Os textos que seguem poderão ser lidos e interconectados entre si. Permitem múltiplas leituras e exprimem diferentes dimensões de uma mesma questão.
Apesar da organização funcional do conjunto textual assumir uma forma gradativa, cada um dos seus elementos poderá possuir uma existência separada pois trata-se de diferentes facetas que correspondem a diferentes abordagens do mesmo problema. Apresentá-los juntos serve apenas para reforçar e conferir maior visibilidade àquilo que queremos transmitir.
Assim, o primeiro texto serve essencialmente para desmontar a falsa ideia da falta de alternativas que, supostamente, nos conduz ao único e inevitável caminho da unificação (?) ortográfica. Pretende também demonstrar os critérios meramente economicistas que estão por trás do AO90.
O segundo texto pretende demonstrar que os fundamentos do AO, longe de estarem assentes em razões científicas, como querem fazer crer os seus promotores, assentam em pressupostos da mais pura mitologia, visando criar os fundamentos de uma crença baseada unicamente em pressupostos artificiais e propositadamente erróneos.
O terceiro texto, corolário lógico dos dois textos anteriores, visa demonstrar como se estão a pôr em marcha diversos mecanismos que pretendem tornar os indivíduos capazes de se tornarem instruíveis e por isso, incapazes de verdadeira autonomia, não só intelectual e cognitiva como também da autonomia da vontade, cortando assim a ligação que todos os indivíduos possuem com algo que não é puramente físico nem puramente intelectual mas algo transcendente que, à falta de melhor nome, será designado por alma.
É a anulação dessa porção de transcendente que há em nós que permite a despersonalização e descaracterização dos indivíduos e sua consequente apropriação por parte de um pequeno grupo dominante.
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O AO 90 e a TINA (1)
Qual é a relação que este acrónimo (que significa “there is no alternative”) tem com o AO90?
É que também este nos foi impingido como uma inevitabilidade, algo a que não se pode escapar, por mais que se queira.
A questão é-nos apresentada de uma forma aparentemente simples mas que não admite réplicas: o Brasil tem o maior número de falantes de língua português no mundo, logo pode ditar regras aos demais países que também falam e escrevem em português.
Se a esta ideia-chave juntarmos a cultura do empreendedorismo que assenta na venda /delapidação do que é de todos para maior lucro de alguns, temos o caldo de cultura perfeito para que uma iniciativa desta natureza vingue e prospere.
Os criadores e propagadores do AO, como qualquer bom vendedor de banha da cobra, juram e trejuram que o dito cujo é bom para tudo; vai ser decisivo para a maior divulgação dos autores portugueses no mundo; vai facilitar a aprendizagem da leitura e da escrita; vai projectar a língua portuguesa no plano internacional.
A quem, mesmo depois de apresentadas todas estas “vantagens”, ainda continuar a duvidar de tão belos intentos, será considerado, sem apelo nem agravo, “retrógrado”, “atrasado” ou “resistente à mudança”.
Se mesmo depois de, directa ou indirectamente, ter sido mimoseado com tão belos epítetos, ainda persistir na “heresia”, então passará a ter advertências mais sérias, como a indicação expressa de obrigatoriedade de utilização do AO nos diversos organismos do Estado e em cada vez mais empresas privadas ou a ameaça directa de penalização em testes e exames se for estudante.
E assim se vai cimentando a famosa TINA ou “there is no alternative” sempre por via da prepotência e da utilização abusiva do poder e da coerção por parte do Estado e não de uma verdadeira alternativa ao AO.
Na verdade, as alternativas existem, sendo a melhor e mais eficaz a REVOGAÇÃO pura e simples do AO pois um erro crasso como este de vimos falando, devido à sua extensão e gravidade das suas consequências, não é passível de correcção ou revisão e muito menos objecto de um referendo, seja ele qual for, pois não se referendam soluções que à partida quase toda a gente sabe ou pelo menos pressente que são erros, mas sim opções que poderão ser válidas, ainda que discutíveis, o que não é o caso deste AO.
Pequena lição de mitologia contemporânea (2)
Podem-se atribuir falsas reivindicações de estatuto científico não apenas por pura sede de prestígio ou visão errónea do conhecimento mas como uma tentativa deliberada de impor uma construção mental que visa fins única e exclusivamente políticos de dominação e controlo.
Tais falácias não são só erradas do ponto de vista filosófico, são também socialmente destrutivas.
Conferindo um manto de (falsa) cientificidade ao AO pretendem arredá-lo do escrutínio público, não admitindo que seja objecto de opinião, ainda que mediada por argumentos de razoabilidade. Qualquer opinião manifestada sobre este assunto, sobretudo quando exprime uma posição contrária ao AO, é qualificada de mera “resistência”.
O cínico cientismo, traduzido por uma falaciosa extensão dos pressupostos científicos a tópicos sociais, não passa de uma máscara que cobre a despótica imposição de algo inaceitável, tentando fazer passar por ignorantes todos aqueles que refutam este miserável AO.
Questões humanas, ou de condicionamento político, como é o caso que nos ocupa, devem ser colocadas em termos puramente humanos e qualquer tentativa, por mais sofisticada que seja de relegar a questão para um plano meramente científico, nada mais exprime do que uma confusão conceptual.
O que acontece quando tentamos exprimir ideias que pertencem exclusivamente ao campo da moral, da ética e da política através de termos puramente científicos é que além de os desprovermos do seu significado intrínseco não estamos a construir nenhum tipo de conhecimento científico mas apenas forjar uma (neste caso fraca) peça de mitologia contemporânea.
Da anulação das almas
E assim se vai cumprindo, paulatina, lenta e inexoravelmente a despersonalização dos indivíduos. E a despersonalização conduz à alienação, etapa indispensável para que se efectue o corte entre o indivíduo e o transcendente, algo que está acima dele e lhe confere uma dimensão transcendente.
Nunca como agora o ressurgimento de velhos fantasmas constituiu uma tão grande ameaça. Nunca como agora o Santo Ofício esteve tão perto de regressar ao nosso convívio social em toda a sua pujança. Chame-se ele Santo Ofício, Sagrada Ciência, Impenetrável Autoridade, Bom Gosto ou até… Unificação… ou até… Acordo. Ah! Acordo o teu nome é Santo Ofício! O teu nome é despersonalização, anulação, esterilização do que melhor podemos oferecer a toda a gente! O teu nome é perseguição, é tornar réus os inocentes; pessoas honestas em heresiarcas, quais novos judeus cujo o único crime foi escolher o Livro (ou Regra) que queriam seguir e não aquele que lhe queriam enfiar goela abaixo!
Tudo isto perpetrado por candidatos a Alquimistas que, por terem sucumbido de forma vil à cegueira do ouro, nunca serão mais do que reles aprendizes de feiticeiro que decompõem sem criar. Um dia, mais tarde ou mais cedo, descobrirão que o cintilante ouro que lhe entregaram a troco das suas “feitiçarias”, nada mais é do que matéria putrefacta.
A Flor está-lhes obviamente interdita e esse será o seu maior castigo.
Mas entretanto estragarão o que puderem e submeterão toda a gente aos seus nefandos desígnios.
E isso também lhes estará obviamente interdito enquanto houver quem lhes queira fazer frente!
Olga Rodrigues
(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/TINA_(slogan)
(2) Com a colaboração involuntária de Gary Saul Morson sobre a filosofia de Stephen Toulmin, aqui:
http://www.newcriterion.com/articles.cfm/The-tyranny-of-theory-8076