A “condescendência do brasileiro”

Este artigo é já o segundo, praticamente de rajada, disparado por um jornal brasileiro sobre o mesmo tema: separar, de uma vez por todas, o Português do brasileiro, duas línguas tão parecidas entre si como o Italiano e o Espanhol, por exemplo, mas com estruturas gramaticais radicalmente diferentes, em todos os aspectos, construções frásicas, léxico e ortografia de todo inconciliáveis, para já não salientar questões de ortoépia e de prosódia (se quisermos abrilhantar a coisa com uns palavrões jeitosos, “tipo” ênclise ou próclise), de concordância em género, número e pessoa, tempo e modo, etc.

Até este ponto, pois muito bem, nada a assinalar, começa felizmente a vulgarizar-se a tomada de consciência — ou assumpção da realidade — entre as camadas mais ilustradas (ou minimamente instruídas, não exageremos) daquele “país-continente”, cuja incontinência verbal — ou caos linguístico, em síntese — se estende com toda a naturalidade por uma área equivalente a quase o dobro da da União Europeia, distribuída por  26 Estados e com uma população total a rondar os 209 milhões. Por exemplo, só este “pequeno” Estado do Paraná, onde se publica (não muito surpreendentemente) o jornal “O Paraná”, tem o dobro do tamanho de Portugal e mais um milhão e meio de alminhas do que aqui “a terrinha”, como “carinhosamente” chamam ao país dos “tugas” os zucas.

Porém, se até este ponto nada de relevante havia a declarar, quanto ao paranaense texto ora citado, já no que diz respeito a algumas afirmações nele contidas, nomeadamente quando a autora desata de repente a delirar, parece-me ser meu dever, por prudência, atendendo aos efeitos que tais delírios poderiam, caso fossem servidos de sopetão, acarretar a uma ou outra vítima inocente, ir avisando que tais pontuais porém reiteradas afirmações podem, como se fossem doses cavalares de SG Gigante, provocar efeitos nefastos na sua saúde, dar-lhe cabo dos dentes provocando cáries mentais (e  vice-versa) ou originar outros problemas de saúde aborrecidíssimos e avulso, pronto, fica o sanitário aviso. Recomenda-se, por exemplo, que feche os olhos quando vir a palavra “pharmácia” (já cá faltava a “pharmácia”, chiça, que a “pharmácia” até já chegou ao Brasil) ou quando chegar à parte em que ela, a autora, a Jocimar, conta uma “istorinha” em que relata certa discussão com sua patroa portuguesa.

Ahahahahahah (isto sou eu a rir, señorita Jocimar) essa foi muito engraçada, manda mais.

Brasileiro não é Português, é facto!

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oparana.com.br, 08.02.19
Jocimar Bertelli

 

Outro dia (15/01/2019), lendo os artigos de opinião deste jornal, tive o prazer de ler o ótimo texto do Sr. Amorin sobre O acordo ortográfico em Portugal, que discorreu muito bem sobre a situação do acordo, feito sem o interesse da população e, por isso, com poucas possibilidades de funcionar.

Infelizmente, governantes que não fazem um estudo cultural e não solicitam a opinião da população, utilizando um plebiscito, por exemplo, promovem “reajustes” irreais para a sociedade fadados ao fracasso.

Não seria preciso, mas reitero que os livros editados em Portugal de Pessoa e Camões, por exemplo, citados no artigo anterior, são lidos nas escolas brasileiras com facilidade e raramente um aluno questiona a linguagem encontrada. Parece-me que o olhar dos brasileiros rapidamente se adapta às palavras como: “pharmácia”; “directoria”; ou mesmo ao “rato” do computador que, para nós, é falado usando como referência a língua inglesa: mouse.

Assim, concordo com o que o escritor Amorin relatou, a única observação que gostaria de fazer é em relação ao final do texto, em que ele diz que: “O português não é exatamente o mesmo que o nosso, há diferenças, sim, mas não há necessidade de tradução […] porque a compreensão é completamente possível”. Pois bem, nesse ponto peço-lhes licença para apresentar a minha experiência como escritora informal em Portugal e demonstrar que talvez o português não tenha a mesma condescendência que o brasileiro.

Trabalhei numa empresa portuguesa que possuía cinco filiais em diversos locais do país, assim, percebi que ajudaria na integração dos funcionários a criação de um jornal interno. Após solicitar autorização ao patrão, encaminhei e-mail para todas as lojas explicando a intenção de criar um material de divulgação dos feitos internos e que o sucesso desse empreendimento dependeria de informações e fotos de cada funcionário, ou fatos relevantes que eles quisessem compartilhar com todos os colegas. A ideia foi recebida com aplausos e eu, com entusiasmo, criei o jornalzinho interno.

Como era um desafio, obter o apoio da chefia contava muito para mim, assim que terminei de escrever o primeiro número entreguei-o para a leitura da supervisora administrativa. A portuguesa, uma senhora inteligente, ao terminar a leitura deu o seu veredicto:

– O texto está muito bom, gostei do jornal, agora só é preciso traduzi-lo…

– Traduzir? Urlei! A senhora não entendeu alguma palavra que escrevi?

Ela, enfática, disse:

– Vocês brasileiros não sabem escrever corretamente, o nosso português é o verdadeiro!!!

Fiquei chocada e sem argumentos. Minha primeira reação foi rasgar o jornal inteirinho, mas depois, como não estava em posição de discutir, saí para tomar um café, relaxar e retornei ao trabalho.

A posição dessa senhora, naquele momento, mostrou-me que não importaria se o Brasil se tornasse uma potência mundial, nós somos os colonizados e eles os colonizadores, eles chegaram primeiro, portanto, eles sabem falar corretamente, enquanto nós, brasileiros, integrantes de um país característico pela sua miscigenação, aceitamos e incorporamos as diversas línguas que aqui se “aconchegam” em nosso território, em nosso coração.

Dessa forma, como somos capazes de entender o que os lusitanos escrevem, acredito que o melhor seria cada um continuar falando a sua língua, sem querer impor um novo idioma a uma civilização, que não deseja ser colonizada.

O Brasil, país da diversidade, continua dando bons exemplos de que, aqui, todos são bem-vindos, até os bons amigos portugueses, e não os colonizadores que impõem a sua vontade.

Jocimar Bertelli é professora de Língua Italiana, às vezes escreve no blog https://letturereincontri.blogspot.com

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Jocimar Bertelli, publicado no jornal brasileiro “O Paraná” em 08.02.19. “Links”, destaques e sublinhados meus. Evidentemente, na transcrição foi conservada a ortografia brasileira  do original.]


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