“Whiskas saquetas”, Margarita

Ora, para alguém que está enterrada até acima do pescoço, ao serviço dos interesses brasileiros, na profissão de demolição da Língua Portuguesa, isto é doentio, é grave, é de facto uma patologia mental. [post “Margarita no sofá“]

E cá está ela novamente, desta vez aproveitando a boleia de uma moçambicana “ligeiramente” anti-portuguesa. Aliás, o tom sinistro de indisfarçável lusofobia perpassa pela verborreia de ambas estas mulheres com uma subtileza equivalente ao bocejo do hipopótamo.

De entre o chorrilho de enormidades, para não variar do seu estilo carroceiro, a “presidenta” do IILP esparrama nesta “local” do DN, por entre inúmeras passagens com a escova da bajulação ao Itamaraty, as suas “ideias” para que (ainda) mais fácil e rapidamente o seu querido Brasil tome conta disto tudo, de uma vez por todas. Parece um ‘cadinho aborrecida, porém, dado o facto — para ela, de todo intolerável — que Moçambique (além de Angola, como sabemos) ainda não tenha “adotado” o Brasileiro como língua oficial.

E que e que e que, blábláblá, Whiskas saquetas. Todo o palavreado do artigo, de cabo a rabo, é absolutamente insuportável. Transcrever esta abjecta porcaria já foi sacrifício suficiente, seja pelas alminhas, não vou agora citar ou destacar pedaços da asquerosa prosa, livra, que nojo.

Ora aqui está um caso flagrante em que se aplica o aforismo sobre a melhor forma de pegar num pedaço de esterco pelo lado limpo. Quem for capaz de tal proeza, pois então faça o favor de ler. Não se aprende nada, evidentemente, mas convém munir-se a gente de pelo menos alguns conselhos sensatos, como o de Sun Tzu (543-495 a.C.): “Keep your friends close and your enemies closer”.

A descolonização da língua portuguesa

Margarita Correia
29 Maio 2023

O discurso de Paulina Chiziane aquando da entrega do Prémio Camões desencadeou notícias e ondas de choque nas redes sociais, provando a importância e o impacto dos temas que abordou, que são daqueles que mexem com as pessoas e carecem de análise e discussão. Não pude ouvir o discurso em directo e não o encontrei na Internet; é no que vou lendo e na minha experiência que baseio a reflexão que aqui trago. Ao falar da necessidade de descolonizar a língua portuguesa, a autora deu exemplos da descrição de conceitos ligados à vivência africana recebiam em dicionários de língua. Ainda que o tópico seja relevante e preocupação constante de fazedores de dicionários e boas editoras, a questão da descolonização da língua não se circunscreve a esta espuma linguística e é bem mais funda.

O Brasil foi a primeira colónia a tornar-se independente, em 1822, em condições muito especiais. O processo de descolonização da língua portuguesa tem decorrido no país, mas não estará completamente concluído, segundo alguns – e.g. a norma escrita culta, especialmente a do mundo das apostilas para exames, parece estar desfasada e ainda muito dependente da norma portuguesa. Pela sua dimensão, o Brasil é hoje uma superpotência em termos de produção e edição (literária, científica, pedagógica, noticiosa, etc.), feita na sua própria variedade nacional, a variedade brasileira do português. O Brasil tem os seus próprios dicionários, gramáticas, pensamento linguístico, a sua terminologia, instituições reguladoras, investimentos na área, as suas política e planificação linguísticas mais ou menos claras. Pode fazer melhor? Pode, sim, mas a verdade é que faz muito, não depende dos demais estados de língua portuguesa e não surpreende a preponderância que tem vindo a ganhar no nosso espaço. A situação de Portugal a este nível pode ser explicada pela pequena dimensão do país, o proverbial atraso educativo que tem vindo a ser debelado nas últimas décadas, mas também pela falta de políticas e planificação linguística adequadas, pelos compromissos com a UE (e.g. a bibliometria) e, lastbutnotleast, pela mania de sermos “geneticamente poliglotas” e “falarmos bem estrangeiro”.

Foram os países africanos de língua portuguesa que tomaram a decisão de a adoptar como língua oficial (de estado, administração, ensino) e também de unidade nacional; lideranças de movimentos de libertação e elites desses países fizeram a sua formação em português, muitas em Portugal; a adopção da língua resultou, assim, em factor de discriminação entre os cidadãos desses países que a domina(va)m e os que não. Em Timor-Leste, a língua portuguesa foi entendida também como factor de identidade nacional; a sua adopção em 2002 deixou de fora os jovens que, à data, haviam sido escolarizados em língua indonésia.

50 anos após a independência dos países africanos de língua portuguesa, não sabemos exactamente quais as suas opções de política linguística e eles continuam, e.g., a não explicitar que norma de português querem adoptar, a não definir a relação do português com as línguas autóctones, a não produzir instrumentos de estandardização próprios, nem programas de ensino adequados, nem materiais didácticos, nem a formar professores suficientes. Portugal beneficia com esta “cooperação”, assim se favorecem os negócios.
Porque não são esses países ainda autónomos? Quem beneficia da situação? Será sensato pensar que Portugal descolonizará a língua portuguesa? Quem terá de o fazer? Como? Eis questões sobre as quais importa reflectir.

Margarita Correia

Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa

 

[Transcrição integral. Cacografia brasileira traduzida automaticamente.]

Curriculum Vitae
Margarita Maria Correia Ferreira

Margarita Correia concluiu doutoramento em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa em 2000, com uma tese sobre a formação dos nomes de qualidade em português. É docente do Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa desde 1990 e Professora Auxiliar desde 2000. Foi investigadora do Instituto Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) entre 1992 e 2014, tendo sido membro da Direcção (1999-2007 e 2008-2014), coordenadora da linha de investigação Léxico e Modelização Computacional (2007-2014), investigadora responsável (2010-2014) e presidente da direcção (2012-2014). Actualmente é investigadora integrada do CELGA-ILTEC (FLUC), unidade de I&D que resultou da fusão, em 2015, do CELGA e do ILTEC. Desenvolve actividade em Linguística Aplicada, especialmente nas áreas relacionadas com o léxico (Lexicologia, Lexicografia, Terminologia, Neologia, Formação de palavras) e Política linguística. Nos últimos anos tem também orientado trabalhos no domínio ensino-aprendizagem do Português Língua Estrangeira / Língua Segunda e é, desde 2029, directora do Mestrado em Português como Língua Estrangeira / Língua Segunda, da FLUL. Com José Pedro Ferreira, coordenou os projectos VOP – Vocabulário Ortográfico do Português) e Lince – Conversor para a Nova Ortografia (2010), e ainda VOP – Vocabulário Ortográfico do Português, 2.ª edição (2017). Coordenou, com José Pedro Ferreira, Gladis Maria de Barcellos Almeida e Inês Machungo, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (CPLP e IILP, 2017). Foi, entre 2018 e 2022, presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP). Desde 2020, escreve crónicas semanais no Diário de Notícias sobre questões relacionadas com as línguas.

[Portal “Ciencia Vitae”. Cacografia corrigida automaticamente. Destaques meus.]

«Refutou muitas vezes críticas de que os seus livros não eram escritos em português propriamente dito, respondendo sempre que usava a língua portuguesa à sua maneira. O caminho para desenvolvermos a língua passa mais por cada um de nós a trabalhar com aquilo que somos e com o nosso contexto, em vez de a padronizar num acordo ortográfico?»
Paulina Chiziane: «Uma coisa é o acordo ortográfico, que tem as suas vantagens, e outra coisa é o espaço geográfico da língua portuguesa. Cada um tem a sua língua portuguesa. Eu estou em Moçambique, outro está em Timor e outro está no Brasil. Cada um fala como fala, mas um padrão de escrita sempre ajuda na comunicação, pois vai facilitar ler textos que vêm de diferentes partes do mundo. Não estou contra a padronização da grafia, não estou contra o acordo ortográfico, antes pelo contrário. Acho que toda a língua é comum. O que eu posso não estar de acordo é que um moçambicano, por exemplo, tenha de falar um português considerado padrão que vem de Coimbra ou do Porto. Eu não sou do Porto, sou de Moçambique, e mesmo dentro de Portugal a língua tem as suas variantes. Padronizar a grafia, sim, mas por muito que se exija que falemos português da mesma maneira, não acredito que isso seja possível. Devemos sempre manter dinâmica a língua.» [semanário “Novo”, 14.05.23]
[Imagem de “Whiskas saquetas” de: “ZooPlus” (um nome muito adequado ao assunto, aliás).]

‘Todo o mundo e ninguém’

«Portugal precisa de boa imigração e de investimento, do Brasil e dos países de língua portuguesa, da mesma forma que o Brasil e os outros países precisam de uma porta de entrada para um mercado europeu.»
«O primeiro-ministro português sabe isso e vai lutar na União Europeia por um regime especial para os cidadãos dos países de língua portuguesa, tentando aprovar – ou pelo menos permitir – a criação de uma primeira “cidadania da língua” na história universal.» [José Manuel Diogo, “APBRA200”, 27.06.22] [post «Portugal, um Estado brasileiro na Europa»]

Na dita “comunidade” brasileira um país serve como capacho de entrada na Europa e de trampolim para África. A dita “mobilidade” só existe num sentido. A dita “reciprocidade” vale apenas no papel.
Todos os custos para um e todos os benefícios para o outro, eis aquilo em que consistem os sucessivos “acordos” entre Portugal e o Brasil. [post “Três mil e cem por dia”]

Brasileiros vão ter “estatuto de igualdade” digital e poder tratar do documento online: “Uma solução que é boa para todo o mundo”

O processo de digitalização “já está muito adiantado”, afirmou o secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Leonardo Gorgulho, que se encontra em Lisboa para uma série de reuniões de trabalho

“Expresso”, 29.05.23

Os brasileiros residentes em Portugal vão ter um documento digital que lhes confere o estatuto de igualdade em relação aos portugueses em várias matérias e poderão tratar da documentação ‘online, garantiu hoje fonte oficial.

O processo de digitalização “já está muito adiantado”, afirmou o secretário de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Leonardo Gorgulho, que se encontra em Lisboa para uma série de reuniões de trabalho.

“Tivemos hoje uma conversa com o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras], apresentamos a eles o documento que estamos desenvolvendo em seu formato que pretendemos seja o final (…), digital, e a receptividade foi muito boa“, referiu o diplomata.

O embaixador falava ao final da manhã no consulado-geral do Brasil na capital portuguesa, admitindo que o documento poderá estar apto naquele formato já no decurso de Junho.

“Eles estão muito satisfeitos e ficaram muito agradecidos de que a gente propicie esse tipo de alternativa“, acrescentou Leonardo Gorgulho, no encontro em que também participou o cônsul-geral do Brasil em Lisboa, Wladimir Valler Filho.

“Uma solução que é boa para todo o mundo. É boa para o cidadão, que vai receber em menos tempo [o cartão], é boa para o consulado, que consegue fazer o serviço e dispensa a vinda da pessoa aqui [ao consulado-geral em Lisboa] e é boa para o SEF, porque é um documento que vai ter as medidas de segurança que eles precisam que tenha”, explicou.

Segundo o responsável do Itamaraty (Ministério dos Negócios Estrangeiros), a ideia do Governo brasileiro é fazer um processo totalmente virtual dentro do e-consular (programa do consulado) com o qual as pessoas já estão familiarizadas.

“Assim como elas entram hoje no consulado para pedir passaporte e certidões entrarão no e-consular para pedir esse certificado, farão todas as etapas lá dentro, enviarão para validação e receberão um ‘e-mail’. Por esse ‘e-mail’ poderão acessar a esse documento”, especificou Leonardo Gorgulho.

O “documento vai ter um formato digital, um ‘keycode’ [código de acesso] e um ‘link’ para verificação da autenticidade. E as autoridades portuguesas através do código e do ‘link’ darão a validade necessária”, continuou.

De acordo com o responsável do Itamaraty, o Governo brasileiro espera que vá agilizar muito o processo, evitar filas e facilitar a vida das pessoas, pois não precisam de esperar agendamento no consulado para tirar o documento “e vão receber sem sair de sua casa o documento“.

No entanto, Leonardo Gorgulho alertou que se trata de “um documento só para Portugal”, acrescentando que isso demonstra a importância que o Governo brasileiro “dá à comunidade brasileira em Portugal”.

Segundo o diplomata do Itamaraty, o documento reflecte também o diálogo e a utilidade das reuniões de coordenação consular e das bilaterais regulares com Portugal ao longo dos últimos meses.

Por fim, mostra que “as soluções para os problemas podem vir de muitas formas”.

Quanto ao tempo para a entrada em vigor do processo, respondeu:”Não sei em que prazo nós vamos começar a emitir [o documento digital], mas vai ser muito em breve, não vai ser coisa de meses“.

“Estamos fazendo testes, porque isso não pode ser uma coisa leviana. Vamos fazer uma base de piloto, num ambiente controlado, mas isso tudo em etapas muito breves e próximas. A nossa ideia é que ao longo de Junho isso esteja apto”, concluiu.

[Transcrição integral. Cacografia brasileira do original corrigida automaticamente. Gráfico de: “ECO“.]

“Valor económico da língua” brasileira

“ranking” de passaportes por países em função do número de destinos

Angola não foi “infetada”

Álcool ″desinfetante″: xinguilamentos da língua portuguesa em Angola (por ocasião do Dia Mundial da Língua Portuguesa)

José Luís Mendonça
www.novojornal.co.ao, 13.05.23

A data do 11 de Novembro de 1975 marcou, no plano político, a descolonização de Angola. E marcou também, no plano da cultura, a descolonização da língua portuguesa. Quarenta e sete anos passados sobre a data da independência, constata-se que a língua portuguesa passou por um processo de transformações exactamente igual ao que se verifica nas outras dimensões da vida nacional. Ao retrocesso na economia, ao retrocesso nas condições de vida das populações corresponde fielmente o mesmo retrocesso na comunicação em língua portuguesa.

A língua é um privilégio concedido pelos deuses à sua maior criação, o Homem. A língua, que, como alguém já desconstruiu, não é nenhum corpo vivo autónomo, mas uma pele imaterial que cobre todo o corpus do pensamento, dá cor à vida em sociedade: cada qual, no seu dia-a-dia a faz e refaz para se comunicar.

Daí que, quando em 1990, foi assinado em Lisboa, o Acordo sobre a Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, não poucos insignes escritores, académicos e outros lusitanos se insurgiram contra essa normalíssima adaptação da ortografia do português aos novos tempos e, até, negaram a sua validade.

Angola assinou o AO90, mas, até à data, recusa ratificá-lo. Aquando da celebração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP, no ano de 2019, o ministério da Educação da República de Angola tornou público um comunicado em que afirmava que pretende ver reflectidos no AO90, os aspectos da linguística bantu “para que a realidade linguística portuguesa de Angola possa ser retratada nas gramáticas contemporâneas”.

Ora, essa posição, também defendida pela Academia Angolana de Letras, contradiz a pragmática da língua portuguesa em Angola, pautada pela exclusão oficial dos aspectos da linguística bantu. Em Angola, escreve-se Cuanza-Norte, nome de província, mas a moeda nacional escreve-se Kwanza. Se Angola não faz uso do que lhe é peculiar, como pode pretender que os outros países da CPLP o façam?

O artigo 19.º da Constituição angolana estabelece que “1. A língua oficial da República de Angola é o português. 2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional.”

O que muita gente no pelouro da Educação desconhece é que o Acordo Ortográfico de 1990 na sua Base I, 1.º, restaura o k e o y e introduz o w, fazendo o alfabeto português possuir 26 letras: O Anexo II do Acordo contém o Item 7.1 (»Inserção do alfabeto»), que justifica a introdução dessas três letras e das três razões, destacamos a que nos interessa:

“c) Nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa existem muitas palavras que começam por aquelas letras.”

O que é que isto significa? Que o ministério da Educação, para além de falacioso, é preguiçoso, ao não criar um gabinete com peritos da língua pagos exclusivamente para elaborar estudos nesta área.

Quando o Estado não valoriza, nem promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola estará ou não a incorrer numa inconstitucionalidade por omissão? Sendo assim, que fundamento existe para o ministério da Educação não ratificar o AO90, alegando “os aspectos da linguística bantu”?

O que o Estado angolano deve fazer é simplesmente apropriar-se da língua portuguesa e fazer bom uso dela, impondo “os aspectos da linguística bantu” que achar necessários e não estar sempre a lamuriar-se como um bebé rabugento. A isso se chama fazer o trabalho de casa. [destaque no original]

xinguilamento | n. m.

xin·gui·la·men·to

(xinguilar + -mento)

nome masculino

1. [Angola] Acto ou efeito de entrar em transe, de xinguilar.

2. [Angola] Ritual em que se invocam os espíritos.

“xinguilamento”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/xinguilamento [consultado em 16-05-2023].
Xinguilamento linguístico

Mesmo sem a ratificação do AO90, acontece, porém que, devido a um sistema de Ensino obsoleto, a grafia luso-brasileira entrou pela escola adentro, e implantou-se implacavelmente na comunicação social dos angolanos, através das interferências intercontinentais, pela mídia e pelas migrações humanas, sem apelo nem agravo. Entrou em Angola como um modo zungueiro ou informal de dizer e escrever a língua oficial.

Um aspecto muito peculiar do estado de expressão do português é o facto de haver, na esfera da Administração Pública tantos modos de escrever a língua veicular, quantos os níveis de aquisição de (in)competência linguística pelos utentes. A fala também absorve esta fenomenologia do discurso, porém a plurimorfose linguística na oralidade é universal, esmaltada no tempo e perfeitamente inócua.

Em Angola, são facilmente detectáveis seis substractos linguísticos que influenciam a comunicação verbal:

1. O Acordo Ortográfico de 1945, que rege a língua oficial;

2. O Acordo Ortográfico de 1990, que Angola recusa ratificar;

3. A norma do Português do Brasil importada pelos seus falantes e pela pesquisa dos nossos estudantes na internet;

4. A norma do Português de Portugal que nos chega pela mesma via da do Brasil;

5. A recriação popular da língua pela estrutura mental e oral dos angolanos;

6. O fenómeno intercontinental de simplificação com o abuso da crase.

Poder-se-á ainda acrescentar um sétimo substracto que nos chega dos Congos, das nuances da língua francesa, em que a crase não segue as mesmas regras do português.

Esses seis ou sete níveis criam em Angola uma autêntica confusão linguística, a modos de xinguilamento verbal, na comunicação oficial, com diversas gradações e modos individuais de perceber e transmitir o pensamento através da língua oficial.

Quando a escola não preserva a língua, o povo anónimo faz a língua sair para fora da bocarra das normas.

Neste momento, a primeira acção relevante para uniformizar tanto a grafia quanto a sintaxe da língua oficial é a ratificação do Acordo Ortográfico de 1990.[destaque no original] Concomitantemente, sem mais delongas, é urgente reciclar os professores do Ensino de Base, para que adquiram a necessária competência linguística do português, língua oficial e acabar com o xinguilamento existente, pelo menos no espaço da Escola.

[Transcrição integral. Destaques e “links” meus.
Os destaques no original foram mantidos e assinalados como tal.
Imagem de rodapé: “Screenshot” do site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda.
Em “grafia luso-brasileira” tracei “luso”.]

Nota: o site da EPL – Escola Portuguesa de Luanda já está totalmente adulterado pela cacografia brasileira; a imagem foi obtida após correcção automática. Esta aberração, evidentemente financiada pelos brasileiristas do Estado tuga, é caso único em Angola. Toda a Administração Pública angolana, Presidência, Governo e demais organismos e entidades do Estado — e também todo o sector empresarial privado, toda a sociedade civil, todas as organizações e serviços — não apenas não aplicam (Angola não ratifica) o #AO90 como continuam a seguir a norma do Acordo Ortográfico de 1945 (que o Brasil recusou unilateralmente em 1955). Veja-se, a título de ilustração, a página governamental dedicada ao Ministério da Educação, cuja titular é licenciada pela Universidade do Minho.

O sabor da língua

Repete-se agora, ipsis verbis, com exactamente os mesmos pressupostos, um extracto do que já funcionou como introdução a um outro texticulo do mesmo autor, em 15.11.21:

«Na verdade, o brasileiro que assina a peça agora reproduzida (em baixo), tenta fazer-se passar por amigalhaço dos “tugas” em geral e principalmente por “cámárádjinha” dos “tugazinhos”, mas o objectivo real do textículo não passa, como sempre, de servir como panfleto propagandístico enaltecendo os putativos méritos da aniquilação não apenas da Língua Portuguesa escrita, via AO90, essa arma de destruição maciça, como também a eliminação da Língua propriamente dita: depois da ortografia, o léxico, a construção frásica, a morfologia, toda a Gramática, qualquer tipo de norma do Português… incluindo a prosódia (ortoépia), a fonética, a própria acústica articulatória.» [post Cefalópodes de colecção”]

Aparentemente, até poderia ser este um dos muitos adversários do AO90 (reais, não fingidos ou oportunistas), de entre aqueles que, no Brasil, não têm quaisquer pruridos em assumir que a língua nacional da República Federativa é o brasileiro e já não o Português. Pura e simples aparência, creio, se atendermos à profusão de alçapões conceptuais em que o indivíduo mergulha com indisfarçável gozo e também à desfaçatez com que articula uma “tese” estranhíssima e confusa — afirmando qualquer coisa e o seu contrário, por vezes na mesma frase — sobre exactamente coisíssima nenhuma.

Se atendermos apenas ao título da sua publicação mais conhecida (devo confessar a minha ignorância na matéria, aliás nem sei se o dito indivíduo alguma vez terá publicado outro livrito), este ao menos assume de caras que a língua brasileira já ultrapassou a fase da autonomização e, por conseguinte, constitui hoje um corpus linguístico totalmente independente, com o seu próprio léxico e a sua própria, característica, específica (ausência de) gramática.

Infelizmente, como se constata amiúde pelo afã com que os “nossos” governantes persistem em “adotar” uma língua estrangeira, ainda não são nem muitos nem muito claros aqueles que já nem tentam disfarçar a neo-colonização política, económica, linguística e cultural em curso.

O sabor do português falado no Brasil

Sérgio Rodrigues

O último dia 5 de maio, quando se comemorou o Dia Mundial da Língua Portuguesa, foi a deixa para mais uma série de repetições de um clichê enjoativo de grande sucesso em Portugal: “Os brasileiros falam português com açúcar”.

No departamento dos chavões deslavados, trata-se de um dos benignos. Costuma ser empregado em nossa defesa, por assim dizer, para apontar o que haveria de doce e sedutor numa fala cheia de vogais arreganhadas e gerúndios curvilíneos.

Se as escaramuças entre o português lusitano e o português brasileiro têm feito muita fumaça por lá nos últimos anos, alimentadas por fatores como resistência ao Acordo Ortográfico, imigração em massa e sucesso de youtubers, o “português com açúcar” parece uma tentativa — paternalista, mas não se pode ter tudo — de adoçar amarguras.

Simpático ou não, chavão é. De tanto topar com ele — inclusive usado com cômica solenidade por quem acredita enunciar uma sacada nova e genial —, fui ficando intrigado. Preocupado também: se o português falado por 80% dos lusoparlantes do mundo for tão açucarado, periga nossa língua estar diabética.

Duvido que tão elevada taxa de glicose estivesse nos planos do português Eça de Queirós quando lançou as bases desse lugar-comum na revista satírica “As Farpas”, em 1872, ao mencionar “aquela estranha linguagem, que parece português — com açúcar”.

[imagem]
“Engenho de Açúcar” (c. 1808-15), de Koster, imagem presente no livro ‘Adeus, senhor Portugal’ – Reprodução

Sim, o grande escritor se referia ao português falado no Novo Mundo. O texto traçava uma caricatura do “brasileiro”, tipo ridículo de novo-rico — a princípio o retrato de um português bronco que tinha feito fortuna no Brasil e regressado, mas suficientemente ambíguo para que os brasileiros se vissem incluídos no quadro.

E se viram mesmo. Houve protestos, represálias contra portugueses radicados aqui, quase um incidente diplomático — o circo completo, porque as escaramuças vêm de longe. O artigo de Eça é notícia velha, mas dele ficou, agora com sinal positivo, o “português com açúcar”. Por quê?

Será que o português brasileiro soa meloso a ouvidos lusos? Pode ser, mas a prosa literária portuguesa contemporânea tem tolerância bem maior a floreios poético-sentimentais — por aqui entretemos vícios de outra ordem, mas um certo sabor amargo vem predominando.

Quem sabe o “português com açúcar” seja uma referência histórica? Um dos principais produtos, ao lado do ouro com que a colônia sul-americana enriqueceu Portugal até o início do século 19, fruto do trabalho de escravizados, o açúcar teria de alguma forma deixado resíduos na língua falada na terra dos engenhos.

Se a contribuição dos povos trazidos à força da África, sobretudo os do grupo linguístico banto, foi de fato gigante na formação da nossa língua, o açúcar branquinho não é a associação que os estudiosos da matéria preferem.

A professora baiana Yeda Pessoa de Castro, maior autoridade brasileira em africanismos, deu o sugestivo título de “Camões com Dendê” (Topbooks) ao livro em que condensa os estudos de uma vida inteira.

O azeite de dendê, de origem africana, é levemente adocicado, mas é mais do que isso. Vermelho e denso, pode ser encontrado em uma série de pratos típicos da culinária afrobrasileira — salgados e, quase sempre, apimentados também.

[imagem]
Trabalhador colhe cacho de dendê em plantação no Pará – João Wainer –

Fica então a proposta de atualização do clichê eciano: o português brasileiro não tem só açúcar, mas também dendê, sal, pimenta, alho, urucum, tucupi e cachaça, entre outros ingredientes ainda não devidamente catalogados.

[Transcrição integral. Conservada a cacografia brasileira do original.
Destaques e “links” (a verde) meus.]

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Timor “expetável”

[Campanha de distribuição de manuais escolares pelas escolas das montanhas. Zona Oeste, ano lectivo 2000-2001. “Sítio de Timor” (1999-2004): Álbum Bravenet.]
 

Neste tipo de artigos, a manusear necessariamente com pinças mentais, convém munir-se a gente de ao menos algum conhecimento de causa.

A começar pelo facto de deixar claro que pretender encaixar uma terra como Timor-Leste nos padrões “civilizacionais” europeus ou ocidentais é — encurtando razões — profundamente estúpido. E pretensioso, aliás, já que denota um indisfarçável lastro tardo-colonialista. Timor-Leste não tem absolutamente nada a ver, em aspecto algum, com o que no Ocidente em geral se utiliza para etiquetar nações, povos, modos de vida e culturas… ocidentais. Timor-Leste é Timor-Leste, não um enxerto europeu ou americano (ou australiano ou chinês). Os timorenses têm a sua própria Cultura, completamente distinta de qualquer outra, e daí, portanto, a sua Língua nacional ser também algo único: num território pouco maior do que o do Algarve coexistem “15 línguas nacionais” (mais variantes), duas línguas oficiais e ainda o Bahasa*** como língua-franca.

Em Timor-Leste, de acordo com a Constituição do país, o Tétum, que sofreu influências da Língua Portuguesa (uma Língua de elite em Timor), é a Língua Nacional, mas também Língua Oficial, que partilha com o Português. A estas, juntam-se mais as seguintes quinze Línguas Nacionais faladas pelo povo timorense: Ataurense, Baiqueno, Becais, Búnaque, Cauaimina, Fataluco, Galóli, Habo, Idalaca, Lovaia, Macalero, Macassai, Mambai, Quémaque e Tocodede. [blog “O Lugar da Língua Portuguesa“]

As considerações contidas neste artigalho do “Público”, totalmente desligadas da realidade, não passam por conseguinte de (mais) um folheto, inconsequente e frívolo, das perspectivas mais comuns de qualquer burocrata especializado em pedagogia de gabinete.
É certo que poderia ser muito pior, mesmo propagandístico e descarado, como tantos outros que vamos lendo por aí. Pelo menos deste autor e pelo menos aparentemente, o arrazoado — que poderia valer para o ensino em Chelas, por exemplo, mas não para o que existe em Timor — não tresanda, como de costume, a pura e dura propaganda brasileirista.
 

blog “Perspectivas” https://espectivas.wordpress.com/

Nada de ilusões, porém. Escrever com a cacografia brasileira sobre o ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste poderia muito bem ser (será?) uma forma subtil (“sútchiu”, em brasileiro) de passar a “mensagem”, preparando o terreno para que o Itamarati venha a tomar posse administrativa de mais um porta-aviões, este encalhado no Sudeste asiático.

Ao fim e ao cabo, vejamos, para os acordistas a coisa já nem é só “expetável”.

Que futuro para a língua portuguesa em Timor-Leste?

www.publico.pt, 04.04.23

Timor-Leste não só é um dos mais jovens países ao nível político — independência proclamada em 1975 e confirmada em 2002, depois dos 24 anos de ocupação da Indonésia, do referendo de 1999 que sufragou, por uma maioria muito expressiva, a autonomia e dos anos de transição administrativa das Nações Unidas —, como também o é na pirâmide demográfica dos países lusófonos, com uma percentagem significativa (34,45%) de população jovem, segundo dados de 2023.

Se este país fosse invocado pela obra ímpar de Ruy Cinatti, o eterno e sensível Senhor da Chuva, falaria de uma realidade bem diferente, sobretudo de montanhas, pessoas, tradições, casas e paisagens deslumbrantes. Porém, focar-me-ei na língua portuguesa.

Em linha com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste quanto à identificação das línguas oficiais, a Lei de Bases da Educação, de 2008, determina que “as línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português”.

Por sua vez, os normativos sobre o currículo nacional dos ensinos básico e secundário instituem a progressão linguística destas duas línguas de ensino, com mais tempo lectivo para o Tétum do 1.º ao 7.º ano, passando esse estatuto para o Português no 8.º ano e seguintes.

Sendo um território marcado por uma grande diversidade linguística (23 línguas maternas, variantes do Tétum, língua inglesa e língua indonésia), a abordagem da aprendizagem escolar constitui um dos principais problemas educativos de Timor-Leste, pois a progressividade das duas línguas não se verifica nas escolas, mantendo-se dominante o Tétum, na variante do Tétum Praça, ao mesmo tempo que impera a língua indonésia no quotidiano das famílias, nos programas de televisão mais vistos e no comércio local.

Apesar de existirem alterações significativas em curso, poder-se-á afirmar com toda a convicção que é diminuta a percentagem da população timorense que fala as duas línguas oficiais. O facto de o Português ser uma língua não materna traz dificuldades acrescidas, não sendo tão eficiente o seu uso na comunicação entre os timorenses, nem nas escolas, onde a tendência para a captação da oralidade se sobrepõe ao domínio da leitura e da escrita.

Verifica-se, também, uma certa desvalorização do Português pelas organizações internacionais, incluindo as organizações não-governamentais, cuja preferência na redacção de relatórios e na produção de materiais educativos vai para o Inglês e para o Tétum, como se o Português não fosse uma língua oficial em Timor-Leste.

Mesmo assim, a língua portuguesa é falada no território, principalmente pelos mais velhos que tiveram a sua instrução escolar anterior a 1975 ou pelos mais novos que estiveram ou estão na Escola Portuguesa de Díli ou nas Escolas CAFE (Centro de Aprendizagem e Formação Escolar).

Estas escolas são a actual frente mais visível da cooperação de Portugal com Timor-Leste, tendo sido criadas com o objectivo de replicar a Escola Portuguesa de Díli em cada um dos 14 municípios (o de Ataúro é o mais recente, estando previsto para breve o seu funcionamento) e, por isso, foram denominadas, de 2012 a 2014, Escolas de Referência.

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