O que se deve fazer, xôtor, quando sentimos uma súbita vontade de vomitar? “Vomitar mesmo e pronto, já está”, xôtor? Mas… xôtor… e se estivermos num sítio cheio de gente, num café, à mesa de jantar, numa paragem de autocarro, por exemplo, ou até em plena rua, a ver as montras ou assim? Não que eu seja do tipo de andar a ver montras, por acaso até detesto andar a ver montras, fico fulo da vida quando a patroa insiste, ela é que tem esse vício, enfim, era só um exemplo, o caso é que a gente está muito bem e de repente vem-nos aquela coisa à garganta, oops, canoijo, se desato a vomitar já aqui é uma bronca dos diabos. E se, ainda por cima, para desajudar à festa, salvo seja, não houver por perto uma casa-de-banho, um simples balde, aqueles saquinhos para o enjoo que dão nos aviões ou outro recipiente qualquer? Isto é uma coisa que me angustia, xôtor, confesso, não sei se está bem a ver. Aborrece-me mortalmente incomodar o próximo com as minhas substâncias pastosas, digamos.
Sim, xôtor, bastantes vezes. E tem vindo a piorar muito, sabe? Como diz? Ah, pois, pois sim, infelizmente. Todos os dias tenho de ler muito texto incrivelmente nojento, sim, o paleio abjecto de uns tipos sinistros que parecem levantados do chão, como dizia o outro, ou que saltam de debaixo dos calhaus, como os lacraus, digo eu. Mas, repito, acho que a frequência e a intensidade dos acessos (será uma síndroma, xôtor, acha?, não poderá ser só um sintoma colateral de outra chatice qualquer?) têm aumentado exponencialmente nos últimos tempos. Quanto mais leio mais se me assoma à boca este asco, esta repulsa incontrolável.
Queira desculpar, xôtor. Eu vou ali e já volto.
Germano Almeida diz-se a favor de uma revisão do novo Acordo Ortográfico com base científica
“InforPress” (Cabo Verde), 21/11/18
Cidade da Praia, 21 Nov (Inforpress) – O escritor cabo-verdiano, Germano Almeida, concorda que as decisões sobre o novo Acordo Ortográfico devem ter base científica, mas mostrou-se a favor de uma revisão se também os países envolvidos o defenderem, porque há coisas nele que não concorda.
Em entrevista à Inforpress, o prémio Camões 2018 corroborou a posição do ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, de que decisões sobre o Acordo Ortográfico devem ter base científica e não resultar de opiniões de políticos “transitoriamente nos cargos”.
O escritor afirmou que a sua escrita em grande medida leva em conta o novo acordo e lembrou que ele foi aprovado pela maioria dos países que definiram que entraria em vigor há já alguns anos. Por isso, não pode ser posto em causa, defendeu.
″O senhor ministro tem toda a razão. Há uma coisa que as pessoas não se lembram é que Cabo Verde aprovou este Acordo Ortográfico. Ele pode não estar a ser seguido em Cabo Verde, mas a verdade é que Cabo Verde o aprovou. Portanto, para nós devia estar oficialmente nas escolas, nas repartições públicas e muito mais”.
Entretanto, Germano Almeida revelou que aprova uma revisão se os países envolvidos se juntarem para chegar à conclusão de que esse acordo merece ser revisto, porque há muitas coisas nesse acordo com as quais não concorda.
Mas, para se ter uma revisão, o romancista também defende que são necessários subsídios das comissões nacionais de línguas, das universidades e de investigadores que devem ser estudadas por especialistas nomeados pelos países envolvidos para depois decidirem sem imposições.
″Agora não é pelo facto de eu não concordar, que posso dizer que uso a antiga forma de escrita. Se digo que vou usar a forma nova não posso usá-la somente naquela parte que me convém. Portanto, o ministro tem razão quando ele diz que para a modificação do acordo será necessário uma coisa científica, mas de todos os países subscritores, ″ reiterou.
Para o escritor cabo-verdiano, natural da Boa Vista, esta questão não é apenas de Portugal, de Cabo Verde ou de Angola. Afirmou que em Portugal há muita gente, sobretudo os escritores, que são contra o novo acordo e escrevem de acordo com a forma antiga, mas considera esta atitude ″uma asneira″.
″Na minha opinião também é uma asneira porque as gerações mais novas estão a aprender a escrever tendo em conta o novo acordo e, daqui a algum tempo já ninguém se lembra mais do acordo antigo″.
No entanto, conforme Germano Almeida, o Acordo Ortográfico é importante para ter cada vez mais uma língua mais próxima. Isto porque todos os países de língua portuguesa, apesar de terem uma cultura diferente, usam a mesma língua para expressar essa cultura.
Por isso, ″os acordos são sempre bons porque não há interesse que haja no futuro uma dispersão de tal maneira que cada um tenha uma língua″, ajuntou.
O escritor não acredita que o novo acordo tenha sido uma imposição, mas acredita que há pessoas que não estavam interessadas na sua feitura e depois de publicado resolveram protestar. No seu entender, não há dúvidas que há um certo conservadorismo, mas lembrou que ″a língua é uma coisa viva″.
″Lembro-me que quando eu fui para a escola estudar a primeira classe a palavra quisesse escrevia-se com “z”, farmácia escrevia-se com “ph”, mas agora ninguém escreve desta forma porque a língua é evolutiva.
De acordo com Germano Almeida, não se deve estranhar uma evolução da língua, mas o que se pode defender é uma evolução convincente, o que não acontece neste novo acordo. ″Este acordo tem muitas coisas que não são convincentes″.
[Transcrição integral de:“Germano Almeida diz-se a favor de uma revisão do novo Acordo Ortográfico com base científica” (c/áudio),InforPress” (Cabo Verde), 21/11/18. Destaques, sublinhados, “links” e comentários meus. Imagem de topo de: Sema Pak.]