Um país, um sistema

Como é possível que ninguém se aperceba da relação de causa e efeito ou sequer suspeite das manobras políticas e das movimentações económicas em curso, à conta e sob a cobertura da “língua universáu”? Nem um comentador profissional, e há tanto disso nos canais televisivos “de informação”, na imprensa escrita, nas plataformas virtuais, nas redes anti-sociais, a nenhum deles ocorre a mais ínfima suspeita sobre os verdadeiros negócios da China que se vão traficando? Nem um só jornalista, de entre as centenas de “especialistas” em Tudo&MaisAlgumaCoisa que autopsiam até ao osso e à náusea a mais insignificante “notícia” ou “tragédia” ou “problemática”, a nenhum deles assiste a cena de perder o medo e ao menos fazer umas perguntinhas inocentes?

Muito raramente, decerto por ingenuidade (será?), a alguém surgido da mais completa obscuridade lembra pespegar algures dados e resultados que ilustram perfeitamente — e denunciam espectacularmente — o que é de facto o AO90, para que serve a CPLP e, em suma, quanto vale a tal “língua universáu”.

Um desses lapsus calami foi publicado no passado dia 3, com a cacografia brasileira, no insuspeito diário “Público”.

E indica resultados globais e tudo! Ena, mas que luxo. Ora então vejamos, assim por alto.

  • As trocas comerciais entre “os PLP” e a China atingiram o montante final de US$167,565 (cento e sessenta e sete mil milhões de dólares americanos).
  • As trocas comerciais entre o Brasil e a China montaram no mesmo período a US$138,005 (cento e trinta e oito mil milhões de dólares americanos).
  • Portanto, as trocas comerciais do Brasil representaram 82,4% do total das trocas comerciais entre “os PLP” e a China.
  • Esses 82,4% representam, grosso modo, a (des)proporção entre o Brasil e os restantes países da CPLB, tanto a nível de população (210 milhões para 45 milhões) como de extensão territorial.

http://pgl.gal/xxii-coloquio-da-lusofonia-decorrera-em-setembro-em-seia/Aparentemente, por conseguinte, não terá sido à conta da instauração pacífica do II Império que o Brasil ganhou balúrdios com os chineses à custa dos seus amigalhaços tugas. “Aparentemente”. Como era antes? Quando, porquê e em que circunstâncias terá o “gigante” saltado a Grande Muralha?

Convém espiolhar os outros resultados do artigo e ainda mais consultar relatórios, procurar notícias, cruzar dados, relacionar datas com marcas de timing político.

«Os PLP» é uma espécie de sigla de uso pessoal do autor do artigo agora reproduzido. Refere-se ele, evidentemente, à CPLP, o que significa, na prática, o Brasil, ou seja, a CPLB. Assim como a ingenuidade dos crentes na “lusofonia“, ainda que vagamente divertida, permite enquadrar a questão sem tergiversações, também a credulidade (ou será já a arrogância?) de alguns entusiastas na “causa” brasileirófila facilita enormemente a compreensão daquilo que está em causa e em que consiste, ao certo, o processo de extermínio linguístico iniciado em 1986.

E daí concluir o óbvio. Não é astronomia, física quântica ou engenharia aero-espacial.

A China e os países de língua portuguesa

 

 

 

A China tem-se revelado um parceiro comercial da maior importância para os oito Países de Língua Portuguesa (PLP). Todos têm uma característica comum com a China, o facto de terem o oceano a uni-los e, nos últimos anos, todos têm vindo a celebrar acordos económicos significativos com este país. Os PLP decidiram explorar esses acordos a seu favor, através das respectivas participações na iniciativa chinesa – Uma Faixa e uma Rota (a Nova Rota Marítima da Seda).

Os PLP usufruem de vantagens concorrenciais, beneficiando de um melhor acesso a financiamento, crédito e facilidades económicas da China, pelo facto de terem estreitas relações com a cidade chinesa de Macau (de origem portuguesa). Desde o regresso de Macau à administração chinesa (criação da Região Administrativa Especial de Macau – RAEM em Dezembro de 1999) que o governo central da China tem vindo a promover o desenvolvimento de Macau, nomeadamente, com a criação, em 2003, do Fórum para a Cooperação Económica e o Comércio entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mais conhecido por Fórum Macau.

A importância do Fórum Macau foi expressamente destacada pelo presidente chinês XiJinping e pelo primeiro-ministro, Li Keqiang, nas duas reuniões que se realizaram com o Governo da RAEM, em Pequim, no passado dia 21 de Dezembro. Para além da integração de Macau no projecto da Grande Baía de Cantão (iniciativa que agrega 11 cidades, onde se incluem Macau e Hong Kong), o Governo central reforçou o apoio a Macau com o projecto da “Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau”, em Hengqin (Ilha da Montanha), iniciativa que pretende promover a diversificação e sustentabilidade das actividades económicas de Macau, nomeadamente para “contribuir para o novo avanço da integração de Macau no desenvolvimento” da China. Tendo XiJinping referido que “A pátria é sempre o forte apoio para a manutenção da estabilidade e da prosperidade de Macau a longo prazo. Deste modo, o Governo central vai continuar a cumprir firme e escrupulosamente o princípio de ‘um país, dois sistemas’ e apoiar plenamente a diversificação adequada da economia” de Macau.

As trocas comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa foram de US$167,565 mil milhões, entre Janeiro e Outubro de 2021, um aumento homólogo de 40,92%. As importações Chinesas dos Países de Língua Portuguesa foram de US$115,431 mil milhões, um aumento homólogo de 35,12%, sendo as exportações da China para os Países de Língua Portuguesa de US$52,134 mil milhões, correspondendo a 55,69% de aumento homólogo. Podemos constatar que a balança comercial é, globalmente, muito favorável aos PLP, com um superavit de 63,297 mil milhões.

Os valores das trocas comerciais da China com os PLP colocam o Brasil em primeiro lugar, seguido de Angola, Portugal, Moçambique e com valores bem inferiores os restantes países: Timor-Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Desde 2009 que o Brasil tem feito da China o seu principal parceiro comercial, quer ao nível das exportações, quer das importações, substituindo cerca de um século de primazia dos EUA. A imensidão continental do Brasil justifica que ocupe, isolado, o primeiro lugar nas trocas comerciais dos PLP com a China. Só as trocas do Brasil, entre Janeiro e Outubro de 2021, totalizam US$138,005 mil milhões, sendo a balança comercial favorável ao Brasil em US$51,774 mil milhões. Algumas previsões internacionais, nomeadamente do FMI, assinalam as potencialidades económicas do Brasil que, ao recuperar da grave crise pandémica, poderá ascender da actual situação de 12.ª maior economia do mundo, em termos de PIB, em 2020, para a 7.ª e mesmo, a médio prazo, para a 4.ª economia do mundo. Não é assim de estranhar que o Brasil tenha sido escolhido para integrar a plataforma de relacionamento internacional com a China – os BRICS, que partilha com a Índia, a Rússia e a África do Sul.

O relacionamento da China com os Países Africanos de Língua Portuguesa acompanha o sucesso da China em África, o qual pode ser explicado com base em 3 principais razões: a China não é um novo parceiro, desde muito cedo que apoiou a independência dos países africanos do colonialismo europeu; a China não impõe a sua visão ou modelo político, como condição para apoiar o desenvolvimento dos países africanos, ao contrário dos governos dos EUA e da Europa; por fim, e não menos importante, os investimentos da China respondem às necessidades estruturais dos países que pedem esse apoio, investindo, nomeadamente, em infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento autónomo desses países. O comércio entre a China e África atingiu US$167,8 mil milhões nos primeiros 11 meses de 2020, sendo Angola o terceiro maior parceiro comercial da China no continente africano.

Desde 2012 que a União Europeia deixou de ser o principal parceiro de África. A China é um dos mais importantes parceiros comerciais deste continente tendo, em 2009, ultrapassado os EUA e é o principal parceiro comercial da África do Sul (absorve 2/3 do capital chinês investido em África).

Apesar da ilegítima pressão do governo dos EUA contra, Portugal e os Países de Língua Portuguesa integraram a Iniciativa Chinesa da nova Rota da Seda – Uma Faixa e uma Rota. O maior projecto mundial de comunicação intercontinental, de adesão voluntária e baseado no interesse comum dos países participantes.

Durante a visita de XiJinping a Portugal, em Dezembro de 2018, foram assinados 17 protocolos, entre os quais podemos destacar: a abertura de portos portugueses ao transporte marítimo chinês para a Europa e para a África; a abertura às novas tecnologias e ao apoio a centros de investigação científica dedicados ao Espaço e aos Oceanos. A 10 de Dezembro de 2021 os ministros da ciência de ambos os países (por videoconferência) reforçaram o seu apoio ao Laboratório Conjunto Sino-Português de Tecnologia Espacial e Marítima (STARLab). O STARLab é um projecto conjunto da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal e da Academia para a Inovação em Microssatélites da Academia Chinesa de Ciências (IAMCAS) com o objectivo de criar tecnologia que permita monitorizar e proteger os oceanos, mas também promover o desenvolvimento sustentável da economia marítima.

Dando continuidade aos compromissos assumidos, Portugal foi o primeiro país da União Europeia a emitir obrigações do tesouro em Renminbi (Panda Bonds, em Maio de 2019, cuja emissão foi um sucesso).

É nossa firme convicção, ser do interesse estratégico da Europa, de Portugal e de todos os países de língua portuguesa, reforçarem as respectivas Parcerias Estratégicas com a China (sem esquecer a Rússia e a Índia e, naturalmente, sem hostilizar a América). É neste contexto que a Nova Rota da Seda se transformou num importante e consistente projecto para promover um mundo pacífico, através de uma rede de comércio ligando o Oriente ao Ocidente.

Portugal e a Europa devem rejeitar hostilizar a China, recusando o espírito de guerra fria ou de cruzada de nós (os “bons”, os “democratas” do Ocidente) contra os outros (os “maus” do Oriente, o “papão do comunismo” e da China).

É possível, é necessário, contar com a China para reforçar o espírito de confiança mútua entre os países, para o sucesso urgente no triplo combate, deste mundo globalizado, à pandemia da COVID19, às alterações climáticas e à diminuição da iníqua partilha de riqueza.

Rui Lourido

Historiador

[1] Segundo as estatísticas dos Serviços da Alfândega da China, de Janeiro a Outubro de 2021, https://www.forumchinaplp.org.mo/pt/trocas-comerciais-entre-a-china-e-os-paises-de-lingua-portuguesa-de-janeiro-a-outubro-de-2021-foram-de-us167565-mil-milhoes/

[2] https://www.publico.pt/2021/12/10/ciencia/noticia/laboratorio-sinoportugues-juntase-iniciativa-chinesa-faixa-rota-1988072

[Transcrição integral. Cacografia brasileira corrigida. “Links” a verde, sublinhados e destaques meus. Imagem de topo de: “Comunidades Lusófonas“. Imagem de Nova Rota da Seda (mapa) de: “Câmara de Comércio Brasil-Portugal” (Brasil). Imagem de Remminbi de: Britannica.]


[Nota: o vídeo foi programado para começar ao minuto 28; durante os cerca de 90 segundos seguintes, o documentário retrata a situação da China em relação ao Governo português (e vice-versa). Daí é simples extrapolar a situação de “facilitação” de que se fala no “post”.]


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