Relatório final

Relatório Final

Petição nº 495/X/3ª – Apresentam um Manifesto a favor da Língua Portuguesa contra o Acordo Ortográfico

Relator: Feliciano Barreiras Duarte

Abril de 2009
Petição n.º 495/X/3ª

RELATÓRIO FINAL

Iniciativa: Vasco Graça Moura e outros.

Assunto: Apresentam um manifesto em defesa da língua portuguesa contra o Acordo Ortográfico.

 

1 — Nota preliminar

A presente petição, subscrita por 33 053 (trinta e três mil e cinquenta e três) cidadãos, deu entrada na Assembleia da República a 8 de Maio de 2008, tendo sido remetida, por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura.

A nota de admissibilidade1, de 20 de Maio de 2008, refere que a leitura do texto da petição não permite descortinar qualquer pedido concreto dirigido à Assembleia da República, «pelo que nos parece carecer o objecto da petição de especificação suficiente. Assim, propõe-se que os peticionários sejam convidados a completar o escrito apresentado (…) , ficando a admissão da petição condicionada à especificação do seu objecto».

No dia 28 de Maio, e na sequência da aprovação pela Assembleia da República do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no dia 16 de Maio, o Presidente da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura solicitou «a clarificação do objecto da petição».

______________________________

1Aprovada na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura em 21 de Maio de 2008.

2


Em resposta, no dia 9 de Junho de 2008, os peticionários reafirmaram a actualidade de «tudo o que tiveram ensejo de exprimir na sua petição» e que é «documentada nos vários pareceres especializados e formulados com intervenção de conceituados linguistas da universidade portuguesa de que oportunamente foi feita entrega à Assembleia da República.»

Entendem os peticionários que «o Acordo Ortográfico enferma de vícios susceptíveis de gerarem a sua patente inconstitucionalidade» e solicitam à Assembleia da República que «tome, adopte ou proponha (Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, artigo 2.º) as medidas julgadas necessárias» a desenvolver para que sejam alcançados os resultados reivindicados nesta petição. Estas medidas propostas pelos peticionários serão desenvolvidas no ponto 3, «Conteúdo e motivação da petição» deste relatório parlamentar.

O objecto da petição encontra-se especificado, estando presentes os requisitos formais e de tramitação constantes nos artigos 9.º e 17.º da Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto – Exercício do direito de petição —, na redacção dada pelas Leis n.os 6/93, 15/2003 e 45/2007, respectivamente, de 1 de Março, 4 de Junho e 24 de Agosto.

A petição foi publicada no Diário da Assembleia da República (DAR II Série B n.º 120, de 28 de Junho de 2008, páginas 9-10), conforme o disposto na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 26.º «Publicação», da Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto — Exercício do direito de petição.

No dia 25 de Setembro de 2008 realizou-se a audição dos peticionários para cumprir o disposto no n.º 1 do artigo 21.º, «Audição dos peticionários», da Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto — Exercício do direito de petição.

__________________________

2São publicadas na íntegra no Diário da Assembleia da República as petições: a) Assinadas por um mínimo de 1000 cidadãos (…).


3


2 — Enquadramento histórico e legislativo

As primeiras tentativas de criação de instrumentos de estabilização da língua remontam ao final do século XVIII, através da publicação do primeiro volume do dicionário da Academia da Língua Portuguesa relativo à letra a no ano de 1793. Sucede que, até ao ano 2000, o dicionário não teve qualquer desenvolvimento.

A ausência deste instrumento não permitiu uma estabilização da língua e da ortografia, no espaço da lusofonia.

A primeira reforma ortográfica da língua portuguesa data de 1911. Sucede que a reforma foi consumada sem qualquer acordo com o Brasil, tendo ficado os dois países com ortografias completamente diferentes: Portugal com uma ortografia reformada, o Brasil com a ortografia tradicional.

Foram necessários mais 20 anos para que Portugal e Brasil fizessem aprovar um acordo preliminar. A fim de obviar aos inconvenientes da situação que se mantinha desde 1911, a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras tomaram a iniciativa de um acordo ortográfico tendente a restabelecer, mediante transigências mútuas, a unidade dos dois sistemas. Esse acordo, assinado pelos Embaixadores e pelos presidentes das duas Academias em 30 de Abril de 1931, foi aprovado, em Portugal, pela Portaria n.º 7:117, de 27 de Maio do mesmo ano, e no Brasil pelos Decretos n.os 20:108 e 23:028, respectivamente, de 15 de Junho de 1931 e de 2 de Agosto de 1933.

Porém, logo em 1934, o novo texto da Constituição Brasileira fez suscitar o problema da ortografia da língua. Não obstante a manutenção da vigência do acordo ortográfico nas escolas brasileiras, o acordo ortográfico de 1931 só veio a ser legalmente restabelecido no Brasil pelo Decreto-Lei n.º 292, de 23 de Fevereiro de 1938.

Em 1940 a Academia das Ciências de Lisboa publicou o seu Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, tendo o Governo Brasileiro adoptado o Vocabulário Ortográfico em 1942.

No ano seguinte os dois Governos, português e brasileiro, negociaram a Convenção para a Unidade, Ilustração e Defesa do Idioma Comum, assinada em Lisboa em 29 de Dezembro de 1943. Entretanto, a Academia Brasileira de Letras produzia igualmente o seu vocabulário ortográfico.

4


Os dois vocabulários, da Academia das Ciências de Lisboa, de 1940, e da Academia Brasileira de Letras, concluído em 1943, mantinham ainda divergências.

A Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências reuniram novamente para examinar e decidir, mediante ajustamentos e concessões recíprocas, acerca dos pontos ainda controversos, duvidosos ou omissos.

A Conferência realizada em Lisboa, de Julho a Outubro de 1945, entre os delegados das Academias permitiu completar a obra da unidade universal da língua portuguesa, que há mais de duas décadas vinha sendo burilada pelas duas Academias, e teve como corolário a assinatura do Acordo de 10 de Agosto de 1945.

O acto complementar de 25 de Setembro, que aprovou o desenvolvimento analítico das cinquenta e uma bases, o protocolo de encerramento, de 6 de Outubro do mesmo ano, e os trabalhos de preparação e organização para um Vocabulário Ortográfico Resumido da Língua Portuguesa permitiram ao Governo português decretar a aprovação do acordo assinado a 10 de Agosto de 1945.

O texto final do Acordo de 1945 resultou do trabalho da Conferência Interacadémica de Lisboa para a unidade ortográfica da língua portuguesa e dos seus instrumentos, elaborados em harmonia com a Convenção Luso-Brasileira de 29 de Dezembro de 1943.

O Acordo de 1945 foi então ratificado em Portugal pelo Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro do mesmo ano, passando a regular a ortografia em quase todo o espaço da lusofonia.

Contudo, no Brasil este acordo não foi ratificado pelo Congresso Nacional, continuando aquele país a regular-se pela ortografia do vocabulário de 1943.

Entre 1971 e 1973 dá-se mais um passo na unificação ortográfica. O Governo brasileiro, através da Lei n.º 5765, de 18 de Dezembro de 1971, e depois, o Governo português, através do Decreto-Lei n.º 32/73, de 6 de Fevereiro, após pareceres das respectivas Academias, bem como da Comissão Consultiva para Definição da Política Cultural Portuguesa, decidiram suprimir o acento circunflexo na distinção dos homógrafos. Nesse tempo, aquele uso chegava a ser responsável por cerca de 70 por cento das divergências entre as duas ortografias oficiais.

5


Entre 1973 e 1975 a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras prepararam um projecto de novo acordo ortográfico. Contudo, por circunstâncias políticas diversas, o processo não teve qualquer consequência. Em 1986 foi tentado novo acordo, uma vez mais, sem qualquer consequência.

É em 1990 que um novo documento é elaborado, tendo também por base os textos de 1975 e 1986.

O novo acordo, destinado a unificar a grafia do vocabulário geral da língua portuguesa, foi assinado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e por representantes de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

O Acordo foi aprovado, em Portugal, pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, em 4 de Junho, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, em 4 de Agosto. O instrumento de ratificação do Acordo foi depositado junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, pelo Brasil e por Cabo Verde.

Com apenas três Estados a ratificarem o Acordo, a disposição do artigo 3.º que determinava a sua entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 1994, não foi cumprida.

O Acordo previa também que o vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, referente às terminologias científicas e técnicas, deveria estar concluído até ao dia 1 de Janeiro de 1993. Tal não sucedeu.

Assim, em 17 de Julho de 1998, na cidade da Praia, Cabo Verde, foi assinado um Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, tendo o texto sido expurgado das imposições das datas de entrada em vigor e para a conclusão do vocabulário ortográfico.

Uma vez mais, a ratificação do Acordo protelou-se no tempo. Até 2004 o Protocolo Modificativo tinha sido apenas ratificado pelos mesmos Estados que já tinham procedido ao depósito do anterior instrumento de ratificação. Portugal aprovou e ratificou o Protocolo Modificativo através da Resolução da Assembleia da República n.º 8/2000, de 28 de Janeiro, e do Decreto do Presidente da República n.º 1/2000, de 28 de Janeiro.

6


Desde a IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), ocorrida em Brasília em 31 de Julho e 1 de Agosto de 2002, adoptou-se a prática de nos Acordos da CPLP, de estipular a entrada em vigor com o depósito do terceiro instrumento de ratificação.

Esse passo, associado ao impasse em que o Acordo Ortográfico tem estado pela não ratificação por todos os Estados, contribuiu para que na V Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em São Tomé em 26 e 27 de Julho de 2004, tenha sido assinado o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ficando estabelecido que a entrada em vigor do Acordo Ortográfico concretiza-se com o depósito do terceiro instrumento de ratificação. O Segundo Protocolo Modificativo permitiu ainda a abertura do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa à adesão de Timor-Leste.

O Acordo Ortográfico entrou em vigor a partir do momento em que três Estados procederam ao depósito do instrumento de ratificação do Segundo Protocolo Modificativo. O Brasil procedeu à ratificação do Segundo Protocolo Modificativo em Outubro de 2004, Cabo Verde fê-lo em Abril de 2005 e S. Tomé e Príncipe em Dezembro 2006.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrou internacionalmente em vigor em Janeiro de 2007. E as suas normas são válidas para Portugal, no plano jurídico externo, desde esse momento.

O Governo apresentou à Assembleia da República, em 13 de Março de 2008, a proposta de resolução n.º 71/X (3.ª), que visava aprovar «o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, adoptado na V Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em São Tomé, a 26 e 27 de Julho de 2004».

Por iniciativa da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, realizou-se no dia 4 de Março de 2008 na Assembleia da República a Conferência sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O objectivo deste evento foi o de recolher argumentos variados e especializados sobre esta matéria,

7


promovendo o seu debate. Foram oradores convidados o Professor Doutor Evanildo Bechara -Membro da Academia Brasileira de Letras –, o Sr. Albertino Bragança – em representação do Governo de São Tomé e Principe -, o Professor Doutor Adriano Moreira – Presidente da Academia das Ciências de Lisboa –, a Professora Doutora Amélia Arlete Dias Rodrigues Mingas – Presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (CPLP). Realizou-se um debate entre dois especialistas – o Dr. Vasco Graça Moura e o Professor Doutor Carlos Reis – que contou também com as intervenções dos participantes nesta audição pública.

A proposta de resolução n.º 71/X (3.ª) foi apreciada e aprovada3 pelo Plenário da Assembleia da República no dia 16 de Maio de 2008, originando a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008. A ratificação do Acordo foi feita pelo Sr. Presidente da República, através do Decreto n.º 52/2008, de 29 de Julho.

3 — Dados sobre a língua portuguesa

A língua portuguesa, falada em quatro continentes, está entre os seis idiomas com maior número de falantes no mundo. O português é a quinta língua mais falada no mundo, superado pelo mandarim, hindu, espanhol, inglês e seguida pelo árabe, segundo dados fornecidos pela CPLP. Existe uma corrente de opinião que defende que o árabe é a quinta língua mais falada, à frente do português. Foram encontrados vários rankings relativamente a estes valores. O relator optou por publicar neste relatório os dados divulgados e facultados pela CPLP (Comunidade de Países de Língua oficial Portuguesa), IILP (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) e pelo Observatório da Língua Portuguesa.

3 Votos a favor: PSD, PS 7- CDS-PP e BE; votos contra: 1 – PS, 2 – CDS-PP e 1 N. insc; abstenção: PCP, 3 – CDS-PP, PEV; ausência: 3 – PSD

8



3.1 Estudo: O Valor Económico da Língua

Refira-se, também, no presente relatório a elaboração do estudo O Valor Económico da
Língua encomendado pelo Instituto Camões e realizado por uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Segundo as primeiras conclusões desse estudo, as indústrias e os serviços em que a Língua Portuguesa é um elemento chave representam 17% do Produto Interno Bruto (PIB) de Portugal. Os investigadores portugueses tiveram em conta estudos efectuados para Espanha para calcular o valor da língua em percentagem do PIB e o Valor Acrescentado Bruto (VAB) de produtos e actividades imputável à língua. Outros estudos, efectuados para o Inglês, proporcionaram informação sobre a forma como o crescimento da língua afecta o crescimento da economia ou como são valorizadas as competências linguísticas no mercado de trabalho.

10


Por exemplo verifica-se que as trocas comerciais e os fluxos de investimento estrangeiro entre países que têm uma língua comum são um pouco maiores. E portanto, nesse aspecto, a língua, tem alguma influência.

A importância da língua aumenta na área das indústrias culturais, por serem aquelas que utilizam e tiram mais partido da língua, como por exemplo, a literatura, a música, o teatro, a televisão. Deve ser realçado o efeito de retorno dessa influência.

As conclusões da primeira fase do estudo foram apresentadas em Janeiro. O relator entendeu integrar neste relatório, nos seus anexos, o documento que apresenta estas conclusões preliminares «Uma abordagem ecléctica do valor da língua: a influência global do Português». O relatório final será conhecido em 2010. Este estudo permitirá analisar as novas oportunidades da língua portuguesa. O valor (17% do PIB) resulta do cálculo da média ponderada do peso da língua em actividades económicas como a comunicação social, as telecomunicações ou o ensino. Este valor é superior ao espanhol (15%), «em resultado da maior terceirização da economia portuguesa em relação à espanhola. Os sectores primário (agricultura, matérias primas) e secundário (indústria),
em que a língua é menos importante, pesam mais na economia espanhola.»

11





4. Conteúdo e motivação da petição

A presente petição alerta para a degradação do uso oral e escrito da língua portuguesa, situação que, consideram os peticionários, «fere irremediavelmente a nossa identidade multissecular e o riquíssimo legado civilizacional e histórico». Responsabiliza o Estado pela desagregação do sistema educacional, reflectida nos programas da disciplina de Português nos ensinos básico e secundário «sem valor cientifico nem pedagógico e desprezando o valor da História.»

Os peticionários consideram falsos os motivos que fundamentam este Acordo Ortográfico e justificam-no: o pretexto pedagógico de que a simplificação e a uniformização linguística favoreceriam o combate ao analfabetismo é historicamente errado e por outro lado nada demonstra que o Acordo Ortográfico estreitaria os laços culturais. Referem que esta reforma linguística é desnecessária, perniciosa e de custos financeiros não calculados. Consideram este Acordo Ortográfico uma imposição «da maneira de escrever mal concebida, desconchavada, sem critério de rigor, e nas suas prescrições atentatória da essência da língua e do nosso modelo de cultura.» Os peticionários lamentam que as entidades «que assim se arrogam em autoridade para manipular a língua (sem que para tal gozem de legitimidade ou tenham competência) não tenham ponderado
cuidadosamente os pareceres científicos e técnicos, como, por exemplo, o do Prof. Óscar Lopes, e avancem atabalhoadamente sem consultar escritores, cientistas, historiadores e organizações de criação cultural e investigação cientifica. Não há uma instituição única que possa substituir-se a toda esta comunidade, e só ampla discussão pública poderia justificar a aprovação de orientações a sugerir aos povos de língua portuguesa.»

Os peticionários lançam um apelo para que o Ministério da Educação reponha o estudo da literatura portuguesa «na sua dignidade formativa» e para que o Ministério da Cultura facilite o encontro de escritores, linguistas, historiadores e outros criadores de cultura, e o trabalho de reflexão critica e construtiva no sentido da maior eficácia instrumental e do aperfeiçoamento formal.

16