The Ministry of Love (or Miniluv in Newspeak) serves as Oceania’s interior ministry. It enforces loyalty to Big Brother through fear, buttressed through a massive apparatus of security and repression, as well as systematic brainwashing.
George Orwell, “1984”
O detrito que desta vez reviro com as pinças do costume é mais uma amostra da abjecta brasileirização de Portugal a que alguns “portugueses” se vão prestando alegremente.
Em jeito de sinopse, no caso em apreço, o filme tem o seguinte guião.
O Palácio Nacional de Nossa Senhora da Ajuda (ou apenas “palácio da Ajuda”, para os amigos), em Lisboa, começou a ser construído em 1795 mas nunca foi acabado, faltando-lhe, ainda hoje, uma das quatro fachadas.

Durante mais de 200 anos foram abertos vários concursos de empreitada para concluir o Palácio mas nunca algum deles produziu o mais ínfimo efeito prático. Por exemplo, segundo uma carta publicada no “blog” Cidadania Lx, houve em tempos um projecto do arquitecto Raul Lino (1879-1974) que previa o “completamento” do Palácio com um traçado enquadrado no edifício no seu todo coerente.
Esta obra, infelizmente, por alguma razão, também ficou por fazer.
Pois então agora, em Setembro de 2016, é anunciada com pompa e circunstância – não como mero projecto, simples “ideia” ou proposta mas já como facto consumado — a adjudicação desta abominável pepineira.
Escusado será dizer que tal “projeto” é tão “arquitetónico” como a ortografia em que se anuncia, ou seja, cheira, fede, tresanda a brasileirada. “Completar” um Palácio Nacional (português, note-se) com uma fachada alienígena é coisa que não lembraria ao diabo mas pelos vistos em Portugal há sempre quem se chegue à frente para bajular o Brasil mai-lo seu imaginário “império” global. Quando vi pela primeira vez aquela porcaria execrável, aquele “projeto” horroroso, o que me ocorreu de imediato foi… Brasília! Logo, Niemeyer, o “arquiteto” da repetição obsessiva. Sim, aquelas lâminas verticais, semelhantes a estores espetados de lado no chão, pois é, lá está, aquilo é a marca inconfundível de Oscar Niemeyer, o estilo gélido de betão às riscas.
Isto na sua fase rectilínea, digamos assim. Como se pode ver, por exemplo, neste lindo mamarracho com que presenteou o Rio de Janeiro, em 1937, quando Oscar iniciou a sua longa carreira.
Mais tarde Oscar começou a encurvar as suas “retas”, como toda a gente sabe, mas isso agora não interessa nada, até para não correr o risco de ir o sapateiro para além da chinela. Deixemos portanto os mamarrachos de Niemeyer em geral e regressemos ao mamarracho com que em particular se pretende entaipar o Palácio da Ajuda.
Se bem que a coisa tenha sido apresentada como negócio fechado, parece que há uns “probleminhas”, algo sem qualquer importância, presumo; diz a este respeito por exemplo o DN (no seu horripilante acordês) que «a Ordem dos Arquitetos lamentou hoje, em comunicado, que o projeto de remate da fachada e valorização do Palácio da Ajuda, apresentado esta semana pelo Governo e autarquia de Lisboa, não tenha sido objeto de concurso público de conceção.»
Pois, ele há de facto empecilhos chatos e, destes, surgem à cabeça, salvo seja, umas coisinhas que se designam pelo termo genérico… “leis”. Por exemplo, a lei que obriga em certos casos, consoante os montantes envolvidos, à maçada de os projectos deste tipo se enquadrarem no âmbito dos concursos públicos e não do chamado “ajuste directo”.
Código dos Contratos Públicos – Perguntas frequentes
3.2) Que contratos podem ser celebrados por ajuste directo?
O ajuste directo pode ser usado para a formação dos seguintes contratos:
a) Empreitadas de obras públicas de valor inferior a 150.000 euros;
b) Aquisições de bens e serviços de valor inferior a 75.000 euros;
c) Outros contratos de valor inferior a 100.000 euros.
Pode também recorrer-se ao ajuste directo, para a formação de contratos de qualquer valor, quando se verificarem determinadas razões materiais expressamente identificadas no CCP, entre as quais se contam: os casos de urgência imperiosa, quando só existe um único fornecedor ou prestador, ou ainda quando um anterior concurso tenha ficado deserto.
Ou, também por exemplo, aquele articulado aborrecido que enumera as chamadas “incompatibilidades” e que se encontra “plasmado” na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Artigo 24.º 1 – Os trabalhadores não podem prestar a terceiros, por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, serviços no âmbito do estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas ou requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços colocados sob sua directa influência. |
Ora, noticia-se que não houve concurso público para a execução do projecto mas não se noticia — provavelmente porque não é notícia ou então sou só eu que a não encontro — que o “arquiteto projetista” do taipal oscariano pertence aos quadros da Direcção Geral do Património Cultural. Segundo o “site” da Ordem dos Arquitectos não apenas pertence aos quadros como é, nada mais, nada menos, o próprio Director-Geral da dita DGPC.
João Carlos dos Santos é actualmente Director-geral do Património Cultural (DGPC), em regime de substituição, organismo que tem por missão assegurar a gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro dos bens que integram o património cultural imóvel, móvel e imaterial do País, bem como desenvolver e executar a política museológica nacional. Arquitecto de formação, foi Subdirector-Geral da DGPC entre 2013 e 2015, tem um Master em Patologia e Restauro Arquitectónico e é doutorando em Arquitectura na Universidade do Porto. Integra e integrou várias comissões, de que se destacam o Conselho Nacional de Cultura, é vogal do Conselho Directivo do Fundo de Salvaguarda do Património Cultural e membro do Conselho Coordenador do Programa de Gestão do Património Imobiliário do Estado, e fez parte da Comissão Redactora da Política Nacional da Arquitectura e da Paisagem, entre outros.
Enfim. Devo estar a ver mal o filme. Só pode. Estas coisas não acontecem nunca em Portugal. Não é possível neste país que alguém decida “completar” um palácio do século XVIII, sem qualquer concurso, contraditório ou escrutínio público, com uma parede de escola de samba.
Português algum seria capaz de entaipar desse jeito um monumento nacional assim como nenhum dos nossos compatriotas jamais se atreveria a adotar como Língua nacional uma variante estrangeira.
Não, nunca! Pesadelos assim não existem na vida real. Nem com lavagens ao cérebro…
Nota: as referências para consulta são, como sempre, à Wikipedia de Língua inglesa, visto que a versão “lusófona” transformou-se numa aldrabice exclusivamente brasileira.
A ignorância do que é a Arquitectura, mais a xenofobia e a linguagem agressiva e arruaceira, acoitadas no anonimato do autor (bic?), deitam todo o texto por terra.
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O autor sou eu mesmo, João Pedro Graça.
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Muito gosto. Sou leitor do Apartado 53 devido ao interesse da informação aqui coligida.
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