Aparentemente, esta extraordinária “sitcom” terá terminado ontem mesmo com uma não menos extraordinária decisão salomónica: como sucedeu nesse bíblico episódio, havendo apenas uma “criança” e dois pretendentes à respectiva paternidade, decidiu-se cortar o bebé a meio e entregar a cada um dos papás babados sua metade do petiz. Ao contrário do que se passou na tocante história original, porém, desta vez não se comoveu nenhum dos dois contemplados com 50% da coisa decepada e, por conseguinte, aceitaram ambos o massacre sem pestanejar.
O que significará, com certeza, pois com parábolas das Escrituras não se brinca, que teremos em breve de presenciar — com não menos horror — outras cenas igualmente sangrentas e canalhas.
Portugal divide com São Tomé mandato de quatro anos na CPLP
Nuno Ribeiro
Angola, que acusou Portugal de querer impor um secretário-executivo, convidou Marcelo e Costa a visitar Luanda e considera que candidatura de Guterres à ONU “honra a comunidade lusófona”
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Não foi uma operação aritmética, mas uma solução diplomática para sair de um impasse. O próximo secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a ser eleito na cimeira de Chefes de Estado de Brasília, em Julho próximo, terá o seu exercício encurtado de quatro para dois anos. Os primeiros dois serão confiados a São Tomé e Príncipe e o resto do mandato será cumprido por Portugal.
“As decisões na CPLP são tomadas por consenso, essa é uma regra de ouro”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, referindo-se à fórmula adoptada. “As cedências são de todos”, afirmou o chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, no final dos trabalhos da XIV reunião extraordinária do conselho de ministros da CPLP.
Santos Silva e Chikoti apareceram lado a lado, na Sala Dourada do Palácio do Conde de Penafiel – a sede da organização – para simbolizar em palavras e gestos o fim da polémica sobre o método para a sucessão do moçambicano Murade Murargy como secretário-executivo. Assim, mantém-se o princípio da rotatividade, com a peculiaridade da divisão temporal.
Aliás, durante esse tempo a CPLP volta a trabalhar nos estatutos para clarificar o imbróglio: o alegado “acordo de cavalheiros” ou “princípio não escrito” de que o país que alberga a sede da comunidade não apresenta candidato à liderança do secretariado-executivo. O facto da solução encontrada esta quinta-feira, depois de uma intensa negociação na véspera, arrancar com São Tomé e Príncipe e não com Portugal, como dita a rotatividade por ordem alfabética, teve também uma explicação diplomática. A próxima presidência da organização é do Brasil e, se Portugal ostentasse por dois anos o cargo de secretário-executivo, o eixo da CPLP deslocava-se de África, apurou o PÚBLICO. Embora, a solução não fosse do agrado do ministro de São Tomé e da sua delegação.
Chuva de convites
A Sala Dourada, com a sua imensa mesa de trabalho rectangular e as paredes cobertas de espelhos, foi o cenário de outras novidades. “Tivemos uma conversa muito profunda”, disse o ministro das Relações Externas de Luanda que se encontrou, pela primeira vez, com o seu homólogo português. Chikoti convidou Santos Silva para, na segunda-feira, assistir à reunião aberta sobre a situação internacional do Conselho de Segurança das Nações Unidas, este mês presidido por Angola. O convite foi aceite.
Quando a 11 de Março, o Jornal de Angola lançava as mais variadas suspeitas sobre o Governo português, na quinta-feira o dirigente angolano falou de uma relação histórica. Anunciou convites para as visitas do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, visitarem Luanda, e referiu que o Presidente José Eduardo dos Santos já recebeu António Guterres, candidato a secretário-geral das Nações Unidas. “Uma candidatura que honra o mundo lusófono”, destacou.
A reunião de um dia do conselho de ministros da CPLP aprovou a nova visão estratégica da organização, que será submetida à votação na cimeira de Brasília. Vagamente, foi referido que tal visão assenta “no espírito de compromisso e solidariedade”, sem especificar caminhos, metas e meios. Destacou, isso sim, a necessidade de “alargamento das suas actividades, a valorização das suas potencialidades e uma participação mais efectiva da CPLP no processo de desenvolvimento dos Estados-membros, promovendo e defendendo os princípios e valores universais da democracia e dos direitos humanos no seu espaço.”
Em Lisboa, a Guiné Equatorial apresentou um relatório, do regime e não de entidades independentes, sobre o programa de defesa de direitos humanos e de democratização, em véspera das eleições de Abril. Foi referido que a pena de morte foi abolida, embora o decreto presidencial ainda não tenha sido assinado pelo Presidente Teodoro Obiang.
Quanto à situação na Guiné-Bissau, um dos países que ainda não pagou as anuidades de 2015 à CPLP – os outros são Angola e Brasil -, os ministros da comunidade lusófona insistem em passos que criem um clima de confiança. E temem a fadiga dos países dadores perante a situação de impasse que se vive em Bissau. “Estamos a fazer tudo o possível para a normalização, para que o Governo da Guiné-Bissau seja dotado de fundos”, foi destacado. Assim, o actual representante da CPLP, António Alves Lopes, terá o seu mandato prorrogado até 31 de Julho.
[“Público”, 18.03.16 (edição em papel). Os destaques e”links” são meus.]