O Estudo em Casa “aftado”


«Os alunos do ensino básico terão disponíveis, a partir das 9 da manhã do dia 20 de Abril, um conjunto de blocos pedagógicos transmitidos pela RTP Memória e pela RTP Play. Estes blocos servirão para complementar o trabalho dos seus professores, e respeitam as aprendizagens essenciais determinadas pelo Ministério da Educação.»

«As aulas podem ser acedidas pela televisão (através do cabo e da TDT) e online (via RTP Play), e destinam-se a minorar os prejuízos causados pelo confinamento dos alunos devido à pandemia de COVID-19. O Ministério da Educação anunciou que os blocos pedagógicos serão transmitidos de segunda a sexta-feira, entre as 9h00 às 17h50, sob a designação #EstudoEmCasa.»

infecção | s. f.
in·fec·ção |èç| ou |ècç|
(latim infectio, -onis, acção de tingir)
substantivo feminino
1. Acto ou efeito de infeccionar.
2. Corrupção; contágio.
infecção oportunista
Prática que consiste em manter ou aumentar a distância física entre pessoas ou em evitar o contacto directo com pessoas ou objectos em lugares públicos, sobretudo durante o surto de doenças infecciosas, para diminuir o risco de contágio e a propagação da infecção.
Dupla grafia pelo Acordo Ortográfico de 1990: infeção ou infecção.
Palavras relacionadas reinfecção, auto-infecção, heteroinfecção, multinfecção, oportunista, superinfecção, infeccionar.
“infecção”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/infec%C3%A7%C3%A3o [consultado em 16-04-2020].

Enquanto combatemos o novo coronavírus, o velho “ortogravírus” não pára

Nuno Pacheco, publico.pt, 16.04.20

 

Sabem o que é o “impato” da pandemia? Ou a propriedade “inteletual”? Ou os “artefatos” que a PJ encontrou? Ou a “seção” do talho? Ou o “fato de não irem” sabe-se lá onde? Ou alguém ter ficado “estupefato” com alguma coisa? Se não sabem, deviam saber. São alguns dos recentes efeitos de um vírus que se instalou na escrita portuguesa (mas também na fala: esta semana, na televisão, alguém falou em “adetos” de um clube) e não há maneira de ser erradicado. Está um pouco por todo o lado, desde o oficialíssimo Diário da República aos jornais e à televisão.

E continua assim por sucessivas razões. Quando se fala nos malefícios do acordo ortográfico, há sempre qualquer urgência que adia a discussão: eleições, remodelações, temas candentes no parlamento (aborto, eutanásia, orçamento), crises, um imenso rol. Mas como a língua, falada ou escrita, é coisa de todos os dias e transversal a todas as actividades, da mais pequena etiqueta de vestuário ou bula farmacêutica até aos decretos governamentais, o caos ortográfico é desde há muito um dado adquirido nessa imensa torrente de palavras. Bem pior em Portugal do que no universo mais vasto da língua portuguesa, onde tal vírus só fracamente se propagou.

Um exemplo, actualíssimo. Quando o ministro Tiago Brandão Rodrigues anunciou, nesta quarta-feira, as maravilhas da nova telescola pela “caixinha mágica” (palavras dele) da RTP, no rodapé era anunciado um aumento do “número de infetados” (sic) com o novo coronavírus. Por cá, tudo o que se relaciona com infecções foi amputado de uma letra pelo velho vírus ortográfico (ou “ortogravírus”, como queiram) e passou a infetado, infetada, infecioso, infeção, infeções, infetou, infetar, desinfeção. Pois bem, já que o acordo ortográfico de 1990 é para o universo da língua portuguesa, supunha-se que tal grafia seria comum a todos os países. Mas não. No Brasil, como já aqui se referiu, a norma desta família de palavras não se alterou (está, aliás, igual à que Portugal praticava antes do acordo): infectado, infectada, infectados, infecção, infecções, infecciosas, infectologista, desinfecção. E numa ronda mais recente pela imprensa brasileira (no dia 12 de Abril) confirma-se tal conclusão. Folha de S. Paulo: “Ele [Jair Bolsonaro] negou ter sido infectado, mas não mostrou o resultado dos exames até agora”; Correio Braziliense: “Após 16 dias de infecção, um novo exame e o resultado negativo”; Estadão: “A missão dos governos será retomar a atividade econômica sem desencadear uma segunda onda de infecções.” Jornal do Brasil: “No Ceará, são 1.582 infectados e 67 óbitos.” Veja: “Acompanhe as últimas notícias sobre a infecção no Brasil e no mundo.” Chega?

Não, não chega. Vejamos Cabo Verde. A Semana (12/4): “infectados” e “infecção”; Expresso das Ilhas (11/4): “infectada”, “infectou”. Agora São Tomé e Príncipe. Jornal Transparência (26/3): “infecção” e “infectou”; Téla Nón (8/4): “infecção” e “infectados”; Jornal Tropical (25/3): “infecção”. Convém sublinhar que nestes jornais (dos únicos países que até agora aderiram ao AO90) continua a aplicar-se a grafia de 1945, excepto nos artigos importados de Portugal, via agência Lusa. Mas prossigamos a viagem, com Angola. O Novo Jornal (9/4) fala em “casos de infecção” e o Jornal de Angola (11/4) em “casos infectados”. Em Moçambique, idem: “Infectadas” n’O País (5/4) e “infectados” na Verdade (11/4). Tal como em Timor-Leste: “A cidadã infectada esteve em Portugal para uma acção de formação” (Tornado, 23/3). Só na Guiné-Bissau se verifica uma miscelânea. O comunicado do Ministério da Administração Territorial e Poder Local (11/4) fala em “pessoas infectadas”, mas grafa “atividade” sem C. Nos jornais O Democrata ou Rispito também podem encontrar-se “infeção” e “infetados”.

Portanto, “infetados” só mesmo em Portugal e algures em Bissau. No resto do mundo, só há “infectados”. Mas pode dizer-se que Portugal seguiu exemplos de simplificação ortográfica existentes noutros países? Veja-se como se escreve infecção noutras línguas que usam o nosso alfabeto. Mantendo o dígrafo CT da língua matriz, o latim (infectione), temos infection (inglês, francês) e infectie (holandês e romeno, este com uma cedilha no t); com o dígrafo CC, temos infección (espanhol, galego) e infecció (catalão); com o dígrafo KT, há infektion (alemão, dinamarquês, sueco), infektioun (luxemburguês), infektio (finlandês), infekto (esperanto) e infektsiya (uzbeque); com o dígrafo KC, registam-se infekcija (bósnio, croata, lituano, letão), infekcja (polaco), infekcie (eslovaco) e infekce (checo); com KS, há infeksi (indonésio), infèksi (javanês), inféksi (sudanês), infeksie (afrikaans), ynfeksje (frísio), infeksiya (azerbaijano), infeksion (albanês), infeksjon (norueguês), enfeksiyon (turco) e enfeksyon (crioulo haitiano); com KZ há infekzio (basco); e com ZZ infezzjoni (maltês, corso). Com uma só letra, o Z, há o infezione italiano. Que se lê com “e” aberto, ao contrário da infeção acordista, onde o “e” se apaga como em infecundo, infeliz ou inferior. O ministro da Educação devia acordar para isto, quando sugere um interesse por “línguas estrangeiras” nestes tempos de difusão telescolar.

[Transcrição integral . Nesta transcrição foi  mantida a cacografia e ou mantida em gravação a algaraviada brasileira do original . Destaques sublinhados e “links” meus. Imagem copiada da Internet. Tudo o que aqui escrevo é de minha exclusiva responsabilidade e tudo o que aqui reproduzo — com a finalidade de constituição de acervo documental respeitante ao “acordo ortográfico”, em especial — é da responsabilidade dos respectivos autores, que são, sempre que possível, citados com indicação das fontes/autoria. Os “links a verde são meus. JPG]

 


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