Mais um textículo de Roldão

Crime de incitamento ao ódio e à violência

O chamado crime de “discurso de ódio” consiste na conduta punível de alguém que, através de meio de divulgação pública, provoque ou incite a prática de actos de violência, difamação, injúria, ou ameaça a pessoas ou grupos de pessoas, nomeadamente em razão da sua etnia, nacionalidade, religião, género, orientação sexual ou deficiência.
1. O crime de incitamento ao ódio e à violência encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal e é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2. A criminalização não afecta condutas que decorram em privado e que envolvam a prática dos factos descritos nas alíneas do n.º 2 do artigo 240.º. A tipificação do ilícito penal exige que a conduta punível se realize no espaço público e envolva qualquer meio destinado a divulgação, o que supõe o uso do discurso verbal, o panfleto, a grafitagem, a afixação de cartazes, a utilização da imprensa e de sítios web, bem como a colocação de mensagens na internet fora do âmbito de grupos fechados.
3. Constitui pressuposto da prática do crime que o uso público dos referidos meios de divulgação pelo agente se destine a fazer “a apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade”.
4. É exigível que o uso dos meios de divulgação destinados a fazer a apologia ou a negação de crimes contra a paz e a humanidade tenham um efeito ou resultado discriminatório concreto, traduzido na provocação de actos de violência, na prática dos crimes de injúria ou difamação, na ameaça e no incitamento à violência ou ódio contra “pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”. [DRE]

De Roldão ataca de novo.

Com a cassette que já toda a gente ouviu e leu até à mais absoluta exaustão, usando sempre os mesmos chavões, o mesmo paleio “mimimi” (como se diz em brasileiro, a língua dela) de obsessiva vitimização, repetindo os lugares-comuns da ordem (nós, os portugueses, fomos lá para a terra dela “roubar” o ouro e “escravizar” os pobrezinhos, coitadinhos), martelando clichés da narrativa woke mais empedernida, sempre a pretexto da colonização portuguesa mas nunca (ou muito mal) disfarçando a sua profunda aversão a tudo o que lhe cheire a “pôrrtuga” e a “pôrrtugáu”. “Pôrrtugáu” esse, que, nem de propósito, é a “terrinha” onde de Roldão aterrou há pelo menos uma década e — certamente com imenso sacrifício pessoal, por ter de viver no meio dos selvagens tugas — onde ainda hoje permanece, ao que parece com grande soma de inconvenientes, a começar por uma permanente irritação — ou será ódio, abreviando a substantivação — para com toda a gente que não partilhe da sua “opinião”; ou seja, toda a gente menos ela própria e, quando muito, os camaradas da sua seita de “indignados” profissionais, esse grupo de extremistas… mas “não muito”.

No primeiro, o “motivo” do venenoso paleio desta setora foi a Porto Editora. Neste segundo round atira-se Roldão de roldão àquilo que julga ser uma outra editora, à conta de um manual escolar cujo título agora não interessa para nada e o conteúdo ainda menos. O que para o caso interessa, isso sim, é — espremendo apenas um módico de neurónios do hemisfério esquerdo — fazer notar o seguinte: esta Raiz Editora não é propriamente “outra”, diferente, independente da Porto Editora. Pelo contrário: faz parte do grupo empresarial de editoras que integram a… Porto Editora.


A setora não fez os TPC, aiaiaiai, setora.

Ou será alguma embirração especificamente quanto àquele grupo editorial? Mas olhe, setora, que a Porto Editora é do mais acordista que há por cá, até se apressaram a “adotar” a sua querida língua brasileira — com efeitos retroactivos e tudo.

Recorde-se, a propósito, que foi a Porto Editora um dos principais interessados (e beneficiários) no contrato milionário assinado entre as editoras e o Governo que garantiu indemnizações colossais em caso de “reversão” da “adoção” da língua brasileira pelo Estado português como língua nacional.

Tudo isto, mesmo dando de barato a situação profissional, económica e de estatuto social da autora dos dois textículos, o que agora se transcreve e o anterior, deixará porventura ainda mais confuso — ou perplexo — quem se der à maçada de ler ou um ou outro ou ambos: mas o que pretende ela, afinal? Porquê e para quê este infindável chorrilho de insultos, esta tentativa sistemática de emporcalhar a História de Portugal, todo este indisfarçável ódio aos colonizadores (os “brancos”) que exploraram (“roubaram”) o Brasil e que “escravizaram” o “povo brasileiro”?

O que entende o Estado português, ao menos enquanto conceito, por “ódio”? A perversão absoluta do ónus da prova (basta a alegação?, basta “mandar umas bocas”?), o enviesamento da verdade histórica — ou da verdade tout court –, o enxovalho público (e reiterado) dos portugueses enquanto povo, nada interessa para coisa alguma? Ou depende de quem profere as atoardas, da sua posição relativa na pirâmide social?

O normal, como sucede por regra entre as pessoas normais, isto é, educadas e com alguma cultura, incluindo a democrática, seria ao menos alguém reagir, dizer algo. Já sabemos que nem todos os portugueses têm, infelizmente, um mínimo de hombridade; mas existem ainda assim alguns pouco amigos de “levar insultos para casa”.

Ou então… sim, pensando melhor, talvez seja isso. O que esta fulaninha diz interessa tanto como ela mesma, ou seja, nada. Que vá regurgitar o seu ódio alhures.

ódio

ódio | n. m.

ó·di·o

(latim odium, -ii, ódio, aversão, ressentimento, vontade, animosidade, irritação, desagrado, insolência)

nome masculino

1. Sentimento de intensa animosidade relativamente a algo ou alguém, geralmente motivado por antipatia, ofensa, ressentimento ou raiva. = AVERSÃO, REPULSAAMIZADE, AMOR

2. Objecto desse sentimento.

“ódio”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/%C3%B3dio [consultado em 01-04-2023].


Era uma vez…” o manual colonial da Raiz Editora

Cristina Roldão
“Público”, 29.03.22

No quadro do Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravatura e do Tráfico Transatlântico de Escravos, no passado 25 de Março, António Guterres tomou posições que muitos classificariam de woke. Reconheceu que “o legado do comércio transatlântico de escravos nos persegue até hoje”, colocando entraves ao desenvolvimento do continente africano “por séculos” e estando na base de “disparidades de riqueza, rendimentos, saúde, educação e oportunidades” que afectam a vida dos afro-descendentes bem como do “ódio da supremacia branca que ressurge hoje”. Guterres defendeu que deveriam ser introduzidos nos currículos escolares conteúdos sobre o que foi a escravatura e as “cicatrizes” que deixou, assim como “as histórias de resistência e resiliência” à mesma, como, por exemplo, a da “rainha Ana Nzinga do Ndongo”.

Esta tomada de posição, embora não reconheça explicitamente o racismo estrutural, admite que o racismo tem origem no colonialismo e na escravatura transatlântica, portanto, vai para lá da lengalenga estafada de que o racismo é fruto da ignorância e do medo face ao “diferente” ou que se limita a casos pontuais ou a grupos extremistas. Mesmo que tenha sido apenas um discurso, aquelas declarações contradizem as da ministra Ana Catarina Mendes, que, ainda há pouco tempo, dizia que o “racismo não é um problema estrutural” em Portugal.

O secretário-geral da ONU não afirma, contudo, que parte da desconstrução e reparação do legado da escravatura transatlântica passa, exactamente, pela recusa nos currículos escolares de uma narrativa glorificante da história colonial portuguesa. Recorro aqui ao exemplo do manual de História e Geografia de Portugal, em vigor neste ano lectivo, Era Uma Vez… (5.º no) da Raiz Editora. O manual tem o requinte de, na abertura de cada capítulo, usar o entróito[sic] “Era uma vez…”, seguido de afirmações ‘curtas que, mais do que uma síntese da matéria, são muitas vezes um condensado de glorificação nacional, romantização da violência e despolitização da história colonial.

Nesses motes, a expansão colonial é apresentada muitas vezes enquanto uma grande aventura, uma espécie de expedição científica: “Era uma vez… um povo que pretendia conhecer o mundo. Os Europeus tinham um conhecimento muito limitado da forma do mundo, dos continentes e dos oceanos” (p. 144); “Era uma vez… O povo português que adquiriu, além de um modo de vida diferente, um conhecimento mais profundo do mundo e contribuiu para o desenvolvimento dos saberes” (p. 174). Diz-se “era uma vez… o Brasil no século XVI, terra que encantou os Portugueses pela beleza das ” suas florestas, dos frutos e dos homens e mulheres que aí viviam” (p. 168). Uma pessoa incauta pode até pensar que a expansão colonial foi uma imensa expedição botânica e que o tal “encantamento” não foi, afinal de contas, estupro, escravatura, morte e arrebanhamento de recursos.

Considerando a dimensão económica, diz-se, por exemplo, que Portugal pretendia “melhorar as condições de vida dos seus habitantes” (p. 146). Ora, dito assim, “colectivizam-se” as mais-valias da colonização, ocultando-se que esta serviu, sobretudo, o enriquecimento e a fortuna de uma minoria privilegiada. Para a maioria dos portugueses, os benefícios da expansão colonial chegariam de forma indirecta (pela | posição geopolítica e pelo crescimento dos cofres do Estado, por exemplo). Não deixa de ser interessante que nos nossos manuais se atribua implicitamente a toda uma linhagem de camponeses, jornaleiros e de gente branca empobrecida — a maioria dos portugueses — a “epopeia” daqueles que os exploraram e oprimiram.

As pessoas negras escravizadas surgem entre as “trocas comerciais” colocadas ao nível de “produtos de origem africana”, como o marfim, malagueta, óleo de palma, algodão, ouro, desumanizando-as, mais uma vez. Esta é uma imagem presente na maioria dos manuais escolares. Neste manual da Raiz Editora não se deixa de dizer no texto que “o comércio de pessoas durou centenas de anos e foi marcado por abusos e falta de respeito pelo outro” (p. 173). Mas poderá esse reconhecimento da violência ser compatível ou real com toda a glorificação que se faz desse processo ao longo do manual? É também paradigmático que, ao mesmo tempo que se louva o pioneirismo português nas navegações, não se assinale o seu lugar cimeiro no tráfico transatlântico face a outras potências europeias entre os séculos XV e XIX; e, que, num enviesamento lusotropicalista, se prefira salientar como resultado desse processo a miscigenação ou “aculturação” (o mobiliário indo-português, a capoeira, pratos gastronómicos, etc.) e não as desigualdades estruturais e o racismo que marcam as nossas vidas ainda hoje.

Cristina Roldão

Professora ESE-IPS o investiga CIES-IU

[Transcrição integral (da edição em papel) de artigo etiquetado como sendo de “opinião” publicado no jornal “Público” de 29.03.22. Destaques e “links” meus. Correcção automática da cacografia brasileira.]

Em bom brasileiro: ‘Se diz eu mido ou eu meço?’

«A decisão do STF, neste momento, não prejudica o debate sobre o tema, só define que apenas a União pode alterar as regras da Língua Portuguesa» [jornal “Cruzeiro do Sul” (Brasil), 11 de Fevereiro de 2023] [“post” Cândido, Pangloss, Voltaire (e vice-versa)]

Depois da imposição da desortografia brasileira (#AO90), aí temos a segunda fase da anexação: o Supremo Tribunal Federal do Brasil determina que «apenas a União», ou seja, o Governo ou o Presidente da República Federativa do Brasil, «pode alterar as regras da Língua» a que, exclusivamente por motivos políticos, os profissionais do métier chamam “portuguesa”.

Portanto, por inerência, as entidades governativas que doravante passarão a administrar a e a superintender na língua brasileira “adotada” pelo Estado português serão as brasileiras: «apenas a União pode alterar as regras da língua». Entenda-se por “União”, evidentemente, a designação oficial em uso naquele país para referir os 27 estados — aos quais se junta agora o 28.º, o qual será o primeiro estado brasileiro fora da América do Sul.

Assim, Portugal não apenas “adotou” a transcrição fonética do falar brasileiro como língua nacional — impondo-a, logo à cabeça, a todos os organismos e entidades na dependência ou de alguma forma fazendo parte da administração pública — como também acatará as directivas que as entidades brasileiras vierem a ditar sobre as “regras” do dito falar brasileiro, para que sejam “harmonizadas” as “regras” fonéticas; ou seja, para que os portugueses passem também a falar e não “apenas” escrever em brasileiro.

Já revistos os programas escolares e atamancados os currículos, ao que se somou a reescrita com efeitos retroactivos de edições (incluindo as dos clássicos) e até das legendagens em material vídeo, para já não falar da importação maciça de conteúdos (de)formativos, começam agora a chegar-nos amostras de uma intensa actividade “pedagógica” vinda a nado do outro lado do Atlântico; para dar vazão aos certamente exigentes exames que por lá se fazem (a designação “ENEM”, afianço, não é uma piada), pulalam já os “especialistas” que vão pipocando entusiasticamente os seus “ensinamentos”.

É o caso, assim ao acaso, de mais este e das suas “pegadinhas” (não confundir com piadinhas). Um fulano diplomado em Matemática e em Química [sic] que dá “aulas ” lá da língua dele através da Internet e, ao que parece, com imenso sucesso, diz que “viraliza” e tudo, o que deve ser fantástico.

Bem sei que o horizonte, não sendo já azul como soía, apresenta-se agora cinzento, sinistro, quase da cor do chumbo mas ainda mais pesado. Não custa adivinhar o que prenuncia.

Dicas de conjugação fazem professor viralizar nas redes

22/03/2023 – Folhinha – www1.folha.uol.com.br

Conjugar verbos significa resumidamente ajustar aquela ação a cada uma das pessoas que a executam: eu, tu, nós, eles etc. Parece fácil, mas a língua portuguesa é cheia de pegadinhas, e algumas vezes a conjugação vira um desafio. Por exemplo: o certo é eu “eu mido” ou “eu meço”?

Nessas horas entram em campo os professores e professoras, e um deles tem feito particular sucesso nas redes com seus vídeos tirando dúvidas como essa acima. Ele é Laércio Silva de Sousa, de 36 anos, morador de Teresina (PI), e que, junto com o amigo RisonJunior, criou a página Química 2119 há dois anos — hoje o perfil do Instagram já tem quase 500 mil seguidores.

[fotografia] Professor Laércio, que viralizou nas redes com vídeos sobre língua portuguesa – Arquivo Pessoal

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As mães dos Bragança e as mães de Bragança

Escudo da Casa Imperial de Orléans e Bragança
Escudo/Brazão da Casa Imperial de Orléans e Bragança


«Marcelo Rebelo de Sousa diz que tudo entre Portugal e o Brasilé um problema de família» (BrasilLusa, 03.07.22) [Lusofobia: causa(s) e efeito(s) – 4

A vitimização brasileiresca, cada vez mais intensa e persistente, sempre contando com bajuladores, mercenários e vendidos tugas, ameaça já tornar-se na única face visível — ou seja, na máscara preferencial — do plano de linguicídio e extermínio cultural. [A vitimização como arma política – 3]

Estribado na pretensa língua “universau” brasileira (via AO90), o plano de erradicação da Língua e da Cultura portuguesas compreende a táctica de vitimização sistemática como forma de pressão acrescida para “agilizar” e “simplificar” — ou seja, abreviar — o esmagamento da soberania nacional. Esta táctica vai apresentando torções e contorções cada mais imaginativas e chocantemente óbvias, incluindo a vitimização por proxy e sempre contando com o precioso auxílio do chamado coitadismo militante: brasileiros queixam-se imenso de “racismo e xenofobia” e alguns portugueses correm a “solidarizar-se” com eles, coitadinhos, que são tão perseguidos, coitadinhos, e que até não são eles mesmos racistas e xenófobos nem nada, que ideia. [A vitimização como arma política – 2]

Como é o notório caso do”Observador” (acima citado), que titula isto: «Universidade do Porto regista quatro processos relacionados com assédio sexual no último ano lectivo». (..)
O jornalismo, quando a serviço da política e a mando de políticos, serve na perfeição como arma de destruição maciça da verdade. Não informa, desinforma. Não esclarece, confunde. Não relata factos, inventa-os. Não atende a outros interesses que não os de quem dá mais.
Este é mais um caso flagrante. Mistura-se “assédio sexual” — um crime previsto e punido por lei (Artigo 170.º Importunação sexual) — com “denúncias” fora de contexto e com opiniões, dúvidas espúrias ou simples atoardas sobre alegações de “actos de xenofobia e de racismo”.
[‘Preconceito linguístico’, racismo e xenofobia – 5]

O vestido branco que Eva não voltou a usar em Portugal | Crónica

Continua a ser lamentável observar que as mulheres, já cansadas e para terem paz, sejam elas brasileiras ou de outra nacionalidade, desistam de ser quem são.

Liliana Carona
www.publico.pt, 08.03.23

Eu sou outra mulher, já não sou a mesma, conclui Eva, olhando-se ao espelho, enquanto se prepara para ir dar aulas.

Foi há dez anos que chegou a Portugal e, de lá para cá, ainda que admita ter sido de forma inconsciente, foi mudando quem era.

Já não me lembro de usar este short, aponta para uma das primeiras fotos partilhadas no Instagram. Em Portugal, Eva desistiu de usar os calções curtinhos. Tem na memória três situações que lhe causam angústia ao recordar. Quando pediu um café e o empregado demorou mais do que o habitual, quando ao lado do namorado, ouviu o sussurro de uma senhora: esta deve ser mais uma piriguete. E quando, já ao cair da noite, se fez de maluca, para não ser agredida na rua, por um homem que a perseguiu durante o caminho para casa.

Eva mudou totalmente e de forma inconsciente. Os brincos e pulseiras étnicas estão na gaveta, na perspetiva de ser aceite. Os tops e as blusas decotadas ficaram no fundo do armário.

Tenho roupas, que trouxe do Brasil, que não uso mais. Se estivesse no Rio de Janeiro usaria de certeza, mas aqui, em Coimbra, não posso usar. É horrível dizer isso, mas uma mulher brasileira com decote não pode. Sempre o olhar demorado, uma piada…

Como é que os(as) portugueses(as) veem as mulheres brasileiras? Independentemente da nacionalidade, nunca se é só mulher, é-se sempre mulher e mais alguma coisa. Parece que está sempre no local errado. Mulher velha, mulher nova, mulher brasileira, mulher portuguesa, mulher pobre, mulher rica, mulher com homem velho, mulher com homem novo, mulher preta, mulher branca, mulher safada, mulher sonsa.

As microviolências contra as mulheres são naturalizadas e o corpo objetificado, condenado. Não mostres, não te exponhas. Ele tocou-me? Ele está a aproximar-se demasiado? Será que é da minha cabeça? Será que não me devia ter vestido assim?

Vamos perdoando, não temos tempo para problematizar tudo o que nos acontece na rotina dos dias e vamos normalizando para sobreviver. Resistir cansa. Pode haver empatia e partilha de sentimentos, mas a luta pertence de forma individual a cada uma das mulheres.

Tenho um vestido branco que eu adoro e que foi a minha mãe que mo deu, antes de vir para Portugal. Quando o vesti cá, houve uma mulher que olhou para mim com um ar de ódio. Nem olhou para o meu namorado, cobrou-me a mim, a minha forma de vestir. E eu mudei. De novas, somos ensinadas a calar para não sofrer violência. Mas às vezes dá vontade de encarar. Acha que o meu corpo está à sua mercê? Eva sorri, na tentativa de suavizar a mágoa.

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Cabo Verde (também) põe a língua de fora

Constituição da República Portuguesa

Artigo 11.º

Símbolos nacionais e língua oficial

1. A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
2. O Hino Nacional é A Portuguesa.
3. A língua oficial é o Português.

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“Cabo Verde ganha se mostrar ao mundo o que sabe em crioulo”

Sara Azevedo Santos

Está a ser traçado o caminho para que o cabo-verdiano seja reconhecido como língua oficial no país, em paridade com o português. Em Lisboa, há um curso para promover o crioulo.

Em Cabo Verde, segundo a Constituição deste país, a língua oficial é o português mas o Estado está a criar as condições para que o crioulo cabo-verdiano seja oficializado juntamente com a língua de Camões.

Durante o mês de Fevereiro, o Centro Cultural de Cabo Verde (CCCV) em Lisboa iniciou um curso básico de língua cabo-verdiana para todos aqueles que queiram aprender a comunicar nesta língua.

Adelaide Monteiro, natural da ilha de Santiago, dá aulas de crioulo há mais de 20 anos, tanto para nacionais como estrangeiros, mas este é o primeiro curso em parceria com o CCCV. Uma ideia que já estava pensada há algum tempo, mas apenas este ano se conseguiu concretizar.

A professora explica que os principais inscritos nesta edição são falantes de língua portuguesa mas nem todos são portugueses. Adelaide Monteiro explica que a maioria dos alunos que teve ao longo dos anos foram estrangeiros que foram trabalhar para Cabo Verde e queriam aprender a segunda língua do país.”Os principais motivos apresentados pelos alunos para se inscreverem é conseguirem comunicar com cabo-verdianos. A maioria já conhece Cabo Verde e quer aprofundar o seu conhecimento da língua”, diz Adelaide Monteiro ao DN.

A língua oficial deste país insular é o português, mas está explícito na Constituição de Cabo Verde que o Estado está a criar as condições necessárias para oficializar o cabo-verdiano em paridade com a língua portuguesa. Para Adelaide Monteiro, os linguistas já fizeram muito deste trabalho com a criação de gramáticas e manuais para ensinar a língua como língua materna e estrangeira. Acredita que a partir de agora a oficialização está nas mãos dos governantes.

“Do meu ponto de vista há uma insegurança da parte dos órgãos decisores em apostar na língua cabo-verdiana como língua de ensino. Essa insegurança advém de um desconhecimento de tudo o que se tem feito a nível do estudo do crioulo”, analisa a professora.

Falar “sem traduzir”

Adelaide Monteiro considera que é necessário criar uma política linguística para o cabo-verdiano e introduzi-lo nas escolas em conjunto com o português. Antes de começarem a escola, muitas crianças expressam-se quase exclusivamente em crioulo. Quando chegam às aulas têm de aprender a fazê-lo em português, o que se pode traduzir em dificuldades no ensino e na aprendizagem. “Cabo Verde é um país jovem e isto quer dizer que a língua é tão jovem quanto o país. Não vai desaparecer, mas é preciso que alguém tome conta deste instrumento. Tomar conta de uma língua é desenhar uma política para ela“, afirma a professora.
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Paranóia e pérolas a porcos

Já nos vamos habituando, é verdade, mas não deixa de ser surpreendente que tanta gente decente ainda dê alguma espécie de crédito ao analfabetismo, à grosseria, à mitomania, ou seja, em suma, aos números circenses de muitos brasileiros em Portugal e de alguns portugueses apátridas que por aqui vegetam, uns e outros, todos trémulos e frementes, chorosos, largando baba e ranho por tudo quanto é pasquim, coitadinhos, a estalar de saudades da sua deles pátria. Aqueles porque foram violentamente forçados a imigrar, é claro, e como desde sempre terão sido os “colonos” portugueses a corrê-los do Brasil a pontapé, pelo que não tiveram alternativa a fazer o favor de vir para cá honrar-nos com a sua excelsa presença. E os tugazitos porque, apesar de serem brasileiros “adotivos” — aborrecidíssimos com a vidinha paupérrima que levam na “terrinha” onde por acaso nasceram –, fartam-se de trabalhar para a “causa” brasileirista, facilitando ao máximo a instauração do Estado europeu da sua querida República Federativa.

É de facto espantoso que alguém — e, ainda por cima, sabendo escrever e tudo — conceda o exorbitante crédito de rebater com argumentos técnicos, epistemológicos e históricos as asneiras monumentais de neo-imperialistas-lusófobos-acordistas. Mas enfim, parece que existem mesmo portugueses assim, de infinita pachorra, vá-se lá entender porquê e para quê.

Este artigo de opinião é o episódio mais recente de tão bizarra (e persistente) condescendência para com… errrr… enfim… não exageremos na adjectivação… idiotas chapados, vá.

Tudo o que diz Luís Reis Torgal aplica-se perfeitamente às bacoradas de um brasileiro qualquer (em artigo também aqui reproduzido), mas assim, ora bolas, respondendo com razões a perturbações como a paranóia ou a mania da perseguição, ou a ambas, já que uma integra a outra, bom, nesse caso lá se vão os argumentos racionais, então vale o bíblico aforismo atirar pérolas a porcos.

Que História? O colonialismo português ainda “persegue” as religiões afro-asiáticas?

Luís Reis Torgal
“Público”, 02.03.23

1. Sabemos que hoje a História faz parte também, no contexto de uma visão vaga e apressada do mundo e de um conhecimento que não tem por base o documento e a consciência do pretérito, de um grande chapéu-de-chuva que alberga todas as opiniões sobre o passado, o presente e até o futuro. Já lá vai o tempo, no nosso caso desde Herculano, em que se lutava por uma História objectiva, narrada e interpretada com base em fontes de toda a espécie, o que implica muito tempo de trabalho.

Todavia, há responsabilidades que não podem deixar de ser assumidas. Por isso este meu texto não visa tanto a jornalista do PÚBLICO, Ana Marques Maia, a quem parece dirigir-se, como o próprio jornal de que sou leitor de sempre e, por vezes (raras vezes), seu articulista, na qualidade de simples cidadão interventivo.

2. Na terça-feira de Carnaval, ao comprar o PÚBLICO, deparei-me logo, em chamada de primeira página no cabeçalho, com o seguinte texto: História. O colonialismo português ainda persegue as religiões afro-brasileiras. Logo fui ler o artigo. Em duas longas páginas ilustradas aí vem o texto da jornalista, encimado por pequenas letras a vermelho que podem passar despercebidas, com um texto mais esclarecedor: “Cultura: Intolerância religiosa no Brasil”.

A História é um processo científico que não pode jogar com a simples opinião, sobretudo quando ela é coada por um fotógrafo da National Geographic (instituição que me merece todo o respeito, mas que deve ser encarada como um magazine), Gui Christ, que vem reclamar — por certo com alguma razão — que no Brasil ainda se perseguem as religiões afro-brasileiras, citando concretamente o bolsonarismo e as crenças radicais contra essas religiões, mas também contra a religião católica apostólica romana.

Muito bem, mas atribuir isso à herança colonial, como também faz, é ultrapassar as raias da análise histórica tanto quanto possível rigorosa, pela falta de consciência do tempo. Não só porque na era da colonização e do “colonialismo” se tinha — apesar das alterações da Inquisição depois da reforma de Marquês de Pombal (1774) e da sua extinção em 1821 — uma visão bem distinta das religiões e das práticas de feitiçaria (não me refiro às religiões, mas, sobretudo, às simples práticas de bruxaria), que eram consideradas como falsas e punidas de forma exemplar, mas porque, formalmente, o colonialismo português terminou com a independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822, ou seja, há mais de dois séculos.

Brasil 1822-1853
Brasil 1822-1853

Isto é, o que, aparentemente mas espectacularmente, parece, neste caso, ser imputado a Portugal deve ser afinal considerado em relação ao Brasil, que não conseguiu superar em séculos a tal “herança colonial”.

3. 0 termo considerado central nesta análise é a palavra “macumba”, que — segundo a análise de Christ — tem nos dicionários, em sentido lato, o significado de “magia negra”, “feitiçaria”, “feitiço”, quando na sua origem tem um sentido diferente, como uma espécie de “colectivo de curandeiros, de homens sábios ou de senhores da palavra”. Na verdade, não digo que não possa ter também aquele significado em termos populares, mas não é esse o seu sentido fundamental.

Vejamos o que diz o famoso dicionário de Cândido Figueiredo: “macumba” aparece apenas como “rito espiritualista que participa do catolicismo, do feiticeirismo e de superstições tupis”. Ou seja, surge-nos como uma espécie de religião compósita, de mescla cristã, africana e índia.

Num dos mais antigos dicionários, o de Morais, actualizado já neste século por vários filólogos, entre eles, Jusé Pedro Machado, diz-se que “macumba” é um “brasileirismo” e que significa “cerimónia fetichista de fundo negro com influência cristã”. No dicionário da Porto Editora, muito utilizado nas escolas portuguesas, a palavra estava mesmo ausente, só surgindo em edições recentes. O dicionário do brasileiro Houaiss é o mais complexo e não deixa também de aludir, efectivamente, à “magia negra”. Depois de considerar o significado geral de “designação leiga dos cultos afro-brasileiros em geral (e dos seus respectivos rituais)”, especifica: “designação leiga desses cultos quando supostamente praticam a magia negra”.

O termo pode ter um significado pejorativo de origem colonial, como muitos outros referentes ao Brasil ou à África ou a outras paragens da Ásia ou da Oceânia, mas é acima de tudo um “brasileirismo” que pouco significado tem em Portugal, onde há nesse sentido alguns termos que são realmente não inclusivos, como “bruxaria”, “judiaria”, “ciganagem” e tantos outros que, felizmente, vão sendo cada vez mais de uso (quase) só dicionarista, como referência a uma linguagem em vias de extinção.

Tudo tem, pois, de ser visto numa perspectiva complexa (nada é fácil na interpretação histórica, e muito mais na história da língua, como perceberá com certeza Christ no seu projecto M”Kumba). E terá por certo razão o fotógrafo da National Geographic na sua acusação de que algumas religiões evangélicas atingem os limites radicais da violência e da intolerância religiosa contra as religiões afro-brasileiras e também contra a religião católica e a ética da democracia, até porque entraram num velho paradigma de confundir religião (exclusivista) com política, afastando-se da moderna e nunca conseguida via de separação do Estado e da sociedade civil em relação às Igrejas e às suas crenças.

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