Mais um textículo de Roldão

Crime de incitamento ao ódio e à violência

O chamado crime de “discurso de ódio” consiste na conduta punível de alguém que, através de meio de divulgação pública, provoque ou incite a prática de actos de violência, difamação, injúria, ou ameaça a pessoas ou grupos de pessoas, nomeadamente em razão da sua etnia, nacionalidade, religião, género, orientação sexual ou deficiência.
1. O crime de incitamento ao ódio e à violência encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal e é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2. A criminalização não afecta condutas que decorram em privado e que envolvam a prática dos factos descritos nas alíneas do n.º 2 do artigo 240.º. A tipificação do ilícito penal exige que a conduta punível se realize no espaço público e envolva qualquer meio destinado a divulgação, o que supõe o uso do discurso verbal, o panfleto, a grafitagem, a afixação de cartazes, a utilização da imprensa e de sítios web, bem como a colocação de mensagens na internet fora do âmbito de grupos fechados.
3. Constitui pressuposto da prática do crime que o uso público dos referidos meios de divulgação pelo agente se destine a fazer “a apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade”.
4. É exigível que o uso dos meios de divulgação destinados a fazer a apologia ou a negação de crimes contra a paz e a humanidade tenham um efeito ou resultado discriminatório concreto, traduzido na provocação de actos de violência, na prática dos crimes de injúria ou difamação, na ameaça e no incitamento à violência ou ódio contra “pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”. [DRE]

De Roldão ataca de novo.

Com a cassette que já toda a gente ouviu e leu até à mais absoluta exaustão, usando sempre os mesmos chavões, o mesmo paleio “mimimi” (como se diz em brasileiro, a língua dela) de obsessiva vitimização, repetindo os lugares-comuns da ordem (nós, os portugueses, fomos lá para a terra dela “roubar” o ouro e “escravizar” os pobrezinhos, coitadinhos), martelando clichés da narrativa woke mais empedernida, sempre a pretexto da colonização portuguesa mas nunca (ou muito mal) disfarçando a sua profunda aversão a tudo o que lhe cheire a “pôrrtuga” e a “pôrrtugáu”. “Pôrrtugáu” esse, que, nem de propósito, é a “terrinha” onde de Roldão aterrou há pelo menos uma década e — certamente com imenso sacrifício pessoal, por ter de viver no meio dos selvagens tugas — onde ainda hoje permanece, ao que parece com grande soma de inconvenientes, a começar por uma permanente irritação — ou será ódio, abreviando a substantivação — para com toda a gente que não partilhe da sua “opinião”; ou seja, toda a gente menos ela própria e, quando muito, os camaradas da sua seita de “indignados” profissionais, esse grupo de extremistas… mas “não muito”.

No primeiro, o “motivo” do venenoso paleio desta setora foi a Porto Editora. Neste segundo round atira-se Roldão de roldão àquilo que julga ser uma outra editora, à conta de um manual escolar cujo título agora não interessa para nada e o conteúdo ainda menos. O que para o caso interessa, isso sim, é — espremendo apenas um módico de neurónios do hemisfério esquerdo — fazer notar o seguinte: esta Raiz Editora não é propriamente “outra”, diferente, independente da Porto Editora. Pelo contrário: faz parte do grupo empresarial de editoras que integram a… Porto Editora.


A setora não fez os TPC, aiaiaiai, setora.

Ou será alguma embirração especificamente quanto àquele grupo editorial? Mas olhe, setora, que a Porto Editora é do mais acordista que há por cá, até se apressaram a “adotar” a sua querida língua brasileira — com efeitos retroactivos e tudo.

Recorde-se, a propósito, que foi a Porto Editora um dos principais interessados (e beneficiários) no contrato milionário assinado entre as editoras e o Governo que garantiu indemnizações colossais em caso de “reversão” da “adoção” da língua brasileira pelo Estado português como língua nacional.

Tudo isto, mesmo dando de barato a situação profissional, económica e de estatuto social da autora dos dois textículos, o que agora se transcreve e o anterior, deixará porventura ainda mais confuso — ou perplexo — quem se der à maçada de ler ou um ou outro ou ambos: mas o que pretende ela, afinal? Porquê e para quê este infindável chorrilho de insultos, esta tentativa sistemática de emporcalhar a História de Portugal, todo este indisfarçável ódio aos colonizadores (os “brancos”) que exploraram (“roubaram”) o Brasil e que “escravizaram” o “povo brasileiro”?

O que entende o Estado português, ao menos enquanto conceito, por “ódio”? A perversão absoluta do ónus da prova (basta a alegação?, basta “mandar umas bocas”?), o enviesamento da verdade histórica — ou da verdade tout court –, o enxovalho público (e reiterado) dos portugueses enquanto povo, nada interessa para coisa alguma? Ou depende de quem profere as atoardas, da sua posição relativa na pirâmide social?

O normal, como sucede por regra entre as pessoas normais, isto é, educadas e com alguma cultura, incluindo a democrática, seria ao menos alguém reagir, dizer algo. Já sabemos que nem todos os portugueses têm, infelizmente, um mínimo de hombridade; mas existem ainda assim alguns pouco amigos de “levar insultos para casa”.

Ou então… sim, pensando melhor, talvez seja isso. O que esta fulaninha diz interessa tanto como ela mesma, ou seja, nada. Que vá regurgitar o seu ódio alhures.

ódio

ódio | n. m.

ó·di·o

(latim odium, -ii, ódio, aversão, ressentimento, vontade, animosidade, irritação, desagrado, insolência)

nome masculino

1. Sentimento de intensa animosidade relativamente a algo ou alguém, geralmente motivado por antipatia, ofensa, ressentimento ou raiva. = AVERSÃO, REPULSAAMIZADE, AMOR

2. Objecto desse sentimento.

“ódio”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/%C3%B3dio [consultado em 01-04-2023].


Era uma vez…” o manual colonial da Raiz Editora

Cristina Roldão
“Público”, 29.03.22

No quadro do Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravatura e do Tráfico Transatlântico de Escravos, no passado 25 de Março, António Guterres tomou posições que muitos classificariam de woke. Reconheceu que “o legado do comércio transatlântico de escravos nos persegue até hoje”, colocando entraves ao desenvolvimento do continente africano “por séculos” e estando na base de “disparidades de riqueza, rendimentos, saúde, educação e oportunidades” que afectam a vida dos afro-descendentes bem como do “ódio da supremacia branca que ressurge hoje”. Guterres defendeu que deveriam ser introduzidos nos currículos escolares conteúdos sobre o que foi a escravatura e as “cicatrizes” que deixou, assim como “as histórias de resistência e resiliência” à mesma, como, por exemplo, a da “rainha Ana Nzinga do Ndongo”.

Esta tomada de posição, embora não reconheça explicitamente o racismo estrutural, admite que o racismo tem origem no colonialismo e na escravatura transatlântica, portanto, vai para lá da lengalenga estafada de que o racismo é fruto da ignorância e do medo face ao “diferente” ou que se limita a casos pontuais ou a grupos extremistas. Mesmo que tenha sido apenas um discurso, aquelas declarações contradizem as da ministra Ana Catarina Mendes, que, ainda há pouco tempo, dizia que o “racismo não é um problema estrutural” em Portugal.

O secretário-geral da ONU não afirma, contudo, que parte da desconstrução e reparação do legado da escravatura transatlântica passa, exactamente, pela recusa nos currículos escolares de uma narrativa glorificante da história colonial portuguesa. Recorro aqui ao exemplo do manual de História e Geografia de Portugal, em vigor neste ano lectivo, Era Uma Vez… (5.º no) da Raiz Editora. O manual tem o requinte de, na abertura de cada capítulo, usar o entróito[sic] “Era uma vez…”, seguido de afirmações ‘curtas que, mais do que uma síntese da matéria, são muitas vezes um condensado de glorificação nacional, romantização da violência e despolitização da história colonial.

Nesses motes, a expansão colonial é apresentada muitas vezes enquanto uma grande aventura, uma espécie de expedição científica: “Era uma vez… um povo que pretendia conhecer o mundo. Os Europeus tinham um conhecimento muito limitado da forma do mundo, dos continentes e dos oceanos” (p. 144); “Era uma vez… O povo português que adquiriu, além de um modo de vida diferente, um conhecimento mais profundo do mundo e contribuiu para o desenvolvimento dos saberes” (p. 174). Diz-se “era uma vez… o Brasil no século XVI, terra que encantou os Portugueses pela beleza das ” suas florestas, dos frutos e dos homens e mulheres que aí viviam” (p. 168). Uma pessoa incauta pode até pensar que a expansão colonial foi uma imensa expedição botânica e que o tal “encantamento” não foi, afinal de contas, estupro, escravatura, morte e arrebanhamento de recursos.

Considerando a dimensão económica, diz-se, por exemplo, que Portugal pretendia “melhorar as condições de vida dos seus habitantes” (p. 146). Ora, dito assim, “colectivizam-se” as mais-valias da colonização, ocultando-se que esta serviu, sobretudo, o enriquecimento e a fortuna de uma minoria privilegiada. Para a maioria dos portugueses, os benefícios da expansão colonial chegariam de forma indirecta (pela | posição geopolítica e pelo crescimento dos cofres do Estado, por exemplo). Não deixa de ser interessante que nos nossos manuais se atribua implicitamente a toda uma linhagem de camponeses, jornaleiros e de gente branca empobrecida — a maioria dos portugueses — a “epopeia” daqueles que os exploraram e oprimiram.

As pessoas negras escravizadas surgem entre as “trocas comerciais” colocadas ao nível de “produtos de origem africana”, como o marfim, malagueta, óleo de palma, algodão, ouro, desumanizando-as, mais uma vez. Esta é uma imagem presente na maioria dos manuais escolares. Neste manual da Raiz Editora não se deixa de dizer no texto que “o comércio de pessoas durou centenas de anos e foi marcado por abusos e falta de respeito pelo outro” (p. 173). Mas poderá esse reconhecimento da violência ser compatível ou real com toda a glorificação que se faz desse processo ao longo do manual? É também paradigmático que, ao mesmo tempo que se louva o pioneirismo português nas navegações, não se assinale o seu lugar cimeiro no tráfico transatlântico face a outras potências europeias entre os séculos XV e XIX; e, que, num enviesamento lusotropicalista, se prefira salientar como resultado desse processo a miscigenação ou “aculturação” (o mobiliário indo-português, a capoeira, pratos gastronómicos, etc.) e não as desigualdades estruturais e o racismo que marcam as nossas vidas ainda hoje.

Cristina Roldão

Professora ESE-IPS o investiga CIES-IU

[Transcrição integral (da edição em papel) de artigo etiquetado como sendo de “opinião” publicado no jornal “Público” de 29.03.22. Destaques e “links” meus. Correcção automática da cacografia brasileira.]


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