As gordas

Neste admirável mundo novo em que vamos chafurdando alegremente é cada vez mais evidente que de facto não há almoços grátis. Ou seja, ao contrário do que parece significar a tradução do célebre título de Aldous Huxley, tantas vezes citado por — como de costume — gente que dele não leu uma única linha, rigorosamente nada de admirável existe nesse mundo premonitório a cuja materialização implacável vamos assistindo.

No qual mundo, aliás, além da lapidar máxima sobre gratuitidade, temos também de ir contando com os diversos corpos de polícia política (virtual, até mais ver, se bem que já brutal na acção) e respectivas organizações de bufos, denunciantes e colaboracionistas da “situação” que em conluio buscam o Nirvana da Verdade Oficial ou, em tradução para linguagem Orwelliana, o Grande Irmão — omnisciente, omnipresente e infalível — determina em nome dos cidadãos tudo aquilo que mais e melhor convém a estes, encarregando-se aquele da repressão “adequada” dos “desvios” e pecadilhos dos “renitentes”… alvos a abater.

«A República Portuguesa participa no processo mundial de transformação da Internet num instrumento de conquista de liberdade, igualdade e justiça social e num espaço de promoção, protecção e livre exercício dos direitos humanos, com vista a uma inclusão social em ambiente digital.» [Lei 27/2021]

Fazendo passar por intenções altruístas um chorrilho de lugares-comuns sem qualquer significado, apenas para “abrilhantar” com pétalas de palavreado os sinistros ditames do “Partido”, os “eleitos” da dita “situação” impõem com a força-bruta da sua condição de ungidos o que pode e não pode ser dito, o que deve ou não escrever-se, que reflexões ou ideias são banidas, o que é ou não é correcto, que significados podem ou não podem ser atribuídos aos significantes. E assim os insignificantes, ou seja, aquela entidade abstracta constituída por perfeitos idiotas incapazes de pensar ou de decidir por si mesmos seja o que for, passam a gozar de uma espécie de abençoada paz de espírito — o conforto digestivo do pão barato e o sossego divertido do circo histérico.

Nada de mais “normal”, por conseguinte, neste alucinante, alucinado e “moderníssimo” statu quo, a legalização do roubo puro e simples, do saque indiscriminado

Por exemplo, depois de nos Passos Perdidos — essa máquina de fabricar pechinchas — ter ficado selado um pacto de cegueira para que os Bancos possam cobrar aos depositantes sobre os seus próprios depósitos, o que é ilegal mas faz de conta que não, ou que os operadores de telecomunicações continuem a vigarizar os seus papalvos, digo, clientes, com todo o tipo de “taxas e taxinhas”, nos últimos tempos vamos assistindo também a uma nova “revolução” nos OCS (órgãos de comunicação social): à medida em que os títulos em suporte físico (papel) vão desaparecendo, os “media” em meios virtuais cobram assinaturas até por artigos de opinião (que os “gestores” 5G não pagam, é claro) informações e alertas de entidades sobre serviços públicos (que eles também não pagam, evidentemente), cópias em parcerias, etc., “assinaturas” essas que são cobradas aos clientes, digo, papalvos, porque além das receitas de publicidade online — intrusiva e amiúde abusiva — há que realizar receita, aumentar receita, sacar receita porque os aparelhos geram  novos ambientes de trabalho mas está fora de causa mexer nos ambientes porque isso dá imenso trabalho.

E assim, sob a cobertura de invenções nada virtuais como o copyright sobre conteúdos públicos ou sem encargos e as assinaturas parcelares à rédea-curta, à época ou ao ano, como as barraquinhas de praia,  já nos vamos habituando a “ler as gordas”, isto é, o título das notícias e os respectivos leads, quedando-se por aí mesmo (sob a ameaça do poder judicial, que isto ele os tribunais não brincam e nestas ingentes questões andam a jacto, o que é que julgam, estes assuntos não versam sobre minudências como os assassinatos, ou assim) a finalidade informativa dos órgãos de… informação. Em nome de “uma inclusão social”, a comunicação social exclui (evidentemente) os tesos em geral e os mais “renitentes” em particular, o que vem conferir todo um novo significado ao conceito de “social” que sistemática, nominativa e genericamente os diversos órgãos esvaziam de sentido.

Aqui estão, à laia de primeira dose, salvo seja, umas quantas “gordas” relativamente frescas: a primeira delas para arquivar na secção “Outros Detritos” e três sobre o A90, o contentor de “lixos indiferenciados” propriamente dito.

 

Povo pronto para todo o serviço

Clara Ferreira Alves – Escritora e Jornalista
“Expresso”, 21.05.21

Portugal regressou ao seu destino primordial, ser o oásis da Europa quando os outros estão fechados. Ser o país amável e vassalo que recebe os estrangeiros de avental e com um sorriso

 

Portugueses com vinte e poucos anos que não saibam explicar a razão do desembarque num aeroporto do Reino Unido e o que tencionam fazer no país, e não saibam responder que tencionam dar uma espreitada nas jóias da Coroa e ouvir as badaladas do Big Ben, têm à espera a deportação imediata ou a espera da deportação num centro de alojamento de migrantes ilegais. Será, na melhor hipótese, um daqueles edifícios de tijolo vitoriano, com arame farpado e vidros baços e sujos. Como outros jovens europeus na mesma situação, gregos, espanhóis, italianos, os latinos e sulistas do costume, para não mencionar os de Leste que são logo detectados e manuseados, não terão acesso a um advogado, direitos ou quaisquer serviços jurídicos até o país decidir o voo da devolução, e muito menos poderão pernoitar na casa de um familiar se o tiverem. Falar num familiar é má ideia, aí o interrogatório aperta e o jovem metendo os pés pelas mãos admitirá que teria ou gostaria de ter uma hipotética entrevista de trabalho ou um quimérico trabalho como ama ou criado de mesa. Uma cidadã espanhola com o namorado no Reino Unido passou três dias detida e foi devolvida a Espanha, tão traumatizada com a experiência que não tenciona voltar a Londres nunca mais. Aconteça o que acontecer, convém não mencionar a palavra trabalho, que implica um visto inacessível, e convém não ser jovem. Jovem cheira a migrante ilegal depois do ‘Brexit’.

[Ortografia emendada.]

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Associação Nacional dos Professores de Português considera acordo ortográfico um erro

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler. Artigo Exclusivo para assinantes

actualizado 5 Maio 2021, 08:02

Os docentes dão a matéria seguindo as regras deste acordo, mas consideram que a mudança trouxe prejuízos para o ensino. Por isso, a Associação defende que seja dado um passo atrás, para que fosse possível, depois, dar dois passos em frente.

[Gravação obtida do original da Antena 1.]

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Papas na língua

Pedro Marta Santos
www.sabado.pt, 16.05.21

Enquanto não surgir – admite-se que de forma messiânica, mas há sempre esperança – um governo que atribua à língua o mesmo valor estratégico das exportações da agro-indústria, do investimento em I&D e do turismo, a língua portuguesa jamais terá valor universal.

A 5 de Maio celebrou-se pela primeira vez o Dia Mundial da Língua Portuguesa, após a consagração da data pela Unesco em Novembro de 2019. Se a nossa pátria é a língua portuguesa, ela está deserta e precisa que a salvem da insolação provocada pelos idiomas-sol: inglês, espanhol e mandarim. Os académicos, os políticos e os insones regozijam-se com as estimativas: o português é falado por mais de 260 milhões de pessoas em cinco continentes; segundo cálculos da ONU, esse número crescerá para 400 milhões em 2050 e 500 milhões em 2100 – o quarto idioma do planeta. Mas onde está o valor estratégico da língua portuguesa? No sucesso de estima de Saramago ou na listagem de Lobo Antunes na Gallimard? Nas digressões de Mariza? Nas telenovelas da TVI e da SIC vendidas para a Bielorrússia ou para a República do Chade? Em 47 anos de democracia, nunca um primeiro-ministro assumiu, em decisões e actos, a importância económica, social e cultural da língua como matriz estruturante do desenvolvimento interno e da expansão global do País. A CPLP é um nado-morto de honorabilidade manchada (Guiné-Conacri) e valor geoestratégico nulo. O Acordo Ortográfico foi um delírio bizantino que ainda assassina a vitalidade real da língua, na ânsia de agradar ao tropicalismo. A RTP Internacional só agora parece dar os primeiros passos contemporâneos, após duas décadas e meia de fadunchos, broa e vinho tinto. O Instituto Camões, tal a matriz bafienta da estrutura e a pequenez portuguesinha dos propósitos, precisava de uma década ininterrupta de Conferências do Casino – o êxtase das comemorações da semana passada veio com os discursos de um bouquet de secretários de Estado e um moderníssimo “poema coreográfico para Sophia” (sic). Enquanto não surgir – admite-se que de forma messiânica, mas há sempre esperança – um Governo que atribua à língua o mesmo valor estratégico das exportações da agro-indústria, do investimento em I&D e do turismo, a língua portuguesa jamais terá valor universal. Como meio século já foi desperdiçado, é indispensável um enorme investimento criativo e financeiro que ocuparia duas gerações. De reconversão vertical do tecido audiovisual português, das leis às empresas. De um livro branco das políticas comuns do sector com o Brasil. De formação, educação e dotação de infra-estruturas nos PALOP. De sistemas transversais de criação e produção digital/multimédia que harmonizem, diversificando, a literatura, a música, o cinema, o streaming, a pintura, as artes plásticas, a BD, os videojogos e todas as indústrias culturais, do património à revolução líquida das ideias, onde tudo flui, o local mas universal, o singular mas reconhecível, o ibérico mas planetário. Portugal terá um mercado de 400 milhões de falantes em 2050 mas, em 2021, não faz a menor ideia de como chegar a ele.[Inseri “links”. Sublinhado meu. Este artigo, mesmo avaliando só pelas “gordas” está apinhado de bacoradas. Faz campanha anti-AO90 ‘a contrario’, portanto, também vale como técnica.]

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Quarenta anos depois, Teolinda Gersão começa cada livro como se fosse o primeiro

Rádio e Televisão de Portugal
rtp.pt, 27.05.21

A escritora Teolinda Gersão afirmou hoje, no Encontro Literário Internacional que decorre em Coimbra, que mesmo passados 40 anos de carreira ainda começa cada livro como se fosse o primeiro.

“Eu nunca sei o que escrever a seguir. É como se cada livro fosse o primeiro, e escrever uma série deles não me facilita nada”, disse Teolinda Gersão, na Quinta das Lágrimas, durante uma conversa com a professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Cristina Robalo Cordeiro, iniciativa integrada no Encontro Literário “Cidades Invisíveis”, que na sua primeira edição homenageia a autora de “A Casa da Cabeça de Cavalo”.

A escritora admitiu que não gosta de “ter um certo formato que para o leitor já corresponde a um horizonte de expectativa”, e que o facto de não saber como será o livro é, para si, “um prazer”.

“Eu não sei, quando começo um livro, para onde ele me vai parar. Vou descobrindo à medida que vou escrevendo. Escrevo sem rede e escrevo como se cada livro fosse o primeiro”, reafirmou.

Antes de lhe dar forma, a ideia anda na sua cabeça durante algum tempo.

“Não me preocupo nada se o livro vai ser bom ou não. Se não for bom, não o publico”, notou.

Para a escritora, que nasceu em Coimbra, mas que tomou Lisboa como a sua cidade, “tudo o que se aprende em teoria não serve de nada para a escrita”.

“Nem acredito nada nessas aulas de escrita criativa. Na América, isso funciona muito, mas o que está a acontecer é que os autores americanos seguem o mesmo padrão. Eu leio os livros, leio com interesse até porque deixam a coisa em suspenso para continuar depois, mas depois não me lembro de nada. Isto contava que história? Não me lembro. São todos muito parecidos e um bocado incaracterísticos. Ainda sou fiel à geração dos antigos, do Hemingway, do Scott Fitzgerald, do Faulkner, que tinham uma personalidade tão forte que os livros deles só poderiam ser escritos por eles”, contou.

Quando questionada por Cristina Robalo Cordeiro sobre se era a favor do novo acordo ortográfico, a escritora frisou que é “completamente contra”.

“Nós temos toda uma cultura latina atrás de nós. Os alemães foram colonizados pelos romanos e mantêm as ruínas romanas com orgulho. Os ingleses dizem `action`, `actor` e não há nenhuma razão lógica para tirarmos as consoantes mudas. Quando entramos num hotel lemos `receção`, mas pode ser `recessão económica`”, apontou.

Para a escritora, o novo acordo “é demasiado estúpido” para ser aceite e empobrece a Língua.

“Foi imposto nas nossas costas e os governos não são hábeis em coisas de cultura. Foi uma ideia infeliz. O Brasil está-se nas tintas para o acordo ortográfico, Angola nunca aceitou e escreve um português correctíssimo, Cabo Verde também não. Foi uma coisa incompreensível de meia dúzia de linguistas que resolveram fazer isso pensando que isso ia lançar a nossa Língua como uma língua muitíssimo mais lida. Não aconteceu e só criou caos“, referiu.

[…]

[Ortografia da Brasilusa corrigida. “Links” e destaques meus.]

[Imagem na introdução do “post”: Goebbels (frase original) e Banksy (mural “emendado”).]


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