«A nova gramática do fascismo» [João Gonçalves, “J.N.”]

A nova gramática do fascismo

João Gonçalves

“J.N.”, 12.02.18

O “Diário da República Electrónico” usa o “aborto ortográfico” à semelhança, aliás, do que fazem todos os organismos oficiais, na sua inconfundível língua de pau, e a generalidade da doutrina jurídica editada em livro. Fui lá ler, levado por uma rede social, esta Lei da Assembleia da República. Saiu discretamente na sexta-feira passada (Lei n.º 4/2018, de 9 de Fevereiro), sob a designação de “regime jurídico da avaliação de impacto de género de actos normativos”, e entra em vigor a 1 de Abril. Não tem “memória explicativa”, pelo que entra logo a matar. A “avaliação”, prévia ou sucessiva, destina-se a que os actos normativos do Estado (Central, Regional, do Governo e do Parlamento) “ponderem”, antes de serem produzidos (e “entre outros” aspectos), “a incidência do projecto de acto normativo nas realidades individuais de homens e mulheres, nomeadamente quanto à sua consistência com uma relação mais equitativa entre ambos ou à diminuição dos estereótipos de género que levam à manutenção de papéis sociais tradicionais negativos”. Para o efeito, o, a, ou outra coisa qualquer dantes designada por legislador entende que “a avaliação de impacto de género deve igualmente analisar a utilização de linguagem não discriminatória na redacção de normas através da neutralização ou minimização da especificação do género, do emprego de formas inclusivas ou neutras, designadamente por via do recurso a genéricos verdadeiros ou à utilização de pronomes invariáveis”. O procedimento tem uma “situação de partida” definida como “um diagnóstico da situação inicial sobre a qual vai incidir a iniciativa em preparação, com recurso a informação estatística disponível e informação qualitativa sobre os papéis e estereótipos de género, considerando ainda os objectivos das políticas de igualdade de oportunidades”. E o “impacto” será “positivo” quando, por exemplo, se verificar “um impacto transformador de género” sem que a lei esclareça a que “transformação” se refere. O “impacto” terá ido tão longe que levou o impactado ou a impactada a mudar de sexo? Não diz. Mas pode ser que as “acções de formação” previstas no art. 16.º possam responder. Para isto é preciso uma “polícia do espírito” que assegure o recurso a “genéricos verdadeiros”, a “utilização de pronomes invariáveis” e que proíba, finalmente, “estereótipos de género”. Em suma, precisa-se de agentes públicos que saibam manusear esta nova gramática do fascismo.

João Gonçalves

[Transcrição integral (e conforme o original, sem parágrafos) de artigo de opinião, da autoria de João Gonçalves, publicado no “Jornal de Notícias” de 12.02.18. Imagem de topo (citação de George Orwell) de: http://www.famousquotes123.com/ ]


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