PARTE I – Princípios fundamentais
Artigo 9.º
Tarefas fundamentais do Estado
a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam; (…)
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais (…);
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português (…);
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa; (…)
PARTE III – Organização do poder político
TÍTULO II – Presidente da República
Artigo 127.º – (Posse e juramento)
(…)
3. No acto de posse o Presidente da República eleito prestará a seguinte declaração de compromisso: Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.
Questionado pela plateia sobre as vantagens do novo Acordo Ortográfico entre países lusófonos, que deverá entrar em vigor em 2014, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se a favor, defendendo que “há um debate artificial sobre a questão “. O professor disse que as alterações ao acordo “não são substanciais” para a Língua Portuguesa. Marcelo referiu que o Brasil hoje é a maior potência económica e o maior país lusófono e realçou a ideia que “Portugal precisa mais do Brasil, do que o Brasil de Portugal”. Afirmou que o acordo tem “virtuosidades” e disse que “para Portugal conseguir lutar pela lusofonia no mundo tem de lutar por dar a supremacia ao Brasil.”
Queremos despedaçar Portugal Matar e comer, eis nosso desejo. Foda-se os bons costumes e a moral Foda-se Camões, os Pedros, o Tejo. Queremos bombardear Portugal Seus livros, estátuas, navios, cruzes Que este incêndio nos livre do mal E limpando o tapete acenda as luzes. Ai, queremos violentar Portugal Escarrar na língua, cagar no porto Ver um futuro em que seja banal O luso passado enterrado e morto O nosso seio está seco de leite De Portugal apenas o mar e o azeite.
Recusa de assinaturas pela Língua Portuguesa na Feira do Livro do Porto
«A Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação da entrada em vigor do Acordo Ortográfico (ILC-AO) foi impedida de levar a cabo acções de recolha de assinaturas nos jardins do Palácio de Cristal, local onde desde sábado decorre a Feira do Livro do Porto.» (…) (…) «O comissário Nuno Artur Silva, é conhecido desde há muito, «preferia já estar a escrever à brasileira» para «em vez de falar para dez milhões de pessoas falar para duzentos ou trezentos milhões»,como referiu em 2011 em entrevista a um canal televisivo. Em 2014, num colóquio promovido pela Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), manifestou-se convicto de que «no futuro todos vamos escrever em brasileiro e que o português vai ser uma variante regional da língua brasileira», segundo noticiou a organização.» (…)
Nuno Artur Silva, da administração da RTP a secretário de Estado de António Costa
Em 2015, Nuno Artur Silva chegou ao Conselho de Administração da RTP, a estação pública de rádio e televisão. Foi substituído n’O Eixo do Mal por Aurélio Gomes, o apresentador até aos dias de hoje, assumindo na RTP o pelouro dos conteúdos. Deixou o board da empresa pública no ano passado, depois de um diferendo espoletado pela Comissão de Trabalhadores. Em causa, o facto de Nuno Artur Silva manter-se proprietário da “Produções Fictícias” mesmo depois de ter prometido vender a posição quando assumiu o cargo na administração, algo que não chegou a fazer. Face a isto, o Conselho Geral Independente da RTP não reconduziu Nuno Artur Silva para um novo mandato de três anos, uma decisão justificada pelo órgão com uma incompatibilidade provocada pela “irresolução do conflito de interesses entre a sua posição na empresa e os seus interesses patrimoniais privados”.
Este é um daqueles assuntos pestilentos, nauseabundos, asquerosos, de tal forma que a gente só pode pegar-lhe com pinças e, de preferência, com fato completo de guerra química, máscara de gás ou, ao menos, uma mola no nariz.
Será, por conseguinte, de recomendar que as pessoas evitem incomodar-se com estes restolhos putrefactos, passando de largo, de preferência sem ler, porque de facto um acerto de contas pessoal — confesso que preferiria de outra forma, porém não tem calhado esbarrar no desgraçado — nunca é coisa agradável. Serve a presente, por conseguinte, como “carta aberta” de resposta àqueloutra carta aberta publicada pelo dito… hmmm… camelo, cavalgadura, enfim, animal, a qual passo a reproduzir.
Este foi um dos mais nojentos episódios — e apenas alguns deles foram relatados ou sequer referidos, houve outros, com origem na mesma ou em outras bestas daquela récua — que se sucederam particularmente entre 2012 e 2015 e cujos esgotos desaguaram na invenção de um referendo, mais uma “genial” invenção deste mesmíssimo idiota. Escusado será dizer que tudo aquilo era a fingir, os paus-mandados dos fanáticos da “revisão” — e este “setor” funcionava como lacaio do manda-chuva — jamais tiveram qualquer intenção de acabar com o #AO90; uns tachitos na Comissão Técnica de Revisão (CTR), umas mordomias como “especialistas” da coisa ortográfica e pronto, o #AO90 passaria a estar nos conformes, tudo “légau”.
Sim, pelos vistos era mesmo chantagem, algo como “ou nos dizem quantas assinaturas têm ou nós não vos enviamos as que temos em nosso poder”.
E a chantagem foi subindo de tom, de forma cada vez mais grosseira, rapidamente passando à pura e simples ameaça.
Como ilustração, salvo seja, aqui está um outro detrito avistado a boiar na rede anti-social Fakebook.
Felizmente, além do próprio, apenas duas pessoas atenderam ao “apelo” do rapaz.
Este apelo à “desassinatura” em massa, publicamente dirigido a todos os subscritores da ILC-AO, não teve os efeitos pretendidos mas poderia ter tido: se a coisa tivesse “pegado”, teríamos de instalar um contador de assinaturas… decrescente! [UHMMC XXII]
Dizer isto é elitismo e sobranceria? Talvez. Mas tenho por mim a memória de Medeiros Ferreira e um seu momento numa entrevista em que falou do “nó górdio”, e a jornalista perguntou-lhe o que era. Medeiros Ferreira irritou-se e respondeu: “Se não sabe, devia saber…”
“Alencar interrompeu-os, exclamando que não eram necessárias tantas filosofias. – Vocês estão gastando cera com ruins defuntos, filhos.” Eça de Queiroz, Os Maias
O dilema de João Rodrigues, professor na Escola Secundária Rainha Dona Amélia, em Lisboa, relatado há uns meses no PÚBLICO, serve de mote para as três considerações que aqui trago. Queixava-se então Rodrigues de ter tido de penalizar alunos brasileiros em respostas escritas na “variante brasileira de português” que não correspondiam à “norma do padrão do português europeu”. Acrescentava o professor de Português que era revoltante ter de penalizar alunos, quando a expressão sintáctica estava correcta na variante brasileira. Por fim, Rodrigues confessava-se revoltado, sentindo também que estava a prejudicar e a discriminar os alunos. Convém que este testemunho sincero e concreto seja levado muito a sério por quem tem andado há muito tempo a dormir na forma com ilusões e a tapar o sol com uma peneira de abstracções.
Há uns anos, apresentei uma comunicação na Universidade de Évora, na qual mostrei e analisei diferenças lexicais, fonológicas, fonéticas e morfossintácticas entre o português europeu e o português do Brasil. Uma das críticas que me fizeram – e que imediatamente aceitei e reconheci – foi a de ter misturado (adrede, acrescento) registos formais e informais, isto é, pus na mesma panela alguns (poucos, acrescento) registos que seriam utilizados em sala de aula e registos meramente coloquiais. Respondi que o fizera intencionalmente, para suscitar o debate, mas agradeci a reprimenda e, felizmente, aprendi imenso com ela. Por esse motivo, trago-vos hoje as tais três considerações. Obviamente, apresento-as, partindo do princípio de que o Governo português, de facto, quer resolver este problema: de uma vez por todas.
A primeira consideração diz respeito à vontade política de resolver problemas. Esta vontade política inclui o doloroso reconhecimento de haver diferenças entre os vários portugueses que são falados no espaço lusófono. Quanto à dimensão e importância da diferença, reservo o debate para outros fora. No entanto, já que estudos académicos e exemplos do quotidiano sobre este assunto não interessam aos políticos portugueses, as legítimas queixas de alunos brasileiros a estudar em Portugal poderão servir como indicação de que algo deve ser reconhecido e resolvido.
A segunda consideração relaciona-se com a formação dos professores. Se, efectivamente, o Governo português quiser resolver o problema e, como sugere o Instituto de Avaliação Educativa (Iave), “abordar as variedades da língua portuguesa ‘no âmbito das aulas de Português’”, a solução é simples: deve dar-se formação aos professores das disciplinas em que, actualmente, a adopção da norma portuguesa europeia é obrigatória, para que estes possam avaliar correctamente o desempenho dos alunos falantes nativos dos vários portugueses que são falados em todo o espaço lusófono. Isto implica bastante tempo e, é claro, algum dinheiro. Mas também é nestes momentos que vemos a diferença entre a garganta (o discurso político) e o porta-moedas (o Orçamento do Estado).
A terceira e última consideração tem a ver com a reciprocidade. Nenhuma – repito, nenhuma – das minhas duas anteriores considerações terá qualquer validade se não houver medidas idênticas (ou semelhantes) tomadas por quem governa os outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Isto é, os alunos portugueses que estudarem nos outros países da CPLP deverão dispor exactamente das mesmas condições que os alunos de outros países da CPLP terão em Portugal, no âmbito das minhas primeira e segunda considerações.
A penalização de alunos, nestas condições, é de facto um problema extremamente grave e convém que a resolução seja rápida. Aproveito o ensejo para recomendar o seguinte ao actor político que executar estas minhas considerações/recomendações: pegue no Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) e deite-o fora. Ponha-o no caixote do lixo. É justamente por causa do logro da “unidade essencial da língua portuguesa”, conceito consagrado no AO90, que chegámos a esta situação ridícula e muito grave. Matemos dois coelhos de uma cajadada só e andemos para a frente. Avancemos.
«quem tem andado há muito tempo a dormir na forma com ilusões e a tapar o sol com uma peneira de abstracções» Tornou-se irrelevante — e até contraproducente, na situação actual — qualquer abordagem tanto pelo “lado” jurídico como pelo da ortografia. Enquanto se entretêm com enormes listas de “aberrações” e de “casos flagrantes” que teoricamente seriam “corrigíveis” e depois de uma série de “petições” completamente (porque muito previsivelmente) inúteis, o alegre grupo de adeptos da “revisão” vai desopilando seus honoráveis fígados em… inutilidades absolutas. [Egipto em brasileiro e a cuestão légau – 11 Novembro 2022]
«partindo do princípio de que o Governo português, de facto, quer resolver este problema» Este aparente conflito resultante da aculturação selvagem deixará de o ser de imediato, como que por milagre, com o estalar de dedos do costume — ou seja, via “orientações” internas da tutela, na secretaria da 24 de Julho, e de seguida com a consagração legal na respectiva linha de montagem, a São Bento. [A vitimização como arma política (2) – 03 Agosto 2022]
«vontade política de resolver problemas» quanto mais abundante e espectacular for o coro de lamúrias a que os media dão cobertura, mais “generoso” será o “pacote” legislativo que a carimbadela parlamentar transformará de imediato em lei. Este imutável, repetitivo, geralmente encenado e sistematicamente rapidíssimo processo de vitimização-legislação, num país em que é “normal” que uma simples Proposta de Lei fique congelada durante mais de três anos até que finalmente não obtenha resposta, é um indicador seguro do enquadramento político (logo, económico) em que se insere desde 1986 o processo de demolição linguística e cultural em curso. [A vitimização como arma política (1) – 1 Agosto 2022]
«diferenças entre os vários portugueses que são falados no espaço lusófono» A pretensa “língua unificada” (a brasileira, claro) que teoricamente o justificaria serve como a camuflagem perfeita para a imposição selvática a Portugal (e PALOP) de uma língua alienígena — em todas as suas partes constituintes, não apenas numa única categoria gramatical — e para o esmagamento sumário, por arrastamento ou inerência, de todo e qualquer resquício da identidade nacional… portuguesa. [A vitimização como arma política (2) – 03 Agosto 2022]
«legítimas queixas de alunos brasileiros a estudar em Portugal» É miserável mas não deixa de ser caricato o que vai sucedendo, por exemplo paradigmático, no assim dito “sistema de Ensino” indígena: evidentemente, visto que “eles são 230 milhões e nós somos só 10 milhões”, então há que — além de escrever como “eles” falam — “facilitar” e “agilizar” também o percurso académico “deles” (e só deles, para os alunos portugueses fica tudo na mesma), aceitando que escrevam como falam (ou como de resto lhes der na real gana). [A vitimização como arma política (2) – 03 Março 2022]
«os alunos portugueses que estudarem nos outros países da CPLP deverão dispor exactamente das mesmas condições que os alunos de outros países da CPLP terão em Portugal» Ao contrário do que sucede com as artimanhas dos políticos, os números não mentem. O “português” do AO90 é afinal, literalmente e na íntegra, a língua brasileira. Todo o léxico foi 100% adulterado consoante a cacografia brasileira, sem qualquer “concessão” ou “cedência”; a outra parte do “acordo” (Portugal e PALOP) cedeu em absolutamente tudo: não existe no AO90 uma única palavra cuja grafia tenha sido imposta ao Brasil conforme é grafada em Português-padrão. [“Spelling Bee” – 10 Julho 2021]
«É justamente por causa do logro da “unidade essencial da língua portuguesa”, conceito consagrado no AO90, que chegámos a esta situação ridícula e muito grave.» Os tugas que vergam a cerviz até ao chão, os que apreciam andar de rojo e à babujem, os traidores, vendidos e mercenários pretendem tão-só aproveitar as sobras dos “negócios estrangeiros” brasileiros, a sua “expansão” neo-imperialista, a “difusão” da CPLB, o “valor económico da língua“… brasileira. Daí o #AO90, daí a CPLB, daí a “porta dos fundos” para a UE, daí o assalto às ex-colónias portuguesas em África e na Ásia. [O Português é língua estrangeira no Brasil – 29/10/2022]
Alexandre desata o nó górdio, pintura de Fedele Fischetti DR (“Público”, 02.07.22)
«A arquitetura do velho Egito é caracterizado pela sua monumentalidade. Entre as construções mais importantes estão as pirâmides e templos. Neste artigo, falamos sobre as generalidades deste modelo de construção e as principais obras arquitetônicas dos egípcios.» [“Astelus” (Brasil). Transcrição do original em brasileiro.] Contagem de ocorrências – sequências consonânticas (recorte) [página O AO90 em Números-resultados] Trata-se, a julgar pela recorrência das “alegações”, de uma impossibilidade técnica: por mais que se insista no carácter exclusivamente político-económico do #AO90, mais se fala de… ortografia! O “acordo ortográfico” não é acordo algum — porque o conceito implica cedências de ambas as partes, não apenas de uma delas — e não tem absolutamente nada de ortográfico, dado que as suas finalidades, as expressas e as implícitas, têm o objectivo único de privilegiar os interesses geoestratégicos do “gigante” brasileiro.
Se por mero acaso a alguém ocorre escapar, ainda que apenas por momentos e para variar, à “lógica” do tiro ao “egício” em particular ou ao “impato” em geral, então será provavelmente para tecer considerações igualmente “asséticas” sobre a “inadatação” “fatual” da data de entrada em vigor do AO90, sobre o “fato” de não haver uma lei (mas tem de ter a designação de “lei”, se for outra coisa não vale) de aplicação compulsiva do estropício na administração pública ou ainda, outro tema algo divertido, se bem que igualmente ocioso, sobre o “registro” legal da revogação expressa do AO45.
Quanto às pretensas questões legais envolvidas será suficiente ver, no quadro negro, a “hierarquia das leis”: no caso, a golpada em vigor foi executada através da tramitação da Proposta de Resolução 71/X, que deu origem à RAR 35/2008 (aprovação do 2.º Protocolo Modificativo) e esta serviu como respaldo político para que fosse parida a RCM 8/2011 – o que implicou a entrada em vigor do AO90 na função pública e em todos os organismos na dependência (directa, indirecta, sub-reptícia ou até secreta) do Estado.***
Pela inexistência de diploma, cláusula ou disposição revogatória, bastará formular em suma os respectivos preceitos jurídicos: «revogar uma lei é fazê-la perder a vigência, ou porque foi substituída por outra lei ou porque perdeu sua validade no decurso do tempo»; a revogação pode ocorrer de forma explícita, mas também por anulação, substituição ou caducidade — tácitas ou implícitas.
Algo de semelhante vale para o próprio Direito dos Tratados, aliás. Nos termos da Convenção de Viena, a subscrição dos Estados contratantes pode ocorrer por unanimidade, por maioria de dois terços ou… de outra forma, desde que os ditos Estados assim convencionem: «The adoption of the text of a treaty at an international conference takes place by the vote of two thirds of the States present and voting, unless by the same majority they shall decide to apply a different rule.»
As questões e contorções legais não são, de todo, decisivas no que concerne ao AO90. E ainda menos fundamentais serão as pretensas questões técnicas envolvidas. Tornou-se irrelevante — e até contraproducente, na situação actual — qualquer abordagem tanto pelo “lado” jurídico como pelo da ortografia. Enquanto se entretêm com enormes listas de “aberrações” e de “casos flagrantes” que teoricamente seriam “corrigíveis” e depois de uma série de “petições” completamente (porque muito previsivelmente) inúteis, o alegre grupo de adeptos da “revisão” vai desopilando seus honoráveis fígados em… inutilidades absolutas. Das quais apenas resulta, na muito exígua opinião pública à qual o assunto interessa minimamente, aquilo que os acordistas sempre pretenderam: cansaço, exaustão e, por conseguinte, alheamento, indiferença.
O AO90 continuaria absolutamente incólume, enquanto instrumento político, ainda que os acordistas fingissem ceder fosse (n)o que fosse. Não será por os demais membros da CPLB (Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Guiné-Bissau e Timor-Leste) acabarem por determinar a entrada em vigor daquilo nos seus territórios que esse mesmo “aquilo” passará a ter alguma coisa a ver com a Língua Portuguesa.
Não será por mera ingenuidade, por exemplo acreditando que a lei das iniciativas de cidadãos (ILC) vale ou serve para alguma coisa, que a frente de luta se desviará um milímetro do seu elemento natural, isto é, a arena política. Aliás, quanto a esta iniciativa em particular devo penalizar-me pessoal e exclusivamente: o ingénuo fui eu mesmo. Alego em minha defesa, porém, quanto a este particular, o facto de jamais ter sequer imaginado que seria possível que uma lei da República Portuguesa não passe afinal de uma farsa abominável.
Não será por “reaver” os “pês mudos” das “receções“, das “conceções“, dos “egícios” e dos “réteis“, mai-los “cês caladinhos” nos “conetores” e nos “inteletuais“, por exemplo, não seria por isso que a coisa ficaria logo nos conformes, a aldrabice deixaria de ser tremenda vigarice, o “acordo” deixaria de funcionar como pretexto para a “expansão” brasileira, a Língua Portuguesa deixaria de ser metodicamente destruída.
A exposição do cAOs teve o seu tempo e fez todo o sentido, sim, mas só até determinada altura. O ponto de viragem, aquilo que transformou o que até então era útil e curial em algo sumamente pernicioso, porque contraproducente, foi… a simples passagem do tempo. Ou seja, não existiu propriamente uma barreira temporal, mas o mais simples bom senso — se matraquear exemplos não resultou durante anos e anos, para quê persistir na inutilidade? — poderia e deveria ter ao menos poupado à causa um nada despiciendo número de desistências por exaustão.
Já vai sendo tempo de aprender alguma coisinha com os próprios erros. Até porque os erros dos outros não convencem ninguém. E a putativa CTR (Comissão de Revisão Técnica) tem os seus próprios assalariados, portanto convinha não trabalhar para eles à borla. Nem a peso de ouro.
Se o Egipto não existe, para quê insistir na egiptologia?
Eliminada a grafia Egipto e identificado o Egito como singelo lugarejo algures no Atlântico, não se percebe aonde foi António Costa nem de onde vêm faraós e múmias.
“Faraós, pirâmides e múmias são sempre um tema apaixonante, daí que tantas vezes a ele voltemos. Por artes do acaso, coincidem nestes dias dois acontecimentos relacionados com o país dos faraós e das pirâmides. Um deles é ‘Faraós Superstars’. Que, ao contrário do que o título possa dar a entender, não é uma série televisiva, mas uma exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, com inauguração marcada para 25 de Novembro, onde permanecerá até ao dia 6 de Março de 2023. O outro, de maior relevância para o planeta, é a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), que começou no domingo e se estenderá até 18 de Novembro em Sharm el-Sheik, cidade egípcia.
E aqui começa a discrepância. Segundo o Acordo Ortográfico de 1990, impingido em 2010 a troco de nada, os faraós egípcios são os do Egito e ponto final. A conferência da ONU, idem. Aliás, a palavra Egipto foi meticulosamente banida do léxico a uso pelos tutores da grafia “oficial”. Daí que a Gulbenkian, há anos zelosa cumpridora da dita ortografia nova, fale no comunicado que anuncia a exposição em “Egito contemporâneo” e “Egito Antigo”, registando coisas como “imaginário coletivo”, “atualmente”, “coleções”, “atividades” ou “estações táteis”, enquanto nos chama a atenção para a “arte egípcia”, referindo “antiguidades egípcias” ou mencionando o célebre “egiptólogo britânico” que há cem anos descobriu o túmulo de Tutankhamon no Vale dos Reis. Já o Governo, provavelmente mais distraído, emitiu um comunicado oficial intitulado “Primeiro-ministro desloca-se a Sharm el-Sheik, no Egipto, por ocasião da COP 27”, que começa logo na primeira linha por anunciar uma absoluta impossibilidade: “O primeiro-ministro desloca-se ao Egipto.” Ora como pode o primeiro-ministro de um país que existe deslocar-se a um país que não existe? Não pode.
Quem tiver dúvidas consulte a “bíblia” do “acordismo” lusófono, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa do IILP, e terá como resposta esta afirmação categórica: “A forma Egipto não se encontra atestada neste vocabulário.” De nada serve saltar de bandeirinhas (há uma para cada país, com diferentes vocabulários, a “unificação” é só lirismo), pois a resposta é sempre a mesma. O mais surpreendente é quando, já prestes a desistir, procuramos a palavra “Egito”. Aparece logo. Um país? Não, um lugar na Calheta (ilha de São Jorge, Açores), a remeter para o Vocabulário Toponímico.
Portanto, eliminado o Egipto e identificado o Egito como singelo lugarejo algures no Atlântico, não se percebe aonde foi António Costa nem de onde vêm faraós e múmias, a não ser por artes de uma qualquer ‘twilight zone’. Pior ainda (tal é o poder da ortografia!), não se percebe de onde continuam a vir palavras como “egípcio”, “egiptólogo”, “egiptologia”, “egiptológico”, “egipcíaco”, “egiptano”, todas abençoadas pelo IILP (que, no entanto, ignora “egiptização” ou “egiptanense”). Um mistério digno do Vale dos Reis, se não viesse antes do vale-tudo dos mentores e crédulos no disparate.
O assunto Egipto versus Egito já foi aqui abordado há cinco anos, em crónicas como “Pirâmides, futebóis e ortografia” (26/1/2017) ou “Sabiam que Cleópatra era de Idanha-a-Velha?” (13/7/2017), mas o tema em si mostra-se inesgotável, até porque a simples queda de uma letrinha (o P de Egipto) deu azo a muita tolice pseudomoderna, como o surgimento de “egícios”. Um questionário escolar em linha, destinado ao 8.º ano e já retirado, tinha como item de resposta múltipla esta frase: “A Itália foi o berço do Império Egício.” O jornal ‘Record’ (colecciono pacientemente estes recortes, que muitas vezes me chegam à mão devido a olhares atentos) anunciou “um grande dérbi egício”; a Euronews falou em Mubarak como “ex-presidente egício”; a RTPN em “bloqueios egício e israelita”; a Lusa em “capital egícia”, referindo-se ao Cairo; o ‘JN’ assinalou um desastre “no espaço aéreo egício”; uma criatura no Tripadvisor viu “um obelisco egício na Praça do Popolo”, em Roma; e o Mundo ao Minuto chegou a noticiar “um morto em confrontos entre estudantes egícios e polícia. [sic]”. Até o governo anterior, em comunicado, misturou “Egito” com “Egipto”, talvez na esperança de acertar.
No resto da Europa, não há estes problemas. Se usarem o tradutor do Google, verão que Egipto se escreve assim em espanhol ou basco (como se escrevia em Portugal), mantendo o P noutros idiomas: Egypt (inglês, norueguês, checo), Egypte (francês, holandês), Egipte (catalão), Exipto (galego), Ägypten (alemão, luxemburguês), Egipt (polaco, romeno, esloveno), Egyiptom (húngaro), etc. Mas se tentarem “traduzir” Egipto para português, teremos… Egito. Um bom tema para “egitólogos.”
*** Nota: sobre a RCM 8/2011, há também alguns cromos (a caderneta está cheia) que garantem ser aquilo o busílis da questão, ou seja, que anulando-a (uma RCM não é revogável, é anulável por outra ou é simplesmente ignorada) o “acordo” deixaria automaticamente de estar em vigor. Pois claro que não. A RCM é consequência da RAR — até porque nesta se baseia expressamente –, não o inverso; anular a RCM (qual seria o mecanismo para o efeito?, uma chamadinha para o Largo do Rato?) deixaria a causa incólume; logo, o que é aliás uma questão de senso comum, apenas anulando a causa (a RAR) seria possível tornar nulas e de nenhum efeito as suas consequências (Decreto do PR n.º 52/2008, aviso nº 255/2010 do MNE, Resolução do Governo nº 8/2011). Até um “jurista” de vão-de-escada entenderia uma coisa assim tão simplezinha.