Si bô ‘screvê’ me ‘m ta ‘screvê be

“SODADE”

Quem mostra’ bo
Ess caminho longe?
Quem mostra’ bo
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa Sao Tomé

Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau

Si bo ‘screve’ me
‘M ta ‘screve be
Si bo ‘squece me
‘M ta ‘squece be
Até dia
Qui bo voltà

Sodade sodade
Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau

O Português na hora di bai?

Em Cabo Verde, o Português vai ser ensinado como língua estrangeira. Vamos muito bem unificados, como se vê.

15 de Dezembro de 2016, 7:00

Nuno Pacheco

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Perdida no turbilhão do noticiário geral, passou despercebida uma notícia relevantíssima para o futuro do Português: a de que este vai passar a ser ensinado como língua estrangeira em Cabo Verde, já no próximo ano lectivo.

Antes que comecem já a atirar pedras aos cabo-verdianos, convém atender às razões de tal opção. Já em 2010, o conhecido escritor Germano Almeida defendia, em entrevista à Lusa, o ensino do português como língua estrangeira. Argumentos: “Não podemos pensar que o cabo-verdiano fala o português desde criança, porque não fala. Vemos alunos que terminam o décimo segundo ano e falam mal o português. Há professores que também não sabem falar português, portanto, só podemos concluir que o ensino está a falhar”. Mais: “Portugal, Brasil, Angola não precisam de contactar connosco, nós é que precisamos de contactar com eles, então o português para os cabo-verdianos é essencial. Os cabo-verdianos não são bilingues e por isso precisamos começar a ensinar o português como língua estrangeira”.

Seis anos depois, é a Ministra da Educação de Cabo Verde, Maritza Rosabal, que vem anunciar a iniciativa: “A língua portuguesa é abordada como língua primeira de Cabo Verde, quando não é. Temos uma eficácia do sistema muito baixa, onde apenas 44% das crianças que começam o primeiro ano finalizam o 12.º em tempo. Temos muitas perdas”. Mais: “O Brasil exige provas de língua portuguesa aos nossos estudantes, o Instituto Camões exige provas de língua portuguesa o que quer dizer que apesar de estarmos no espaço lusófono, começamos a não ser reconhecidos como um espaço com proficiência linguística em português”. Ou: “Toda esta duplicidade linguística afecta o processo. Reconhecemos que a nossa língua materna é o crioulo, mas como língua instrumental de trabalho e de comunicação temos de fortalecer a língua portuguesa”.

Ora bem. Perante isto, o que fizeram os senhores que enchem a boca de Língua Portuguesa com os pretensos muitos milhões de falantes? Calaram-se. Varreram o assunto para debaixo do tapete. Não é nada com eles. Mas esperem lá: não vinha o acordo ortográfico de 1990 resolver estes problemas? Não foi Cabo Verde o terceiro elemento do triunvirato (com Portugal e Brasil) que o tornou oficial?[ver nota minha] Então como é que desaba uma perna do tripé, fazendo-o estatelar-se no chão, e ninguém comenta? Será normal que o Português passe a “língua estrangeira” num país que a tem, no papel, por oficial?

A verdade é que tudo isto é natural e, ademais, esperado. A monumental farsa da unidade ortográfica fez-se à margem da realidade. E a realidade tem destas coisas aborrecidas: um país que fala Crioulo, naturalmente, e que faz dele, com o direito que lhe concede a sua soberania, a sua língua oficial em detrimento do Português (embora não o rejeite, pelo contrário); países que assinam por baixo mas que, por falta de dinheiro ou desinteresse, viram costas à assinatura (Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe); países que têm preocupações bem mais graves do que limar umas letras (Timor-Leste), países que assinaram mas não ratificaram nem se sabe se o farão (Angola e Moçambique). E isto é, senhores, um “acordo” internacional![ver nota] Claro que nada disto impede que o grupo excursionista do acordo ortográfico continue, impante, nas suas viagens, a pregar a velha “boa” nova e a declarar o acordo “irreversível”. Mas devia dar que pensar aos que, de boa-fé (os outros jamais o farão), se empenharam num acordo que, no estado actual, apesar dos discursos em contrário, é um penoso e adiado cadáver sem qualquer utilidade. Tudo isto teria sido evitado se, em lugar de se gastarem rios de dinheiro na impossível unificação das ortografias, se avançasse para o que há muito devia ter sido feito: um trabalho interacadémico para gerar um verdadeiro Vocabulário Comum que consignasse as diferenças ortográficas, identificando os países onde deviam aplicar-se, em lugar de as esconder.

Cabo Verde? Não se passou nada. O Português é uma língua forte, de negócios, dá milhões, etc. Não há quem abra a janela e veja o que se passa cá fora? Que reflicta, ao menos, no patético de tudo isto?

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Nuno Pacheco, publicado na edição em papel do jornal “Público” de 15.12.16. Os destaques e os “links” a azul são meus. Imagem de: Diário Digital.]

 

Nota

Realmente, esta é mesmo uma história mal contada e portanto a maioria das pessoas baralha-se com os nomes dos países do “triunvirato” que “tornou oficial” a entrada em vigor do AO90 em todos os 8 países-membros da CPLP.

Para facilitar (e nem de propósito, dado o título) transcrevo da História (Muito) Mal Contada um trecho que pode ajudar a dissipar dúvidas. Do capítulo intitulado, mais ainda nem de propósito, “A porca da política“:

 

Um ano depois da assinatura dos papeis, o AO90 chegou pela primeira vez ao Palácio de S. Bento (não confundir com o palacete que também lá há) e foi aprovado pelos deputados. Evidentemente, os ditos não sabiam ao certo o que era aquilo mas pronto, siga, já que o Partido manda votar “sim”, pois então votemos “sim”, não interessa, isto até é giro, uma “grafia única”, isso é que era bom, enfim, está tudo doido mas não importa, há que obedecer, isto da “disciplina partidária” é coisa séria, não brinquemos.

Após estas parlamentares tergiversações, largos tempos se passaram sem que sequer se tornasse a ouvir falar do “acordo”;  dois anos, cinco anos, dez anos e… nada. Mudou o século, dobrou o milénio e… nada. Passou 2001, findou 2002 e… nada de nada. Por fim, em 2004, o gigantesco Brasil — pois que outro país poderia ser o “bandeirante” da coisa — ratificou o “acordo”. No ano seguinte, 2005, um segundo país, que por acaso não é lá muito gigantesco (Cabo Verde), ratificou também aquilo. E em 2006 houve um terceiro país, ainda menos gigantesco do que o segundo (S. Tomé e Príncipe), que igualmente se chegou à frente e tratou de ratificar o AO90.

Mas então, sendo assim, só três países não são suficientes, pois não?, o “acordo” só entraria em vigor se todos os países da CPLP o ratificassem, certo?

Errado. Será necessário repetir que isto é política? Em política, por definição, nada é o que parece. Criou-se logo ali um expediente ad-hoc, abriu-se uma excepção ao Direito internacional e pronto, está ultrapassado o percalço: em vez de ser exigida a ratificação de todos os Estados envolvidos, conforme preconiza a Convenção de Viena, passaria a ser suficiente a ratificação de  apenas três deles. Maravilhosa coincidência, não? São hoje oito* os países que integram a CPLP mas bastaria a ratificação do AO90 por três deles para que o dito AO90 entrasse em vigor em todos os oito!


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