O estado do direito democrático – 1
Consciente da nova situação de países, como o nosso, de democracia mitigada pelos arranjos e conveniência dos representantes do poder político e outros poderes, procurei manter certos cuidados na investigação que, creio, são regras úteis de prudência e que recomendo:
1. Nunca revelar a identidade da fonte. Este é o primeiro cuidado, uma condição fundamental de honestidade. Essa protecção das fontes deve resistir até à tentativa de jornalistas e dos curiosos, e não quebrar perante a pressão judicial.
2. Despistar fontes de informação falsa, desinformações e manobras de intoxicação.
3. Usar processos de contacto encriptados, mais seguros do que as comunicações nacionais, mais ou menos controladas pelo Estado, mais fáceis de interceptar por ‘rogue agents’ ou servicinhos privados de agentes públicos. Não usar telemóvel nem telefone para conversas e fontes sensíveis e ter a prudência de considerar que as suas comunicações de telefone e telemóvel podem ser interceptadas. Não significa que sejam: podem ser.
4. Marcar os encontros pessoais com muito pouca antecedência para evitar preparativos de vigilância.
5. Em encontros e conversas importantes, desligar telemóvel e remover a sua bateria, inclusive na deslocação, e evitar a Via Verde nas auto-estradas.
6. Nos encontros, ser discreto, escolher locais isolados, e silenciosos, ou públicos, movimentados e barulhentos, de forma a tornar mais complicada a intercepção das conversas, evitando, além disso, pronunciar a informação mais perigosa, escrevendo-a codificada à frente da pessoa com quem se encontra e destruindo o registo em seguida.
7. Informar duas pessoas de absoluta confiança dos contactos que vai realizar, por uma questão de segurança face a acidentes e incidentes.
8. Escrever o mínimo, no computador ou em papel, guardando a informação na memória… do cérebro.
9. Escrever imediatamente as informações obtidas depois de as apurar, numa aplicação à edição do método FIFO (First In, First Out). A publicação imediata é o modo mais eficaz de segurança, pois a eliminação, ou comprometimento, do alvo não resolve a divulgação do que este sabe, já que, em cada momento, o alvo tende a não saber nada mais do que já publicou…
10. Finalmente, o último cuidado é não abrandar o rigor dos procedimentos de segurança.António Balbino Caldeira*
Este pequeno excerto, retirado d’O Dossiê Sócrates, da autoria de António Balbino Caldeira*, poderia muito bem ser publicado em forma de folheto, numa simples folha A4, para servir como “Manual do Activista”. De qualquer activista, bem entendido, na presunção de que, em democracia, o activismo é, sempre e por definição, cívico; a expressão “activismo cívico” é uma evidente redundância porque, se não é cívico, então não é activismo: num Estado de Direito será, por exclusão de partes, ou subversão ou terrorismo.
Pronto, está bem, mas o que tem a investigação sobre o diploma de Sócrates a ver com a luta contra o AO90?
Tem tudo a ver.
Não apenas porque o “Manual do Activista” vale nos dois casos, serviu em 2007/8 para aquele efeito — no qual, modestamente, também participei — como serviu a partir de 2009 e continua a servir para a investigação sobre o “acordo ortográfico” e, é claro, na luta contra ele. Afinal, apesar de ter mudado entretanto a maioria parlamentar, logo, o Governo, todos os pressupostos e as consequentes regras de conduta e cuidados postulados neste “Manual” mantêm-se válidos.
Pelo contrário, o centro governamental de comando e controlo dos media vai apertando cada vez mais a malha. Pelo que, evidentemente, temos de redobrar as medidas de precaução.
É um processo extremamente perigoso. Não há um juiz, não há uma acusação, nem um processo em tribunal. O que significa que se o leitor tem um site ou um blog onde escreve regularmente e as SGC e a IGAC não gostarem da sua opinião, nada os impede de enviar o link do blog do leitor para os ISPs bloquearem no prazo máximo de 15 dias.
O blog/site é bloqueado e o autor nem sequer se pode defender.
Paula Simões
Memorando de Entendimento: Bloqueio de Sites em Portugal #PL118
Para quem nunca entendeu a estranha frequência com que o “site” da ILC-AO ficava (e continua a ficar) “indisponível”, bom, está aqui pelo menos uma parte da explicação: já não bastavam as denúncias electrónicas feitas por anónimos, havia que arranjar um pretexto e pronto, arranjou-se, o “erro 404” passou a ser opção legal.
Qualquer “site” pode sofrer ataques continuados, mas a regularidade, a quantidade as origens e a variação dos tipos de ataque indiciam o contrário de algo casual ou esporádico: é deliberado e sistemático.
Será que antes da legalização, o activismo já era combatido pelo Estado com hacktivismo? Num Estado de Direito democrático? Pode lá ser! Mas… e se puder mesmo ser?
Pois alguém sabe, ao certo, o que é o AO90? Se, de facto, não há qualquer motivo ou explicação para a existência de semelhante coisa, bom, então que estranhas, ocultas, obscuras, secretas forças estarão por detrás dele? Na verdade, só com muita carga de ingenuidade alguém em seu perfeito juízo poderá presumir que essa coisa saída do nada não obedece a interesses e ambições das mais poderosas “famílias” — políticas e, sobretudo, económicas.
Por conseguinte, a ser de facto assim, como vemos, ouvimos e lemos todos os dias, então seria necessário estarmos todos possuídos por uma credulidade cega, surda e muda para que engolíssemos a tese da bondade, ou seja, que porventura as ditas “famílias” não iriam proteger ferozmente os seus interesses. Ora, quem é que tem acesso aos “corredores do Poder”? São os grandes e poderosos ou seremos porventura nós outros, os pequenos e insignificantes? E se aos grandes todas as portas se abrem, desde sempre, então desde quando seja quem for os impede de fazer o que muito bem entenderem? Quando foi que mudou o mundo (ou Portugal, vá) e porque raio ninguém me avisou disso?
Os políticos Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa morreram num “acidente” de aviação a 4 de Dezembro de 1980. Foi esta a tese oficial ao longo de mais de três décadas. Dez “comissões de inquérito” e quase 35 anos depois, finalmente “conclui-se” que afinal não foi “acidente”, foi atentado, aqueles dois políticos foram mesmo assassinados. Mas nem assim se revela porquê, visto que «não foi possível estabelecer um nexo de causalidade» entre o atentado e uma questão de venda de armas…
John Fitzgerald Kennedy teve o azar (e, se calhar, cometeu a imprudência) de ir bater com a cabeça numa bala perdida que um maluco disparou depois de já ter-lhe desfeito a cabeça com outra bala igualmente perdida. Maluco esse que depois foi morto à queima-roupa, por outro maluco, no quartel-general da polícia de Dallas. Até hoje, não se sabe, nem exactamente nem pouco mais ou menos, o que realmente se passou: quem matou JFK, porquê, para quê?
Apenas estes dois exemplos, ambos de casos extremos, e muitos outros do género se poderiam apontar, comprovam à saciedade que nem mesmo os poderosos estão de forma alguma a salvo dos… poderosos, seus confrades (enquanto a estes convier a confraria).
Bem sei que estou aqui exorbitando nas analogias entre factos que não têm comparação possível, em grau e em gravidade, mas, salvo as devidas e enormes distâncias, na realidade nada de substancial mudou desde os remotos tempos em que César chegava a Cleópatra sua tacinha de hidromel: o mundo está perigoso.
Pois bem, eu cá fartei-me de avisar a malta, dois mil anos depois daquelas românticas beberagens, quanto aos riscos envolvidos na nossa luta: olhem que vossemecês não sabem com quem se estão a meter, hem, dizia-lhes eu, aos activistas, às militantes, isto é arriscado, hem, tenham lá muito cuidadinho!
Creio mesmo ter dito a algumas pessoas, em especial depois de me aperceber de que já tinha o meu próprio “clube de fãs” no Ministério Público (se calhar, sabe-se lá, com filiais nas diversas “secretas”), que seria melhor pensarem bem, e depois pensarem melhor ainda, antes de se meterem “nisto”. Muitos não deram ouvidos a estes avisados conselhos…
É que, por exemplo, sempre me pareceram um bocadinho estranhos os “clicks” durante as chamadas por telefone fixo e os “ecos” esporádicos no telemóvel. Ou as mensagens de email que nunca mais chegam ou que chegam, sim, mas só um ou dois (ou três ou mais) dias depois. E o que dizer quanto a todas aquelas coisas combinadas em “rigoroso segredo” que depois, “curiosamente”, falham com estrondo, ou aparecem publicadas algures ou, que esquisito, alguém que não poderia nem deveria saber do “segredo” X não só sabe como até já tem um palpite infalível a “dar” sobre o assunto?
Mais teorias da conspiração, será? Teremos nós escutas nos telefones? Ou teremos escutas entre nós, isto é, bufos? Diacho. Há que tomar medidas de segurança adicionais!
Cartões telefónicos, ora bem, toma lá. Coisas importantes, só através de “cabines” públicas, à moda antiga. E mesmo assim, nada de nomes por extenso; só as iniciais ou, de preferência, a alcunha, o “nick”.
Os caixotes com as assinaturas têm de estar em pelo menos três lugares distintos: se houver algum “acidente” num deles, então pelo menos 2/3 salvam-se. Esses sítios devem ser seguros, claro, mas insuspeitos e situados num raio máximo de 3 km, para que seja fácil e rápida a recolha.
O “site” terá sempre uma cópia integral, em domínio próprio e exclusivo fisicamente situado no estrangeiro (fora da jurisdição nacional), mantendo-se o seu acesso reservado e secreto até que venha a ser necessário, isto é, para quando (ou se) o “site” principal estiver de todo inacessível.
Tem de haver um Apartado postal para recepção exclusiva das subscrições: só assim se consegue triagem prévia e automática da correspondência, eliminação de extravios por parte dos carteiros (perda em trânsito, depósito em caixas erradas, etc.) e ainda, por fim, elimina-se a possibilidade de devoluções ao remetente por a caixa estar cheia com publicidade, por exemplo.
Pelo menos duas cópias, em locais e na posse de pessoas diferentes, das subscrições digitalizadas recebidas por email, através de endereço próprio para o efeito.
Reuniões virtuais só para assuntos não muito “sensíveis”, por chamada telefónica em conferência ou via “videochat“. Todos os outros assuntos apenas serão tratados em reuniões presenciais, de preferência em locais públicos.
Enfim, nestas coisas da segurança, todos tivemos de aprender muita coisa muito depressa. Ao fim e ao cabo, nada disto deveria ser necessário em Portugal, um Estado que se reclama, na lei fundamental, como sendo “de direito democrático“. Mas a verdade é que jamais soubemos de facto com quem nos estávamos a defrontar, quem é ao certo o “in”.
Como se deve interpretar, por exemplo, a seguinte declaração do putativo pretendente ao trono português?
«Alguns intelectuais condenam essa decisão, que consideram um atentado à nossa cultura e outros referem os grandes custos que resultarão da substituição dos dicionários e livros escolares. Seria preferível ficarmos “orgulhosamente sós” com a nossa ortografia?»
Ou, também por exemplo, contas de outro rosário. O Bispo de Bragança-Miranda foi um dos destinatários do apelo que uma voluntária da ILC enviou a todas as autoridades eclesiásticas nacionais.
«O bispo de Bragança-Miranda recordou que “está em curso” também a tradução da Bíblia oficial em português da Conferencia Episcopal Portuguesa e do Missal Romano, tendo em conta o novo acordo ortográfico.»
Portanto: Cavaco, Santana, Sócrates, Balsemão, Lula, Casteleiro, Bechara, metade do CDS-PP, todo o BE, parte do PSD, grande parte do PS, D. Duarte Pio e parte dos monárquicos, mais as cúpulas da Igreja Católica.
E isto é a “nata”, por assim dizer. Então e a borra?
*Nota: ABC passou (em 2 de Janeiro de 2012) a escrever em acordês.
[R2_281122]
Manual para não sermos apanhados “com as calças na mão”.
Brincadeira??? Antes fosse.
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