intercetável
intercetivo
interceto
intercetor
intercetora
intercetório
interrutor
interrutora
intersetar
intusceção
intuspetivamente
intussusceção
iridorrético
melocato
metamorfótico
metapetina
metrorrético
multinfeção
olfação
oticometria
oticométrico
paralaticamente
penatisseto
perceção
percecionar
percecionismo
percecionista
percetibilidade
percetivamente
percetível
percetivelmente
percetividade
percetivo
perceto
percetual
perenção
perento
perentoriamente
perentoriedade
perentório
perfecional
perfecionismo
perfecionista
perfecionístico
perfetibilismo
perfetibilista
perfetibilizar
perfetivação
perfetível
perfetividade
perfetivo
perirretite
plasmorrético
polipletro
precetista
precetivamente
precetivo
precetor
precetora
precetorado
precetoral
precetoria
precetorial
preconceção
preconcetivo
propriocetivo
propriocetor
prospeção
pseudorrético
quimiorreceção
quimiorrecetividade
quimiorrecetivo
quimiorrecetor
radiorrecetor
receção
rececionado
rececionamento
rececionante
rececionar
rececionável
rececionista
recetação
recetacular
recetáculo
recetado
recetador
recetadora
recetar
recetibilidade
recetiva
recetível
recetividade
recetivo
recetor
recetora
recoleção
refetivo
refetório
rutura
seticidade
sético
subaceção
susceção
teledeteção
teledetetar
transcetor

Porém, se quanto à questão das invenções até andou lá perto, já quanto à outra afirmação — mais extensa, mais ao comprido — parece-me, peço humildemente perdão pelo atrevimento, que MRR se estendeu.

Não, não «havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’), havia 569 palavras diferentes que se tornam iguais (por exemplo, ‘abstracto’ e ‘abstrato’ resultam em ‘abstrato’), e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.»

Nada disso. Nem perto.

Como veremos.

[Imagem de topo de: “Oferta de Emprego“.]

Ver “Post” original, 30 de Dezembro de 2018


Ossos do ofício, talvez maldição, talvez assombração, que atire a primeira pedra quem nunca errou mas, com mil demónios, assim esgota-se-me asinha o arsenal de impropérios, fica-me o paiol de munições insultuosas às moscas, gasto mais manguitos do que Almada Negreiros e, em suma, acabarei decerto a fazer tijolo com um braço de fora da urna, o dedo médio esticado à laia de dedicatória aos nabos e às nabiças deste cu de Judas à beira-mar plantado.

Repito e reforço: o “Vocabulário de Mudança” é uma coisinha hiper-amadora produzida por meros curiosos que assim, com estas e outras brincadeiras do género, preenchem as suas longas horas de ociosa burocracia levando a monotonia da tarefa a um impensável extremo de inutilidade.

Os funcionários do ILTEC ou do PLP ou lá quem foi que esgalhou aquela porcaria apenas teriam de digitar em texto uns quantos dados, consistindo estes numa simples lista de palavras a discriminar em três colunas (com uma quarta para eventuais anotações). A avaliar pelo desastre que foi apresentado no “portal” como sendo o produto final e acabado do tal “Vocabulário de Mudança“, nota-se perfeitamente que os dados foram introduzidos por mais do que uma pessoa, cada qual (dados, colunas e pessoas) com seus próprios critérios ou a total ausência deles. Torna-se assim praticamente impossível — porque são incoerentes os campos preenchidos (ou não) e existem erros na digitação de várias entradas, por vezes em mais do que um campo — proceder a qualquer tipo de tratamento estatístico, 100% exacto, ainda que elementar.

Existe sempre, aqui e ali, ao acaso, uma ou outra palavra que de forma alguma bate certo, seja qual for o ângulo de análise, o tipo de ordenação ou o algoritmo utilizado. Verificada a total ausência de critério(s) e a infinita anarquia na recolha de dados — a cargo do ILTEC — restam apenas duas hipóteses para que de tal amontoado caótico de registos seja possível extrair resultados e, destes, as respectivas conclusões: ou se aceitam os dados como estão, dando-se-lhes um tratamento estatístico homogéneo e “cego”, aceitando os resultados com a inerente (e implícita) margem de erro, ou então ir-se-á corrigindo, a pouco e pouco, os erros de todos os tipos que se forem detectando naqueles mesmos dados. A alternativa a isto seria… preencher de raiz uma base-de-dados, copiando-os da origem um por um.

Evidentemente, a ter de escolher entre um método difícil e falível, mas viável, e um outro que implicaria fazer milagres (como seja esticar a duração dos dias de 24 para 32 horas, por exemplo), pois é claro que optei pela solução possível e menos penosa, em detrimento da impossível e (ainda mais) estúpida. Isto porque, ao fim e ao cabo, é uma absoluta estupidez tentar entender o AO90, ainda que de um ponto de vista meramente estatístico. Aliás, não é por acaso que o tal “Vocabulário de Mudança” está assim mesmo, uma incrível trapalhada: aquilo foi feito “ao abrigo do” AO90 e pretende ser um repositório “técnico” do dito “acordo ortográfico” (que de ortográfico nada tem), portanto dali apenas poderia resultar uma contradição insanável nos termos (literalmente), a verdadeiro epítome de oximoro enquanto conceito.

Mas aquelas certamente excelentes pessoas do ILTEC lá continuam a “trabalhar” na coisa, corta daqui, enxerta dali, enchumaça acolá, abate-me ali aquele “C”, que horror, e olha, chiça, esgana-me aquele “P” de “porco”, ah, maldito porco, escapasteS à primeira mas agora já não me fugisteS.

Nem de propósito, acabo de visitar a pocilga e constatei, com esgares de nojo que não vou agora negar, haver por lá uma série de “novidades”: em comparação com a versão de 2017 temos agora menos umas quantas palavrinhas no chiqueiro central (devem ter sido tangidas, roncando, para uma das novas baias, aposto, ou então seguiram para abate, adeus, a esta hora já devem estar feitas em almôndegas) e no próprio recinto foi montada mais uma bancada, por assim dizer, agora já não há só uma, há duas linhas para “notas”, mas que nice. Isto, bem entendido, inutiliza qualquer tentativa de importação directa para folha Excel, mas não tem importância, dá-se a volta à maçada, o que é isso para a gente, fossem as patacoadas todas assim, cousa pouca.

Bom, deixemos — pelo menos para já — em seu amável remanso o Zé dos Anzóis*** do ILTEC, distanciemo-nos de seu merecidíssimo sossego “por defeito“, e vamos nós outros voltar a assuntos sérios, salvo seja, retomando a questão colocada por Maria Regina Rocha: «havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’), havia 569 palavras diferentes que se tornam iguais (por exemplo, ‘abstracto’ e ‘abstrato’ resultam em ‘abstrato’), e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.»

Recapitulando, já sabemos que

1- O AO90 é um “acordo” em que Portugal cede 100% e o Brasil cede 0% (ZERO): check.
2 – Com o AO90 são INVENTADAS 215 palavras (lemas) aplicáveis apenas a Portugal: check.
3 – Ainda sem check, portanto, vejamos e “checkemos

a) eram diferentes antes do AO90 // mantêm-se diferentes depois do AO90: 21
b) eram diferentes antes do AO90 // ficam iguais depois do AO90: 2884
c) eram iguais antes do AO90 // ficam diferentes depois do AO90: 221
d) eram iguais antes do AO90 // mantêm-se iguais depois do AO90: 2735


Como se pode facilmente constatar, são enormes as discrepâncias entre os números que apurei e os indicados por MRR. Exceptuando os 221 da alínea c), correspondentes a 215 lemas inventados pelo AO90 mais 6 casos específicos (acatalecto, cataléctico, coactar, hidroextractor, hiperdialéctico, obducto), os outros totais são diferentes, em especial o primeiro, que é… muitíssimo diferente: das 2691 entradas indicadas por MRR, eu cá encontrei apenas 21!

Usámos critérios diferentes, só pode ter sido, mas não me ocorre que critérios ou métodos terá a senhora utilizado para contar «2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’)».

Terá incluído os casos de acentuação (1945) e os de hifenização (1087), mesmo havendo 58 entradas com hífen e acento? Não, não pode ter sido isto; na esmagadora maioria dos casos a acentuação e a hifenização levaram com o camartelo acordista, os que ficam iguais ao que eram são, como tudo o mais, os que ditam brasileiros.

Terá assumido que as 2683 entradas assinaladas com “Na prática, a situação anterior não muda” eram mesmo casos reais de ortografias diferentes antes e depois do AO90? Mas… a questão nem se coloca, que diabo, aquilo é tudo mais do mesmo, são principalmente casos de acentos que eram diferentes (é/ê, etc.) ou que foram abolidos pelo AO de 1945 (o trema, por exemplo) mas dos quais o Brasil mantém o poder exclusivo de manter ou retirar.

Terá considerado os (780) casos em que no Brasil havia (em teoria) dupla grafia? Mas, precisamente, esta é mais uma das gigantescas aldrabices do AO90 e não corresponde de todo à verdade!

Aliás, nem de propósito, será este quadro de resultados — 780 teóricas duplas grafias brasileiras que Bechara y sus muchachos apenas permitem em Portugal se forem iguais às deles, na prática — o que analisaremos em detalhe proximamente. Esses resultados e os seguintes já incluirão as alterações que o ILTEC tem andado a esgalhar nos últimos dois anos.

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A coisa promete, por conseguinte, mais um fartote de rir. Tudo, absolutamente tudo neste “acordo” da treta não passa da imposição selvática — apesar das promessas de políticos aldrabões, passe a redundância, e das mentiras descabeladas de mercenários vendidos ao Brasil — da cacografia brasileira em Portugal e nos demais países da CPLP.

*** É “curioso” que exista (um caso de entre vários) a entrada “zé dos anzois” (agora sem acento, para que o Zé não tenha pinta) mas que, “misteriosamente”, não exista coisa alguma sobre “anzóis”.

[A imagem de topo é uma composição produzida a partir de um original da autoria de Lauri Donovick publicado na página “Portugato” (Facebook).]

Ver “post” original, 4 de Janeiro de 2019


Palavras que se mantêm diferentes com o AO90

Não sei bem porquê, só me ocorria a lapidar expressão de Scolar “E o burro sou eu?!”

Fiquei mesmo remoendo a coisa, confesso, como aliás é próprio dos asnos, compenetrado e meditabundo, dando voltas e mais voltas à questão foram-se-me as horas, os dias e toda a pachorra a ver se dava com o busílis: se a senhora diz que «havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, ‘facto’ – ‘fato’)», então, com mil demónios, como posso eu ter topado com apenas 21?

“Facto/fato”, pois com certeza, essa é velha, minha senhora, toda a gente vai logo buscar tal parelha, e algumas outras coisinhas também lembram assim de repente, lindezas como húmido/úmido, subtil/sutil, secção/seção, connosco/conosco e mais umas poucas. Ocorreu-me até, apesar de entender piorzito o brasileiro do que o Castelhano ou o Italiano, que talvez umas quantas palavrinhas catitas fizessem parte da subseção “Na prática, a situação anterior não muda”(1) da seçãoPalavras afetadas” do “Vocabulário de Mudança“; por isso fui ver se constava uma coisinha, por acaso muito gira, que li algures e que presumo seja do mais “puro” brasileiro: “brocoli” (plural de brócolos, eu vi, juro que vi, eles usam a palavra no original amaricano). Mas não, oh, que galo, “brocoli” não consta. Pois, está bem, claro que não consta, o tal Vocabulário do ILTEC não trata do léxico especificamente (e unicamente) brasileiro, versa apenas, porque é “de mudança” sobre as palavrinhas que o brasileiro (ainda) tem em comum com a Língua Portuguesa; e mesmo destas, nem todas, bem pelo contrário, muitas não constam.

Bom, não nos desviemos do essencial: mas para onde raio se me terão fugido aquelas duas mil, seiscentas e tal palavras? Caramba! Tanta fórmula de busca, tanto cruzamento de dados e cálculos de probabilidades e contas de conferência, irra, mas que chatice, na volta é o costume, tenho a solução debaixo do nariz e não estou a vê-la, maldita penca, não podias ter nascido com umas ventas um bocadinho “menos”, hem, ó pencudo…

Displiquit nasus tuus, lá diziam os romanos, esses tontinhos (toc toc toc), ignoremos o apêndice nasal porque pode dar-se o caso de… isto é, a não ser que… e se afinal a coisa for muito mais simples do que parece? Não estará a resposta — como aliás é costume das sacanas das respostas — ali a rir-se p’ra mim?

Estava. Claro. É evidente que estava. Não são 2691 mas também não são 21. No total, fora as que “misteriosamente” não constam dos dados de origem, encontramos 287 «palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes»(2) segundo o AO90.

A resposta estava mesmo ali a rir-se para mim e agora o resultado aqui fica… a rir-se de todos nós.

acantodáctilo, acantodátilo
aceptilação, acetilação
adactilia, adatilia
adáctilo, adátilo
amígdala, amídala
amigdalácea, amidalácea
amigdalar, amidalar
amigdalectomia, amidalectomia
amigdaliano, amidaliano
amigdálico, amidálico
amigdalífero, amidalífero
amigdaliforme, amidaliforme
amigdalina, amidalina
amigdalino, amidalino
amigdalite, amidalite
amigdalotomia, amidalotomia
amigdalótomo, amidalótomo
amnistia, anistia
amnistiado, anistiado
amnistiar, anistiar
amnistiável, anistiável
anabenodáctilo, anabenodátilo
anisodactilia, anisodatilia
anisodáctilo, anisodátilo
anticorrupção, anticorrução
antidáctilo, antidátilo
antigalático, antigaláctico
artiodáctilo, artiodátilo
aspectável, aspetável
assumptível, assuntível
assumptivo, assuntivo
assumpto, assunto
bissecção, bisseção
bissetar, bissectar
camptodáctilo, camptodátilo
catapléctico, cataplético
coacto, coato
complectivo, completivo
connosco, conosco
contactar, contatar
contactável, contatável
contacto, contato
contactual, contatual
corrupção, corrução
corrupta, corruta
corruptela, corrutela
corruptibilidade, corrutibilidade
corruptível, corrutível
corruptivo, corrutivo
corrupto, corruto
corruptor, corrutor
corruptora, corrutora
cunctatório, cuntatório
dactilado, datilado
dactílico, datílico
dactilífero, datilífero
dactilino, datilino
dactiliografia, datiliografia
dactiliomancia, datiliomancia
dactiliomante, datiliomante
dactilioteca, datilioteca
dáctilo, dátilo
dactilomancia, datilomancia
decadáctilo, decadátilo
derrelicção, derrelição
derrelicto, derrelito
despectivo, despetivo
dicção, dição
dictafone, ditafone
dictamno, ditamno
didáctilo, didátilo
dissecção, disseção
dissectivo, dissetivo
dissetor, dissector
ducto, duto
ectrodactilia, ectrodatilia
electuário, eletuário
eleuterodáctilo, eleuterodátilo
elíptico, elítico
entóptico, entótico
epacta, epata
epidíctico, epidítico
eritrodáctilo, eritrodátilo
espectável, espetável
estenodactilógrafo, estenodatilógrafo
estíptico, estítico
estricção, estrição
estupefacto, estupefato
eutéctico, eutético
exsucção, exsução
extragalático, extragaláctico
faccionar, facionar
faccionária, facionária
faccionário, facionário
facciosa, faciosa
facciosidade, faciosidade
facciosismo, faciosismo
faccioso, facioso
factício, fatício
factitivo, fatitivo
factível, fatível
facto, fato
factual, fatual
fluctícola, flutícola
flucticolor, fluticolor
fluctígeno, flutígeno
fluctígero, flutígero
fluctissonante, flutissonante
fluctíssono, flutíssono
fluctívago, flutívago
functor, funtor
héctica, hética
hecticidade, heticidade
héctico, hético
heterodáctilo, heterodátilo
hexadáctilo, hexadátilo
hipodáctilo, hipodátilo
húmido, úmido
inceptivo, incetivo
incontactável, incontatável
incorruptibilidade, incorrutibilidade
incorruptível, incorrutível
incorruptivo, incorrutivo
incorrupto, incorruto
indemne, indene
indemnidade, indenidade
indemnização, indenização
indemnizador, indenizador
indemnizar, indenizar
indemnizável, indenizável
infactível, infatível
infectuoso, infetuoso
infracto, infrato
insectário, insetário
insectífugo, insetífugo
inséctil, insétil
intacto, intato
isodactilia, isodatilia
isodáctilo, isodátilo
jactância, jatância
jactanciar, jatanciar
jactanciosidade, jatanciosidade
jactancioso, jatancioso
jactante, jatante
jactar, jatar
jactura, jatura
lábdano, ládano
láctea, látea
lácteo, láteo
lactescente, latescente
laticínio, lacticínio
laticinoso, lacticinoso
lambugem, lambujem
lictor, litor
lictório, litório
lipossucção, lipossução
luctífero, lutífero
luctífico, lutífico
luctíssono, lutíssono
macrodactilia, macrodatilia
macrodáctilo, macrodátilo
madefacto, madefato
manifacto, manifato
manufacto, manufato
megalodactilia, megalodatilia
megalodáctilo, megalodátilo
microdáctilo, microdátilo
monodáctilo, monodátilo
Neptunais, Netunais
neptuniano, netuniano
neptunino, netunino
neptúnio, netúnio
neptunismo, netunismo
neptunista, netunista
obstupefacto, obstupefato
occisão, ocisão
occisivo, ocisivo
octaviano, otaviano
omnicolor, onicolor
omniforme, oniforme
omnifulgente, onifulgente
omnímodo, onímodo
omniparente, oniparente
omníparo, oníparo
omnipatente, onipatente
omnipessoal, onipessoal
omnipotente, onipotente
omnipresença, onipresença
omnipresente, onipresente
omnisciente, onisciente
omnividente, onividente
omnívomo, onívomo
omnívoro, onívoro
optimacia, otimacia
optimate, otimate
ortodáctilo, ortodátilo
paquidactilia, paquidatilia
pentadáctilo, pentadátilo
perfunctoriamente, perfuntoriamente
perfunctório, perfuntório
perissodáctilo, perissodátilo
polidactilia, polidatilia
polidáctilo, polidátilo
poligalático, poligaláctico
polissindáctilo, polissindátilo
profectício, profetício
prossector, prossetor
pterodáctilo, pterodátilo
putrefacto, putrefato
rarefacto, rarefato
reactância, reatância
ressecção, resseção
revindicta, revindita
secção, seção
seccional, secional
seccionamento, secionamento
seccionar, secionar
seccionável, secionável
septempedano, setempedano
septena, setena
septenal, setenal
septenário, setenário
septenato, setenato
septenial, setenial
septenvirado, setenvirado
septenviral, setenviral
septenvirato, setenvirato
septicole, seticole
septicolor, seticolor
septicorde, seticorde
septiforme, setiforme
septilião, setilião
septimano, setimano
septimestre, setimestre
septingentésimo, setingentésimo
septissilábico, setissilábico
septissílabo, setissílabo
septíssono, setíssono
septívoco, setívoco
septuagenária, setuagenária
septuagenário, setuagenário
septuagésima, setuagésima
septuagésimo, setuagésimo
septupleta, setupleta
sindactilia, sindatilia
sindáctilo, sindátilo
sinopticamente, sinoticamente
sinóptico, sinótico
súbdito, súdito
subsecção, subseção
subtil, sutil
subtileza, sutileza
subtilidade, sutilidade
subtilização, sutilização
subtilizador, sutilizador
subtilizar, sutilizar
sucção, sução
sumptuário, suntuário
sumptuosamente, suntuosamente
sumptuosidade, suntuosidade
sumptuoso, suntuoso
tactura, tatura
talictro, talitro
tectiforme, tetiforme
tectriz, tetriz
tetradactilia, tetradatilia
tetradáctilo, tetradátilo
torrefacto, torrefato
transfunctório, transfuntório
tridáctilo, tridátilo
trissecção, trisseção
trissector, trissetor
tumefacto, tumefato
unidáctilo, unidátilo
ventifacto, ventifato
vindicta, vindita
vivissecção, vivisseção
vivisseccionista, vivissecionista
vivissector, vivissetor
vivissectora, vivissetora
voluptuar, volutuar
voluptuário, volutuário
voluptuosa, volutuosa
voluptuosamente, volutuosamente
voluptuosidade, volutuosidade
voluptuoso, volutuoso
zigodáctilo, zigodátilo

(1)Voltaremos, havendo vagar, a esta engraçadíssima inovação: no “Vocabulário de Mudança” quase metade das “entradas” são palavras que… não mudam!

(2)Excluindo os casos de diferenciação na acentuação e na hifenização, que respeitam a outras “bases” e obedecem apenas à regra habitual: a forma como se escreve no Brasil mantém-se e em Portugal e nos PALOP mantêm-se somente os casos que os brasileiros adotivos “consentirem” (até ver).

[Imagem de topo de: René Goscinny e Albert Uderzo, ‘O Pesadelo de Obélix’. As outras duas imagens são dos mesmos autores.]

Ver “post” original, 23 de Janeiro de 2019


Palavras iguais que o AO90 torna diferentes

Não, o assunto não está esquecido.

Primeiro, com base nos “dados” disponibilizados em 2017 pelo “Portal da Língua Portuguesa brasileira”, foram quantificadas e enumeradas as palavras literalmente INVENTADAS pelo AO90, ou seja, aquelas que não existiam nem no Brasil nem em Portugal nem em África nem em qualquer planeta do sistema solar.

De seguida, com base nos mesmos dados da mesma versão, quantificámos por tipo diversos grupos de registos, para responder a outras tantas questões.

Numa terceira abordagem ao tema, ainda usando os dados de 2017, identificámos as quase três centenas de entradas que eram diferentes antes do AO90 e que diferentes permanecem segundo o mesmo.

Ora, entretanto alguém resolveu fazer alguma coisinha, lá pelo ILTEC, e agora os resultados já não conferem a 100%. A trapalhada homérica levou uma volta, algures em 2018, seguindo os “técnicos” lá do sítio a extremamente científica técnica “baralha e torna a dar”, e portanto tornou-se necessário passar a usar os dados da 2.ª “versão”. Nova versão esta que não contém correcção alguma, apenas modificou a confusão da inicial, mas será de todo conveniente não dar margem a desculpas nem abrir espaço a álibis.

E pronto, foi isto, está explicado o longo hiato desde o último quadro de resultados aqui publicado; foi necessário refazer quase tudo, a começar pela transformação dos novos dados redigidos na origem como texto em dados propriamente ditos: uniformes, com campos regulares, segundo critérios definidos. O que implicou, evidentemente, um longo (e repetido) trabalho de detecção e correcção de erros de digitação, de colocação e de formação, além da rectificação de lacunas várias.

Ficam assim também explicadas as diferenças entre as listas anteriores e as mais actuais. Pequenas diferenças, apesar de tudo; por exemplo, a lista de invenções tinha, segundo a versão anterior, 215 registos e, segundo a nova, passa a ter 213.

Para encerrar esta série de quatro “posts” sobre o assunto, retomemos então a questão mais violentamente estúpida, por assim dizer, que envolve o AO90: a supressão liminar do Português-padrão.

No fundo, e em concreto, é a isto mesmo que se referem — ainda que de tal não se apercebam — aqueles que, muito “indignados” e furiosos, rasgam as vestes reclamando a “revisão” do “acordo”. Aquilo a que alguns anti-acordistas chamam “contradições” ou “aberrações” (como se existisse no AO90 algo que não seja flagrante contradição ou pura aberração) e que, segundo protestam os mesmos, deverá ser “imediatamente corrigido“, consiste afinal na reposição das sequências consonânticas (as ditas “consoantes mudas”) que… no Brasil se mantêm, como única ou como dupla grafia. A anulação destas verdadeiras contradições e das aberrações que são as palavras INVENTADAS pelo AO90, eis aquilo em que consiste a tal “revisão”; com tudo o mais, ponham em “ata” para dar em “direto” um “ótimo aspeto” à “redação”, não se ralam os revisionistas.

O que significa que os ditos “anti-acordistas furiosos” reclamam ao Brasil, em substância e como esmola, quando “exigem” “revisão do AO90″ e, por via dessa “revisão”, a reposição no Português-padrão das “consoantes mudas”, apenas que o Brasil consinta (repito: que o Brasil consinta) em que Portugal e os PALOP “adotem”, de uma vez por todas e na íntegra, a desortografia brasileira, consoante e conforme for determinado pelo “falar” brasileiro. Ou seja, tratar-se-ia então de “adotar” não apenas a desortografia brasileira como a ortoépia brasileira, já que aquela depende exclusivamente desta.

Nem todos os casos da lista agora apresentada são lineares, gerais e unívocos, mas todos eles seguem a mesma regra, que aliás é comum a todo o AO90: por um lado, se no Brasil existia dupla grafia, ali continua a existir e aqui é aniquilada a respectiva sequência consonântica; se, por outro lado, lá havia apenas uma grafia e esta continha consoantes “mudas” cá mas sonoras lá, então no Português-padrão os brasileiros liquidam-nas mas conservam-nas no brasileirês. Não será esta bambochata, em particular, assim tão escandalosa como as palavras INVENTADAS (um truque a que voltarei oportunamente), mas não me parece de inferior gravidade.

Ora então vejamos e confiramos se é assim ou não. Vamos à lista.

Sem contar com as INVENTADAS, que já aqui vimos, e sempre excluindo os casos de acentuação e de hifenização, são 785 registos, no total: palavras que eram iguais no Brasil e em Portugal e PALOP. O Brasil mantém sequências consonânticas (como única ou dupla grafia) que em Portugal e PALOP são aniquiladas pelo AO90.

A página com esta lista tem por título N.A.P., abreviatura/acrónimo de “Não Aplicáveis em Portugal”.

Parece coisa de filme de terror, não é? Tão aviltante rol de horrores, com tal sorte de canalhices implícitas e de canalhas envolvidos, deveria chegar e sobrar para que ao menos — à míngua de vozes sonantes — certos notáveis se dignassem soerguer uma sobrancelha desconfiada ou, mais que não fosse, a avaramente rosnar uma pergunta singela (“mas que merda vem a ser esta?”, por exemplo) ou a acrescentar um adjectivo não menos singelo (“merdoso” serve) quando mencionam o excremento.

Felizmente ainda há quem conserve um módico de juízo, uns poucos, e quem não aprecie ser comido por lorpa, outros tantos. Há os que se acomodam, que são muitos, os que se acobardam ou os que não estão para se ralar com “minudências”, e disso há por aí aos pontapés, mas de uns, de outros e dos restantes não rezará com certeza a História, porque de coveiros, assim como de intenções, está o Inferno cheio.

É disso e é de “gênios”.

Nota: alguns erros mais do que evidentes (ver, p.ex., “sector, sectorização, sectorizar“) na origem não foram deliberadamente corrigidos, como dados, porque são insondáveis os “critérios” do ILTEC.

Ver “post” original, 12 de Março de 2019

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