Uma história (muito) mal contada [XIII]

Do azar e do medo

O primeiro “choque”, oh, santa inocência: nenhuma entidade se prontificou a patrocinar a ILC-AO e afinal tivemos de avançar com ela nós mesmos, um simples “grupo informal de cidadãos”, sem qualquer tipo de apoios ou meios.

No dia 19 de Fevereiro de 2010 a rádio TSF difundia uma notícia em que, nota-se, as dúvidas já eram mais  certezas:
«(…) alertou que o tempo urge, porque se não surgir essa entidade credível terá de ser o movimento a criá-la. Neste sentido, João Pedro Graça apelou à união de esforços e defendeu que os vários grupos que existem no Facebook e que apoiam a mesma causa teriam mais força unidos.»

O segundo “choque”, oh, santa ignorância: havia naquela altura mais de 73.000 “apoiantes” da iniciativa no Facebook mas afinal nem 1% deles se deram à maçada de subscrever a ILC-AO.

Logo em Junho de 2010, apenas dois meses após o início da recolha de subscrições, já se podia constatar o óbvio ululante no primeiro “balanço e contras“:
«São assim, pelos vistos, as chamadas “redes sociais”: muita parra e pouca (ou nenhuma) uva. Salvo raríssimas excepções, toda a gente “subscreve” seja o que for, por assim dizer a granel, desligando-se de imediato e para sempre de todos e de cada um dos assuntos, movimentos e causas que “apoiou” com um simples click de “rato”. Os motivos para este bizarro comportamento constituiriam excelente matéria para um estudo ou uma tese na área da Sociologia, por exemplo, mas há que reconhecer tratar-se de um fenómeno novo e que era, por consequência, imprevisível. Era, porque a partir de agora já não é.»

O terceiro “choque”, oh, santa paciência: o prazo para entregar as 35.000 assinaturas  no Parlamento foi marcado para 31 de Dezembro de 2010 mas em oito meses afinal nem 10% tínhamos conseguido.

A 2 de Janeiro de 2011 dizíamos que, afinal, apesar dos choques sucessivos, “o sobreiro vive“:
«Ainda valerá a pena continuar? Ainda poderemos ter sucesso? Seremos ainda capazes de travar o passo ao monstro “ortográfico”?
Respondamos então de forma clara e decidida: respectivamente, sim, sim e sim!
Ou, vendo a questão de outra forma, por exclusão de partes.
Existe alguma alternativa para acabar com aquele horror além da Iniciativa Legislativa de Cidadãos? Não, não há.»

Depois disto ainda se marcaram sucessivamente mais duas datas como “fim de prazo”, a 25 de Abril e a 15 de Setembro de 2011, mas é claro que também essas foram ultrapassadas e rapidamente esquecidas, como aliás se verificou ser bem melhor esquecer de todo essa malfadada ideia do “fim de prazo”: a nossa luta não pode ter fim, nunca teve data de validade, jamais será uma luta “a prazo”, até porque o fim do malfadado AO90 não tem (ainda) data marcada.

Na verdade, a luta começou por um objectivo imediato, isto é, entregar a ILC no Parlamento e com isso conseguir-se a revogação da entrada em vigor do AO90, mas com a simples passagem do tempo fomos vendo que o objectivo passava a ser também, e isso já era muito,  manter a luta viva: resistir, resistir, resistir!

Reiteremos:  a tarefa primordial era levar a iniciativa à Assembleia da República, mas combater a política do “facto consumado” tornava-se a cada dia mais importante; e isso implicava trabalho, muito trabalho. Foram criados diversos (outros) mecanismos, processos e sistemas de divulgação, de propaganda e, sobretudo, de incentivo à continuação e à organização da resistência: uma rede de postos de recolha de subscrições, a “Galeria” de subscritores e apoiantes,  listas de “voluntariado“, amostras (pelos selos) de subscrições vindas da diáspora, vídeos e gravações com manifestações de apoio, materiais de campanha, criação de selos dos CTT com o logótipo da campanha, etc., etc., etc.

Houve até algumas tentativas de organizar recolhas de assinaturas no terreno e um ou outro evento público para divulgação do movimento mas, infelizmente e por diversos motivos, com poucos, nenhuns ou péssimos resultados. Por exemplo, em Maio de 2010 pedimos autorização ao Governo Civil de Lisboa para uma “acção de rua” no Rossio; pois nesse mesmo dia (8) resolveu S. Pedro, sabe-se lá se por influência de algum Malaca, ou assim, despejar em cheio na Capital portuguesa uma das mais valentes (e prolongadas) chuvadas de que há memória. Por ali ficámos, Rocío Ramos, Maria do Carmo Vieira e eu, desolados, em silêncio, vendo a chuva a desabar sem dó nem piedade sobre a esplanada da pastelaria Suíça, submergindo o Rossio, afogando a capital e arredores numa estranha invernia serôdia . Foi azar, há quem diga, foi muito azar.

Poucos dias antes do dilúvio, a 24 de Abril, tínhamos reservado uma sala n’A Voz do Operário e havia um orador convidado: o advogado António Garcia Pereira. Pois sucedeu que o nosso convidado teve uma indisposição súbita quando se dirigia para lá, foi internado de urgência num hospital próximo. É claro que, assim sendo, naquela emergência, não havia alternativa a adiar de imediato a palestra; a assistência dispersou e nós fomos saber do estado de saúde do ilustre jurista; estava em observação mas não era nada de cuidado, pronto, menos mal, que alívio! Bem, neste outro caso de azar acabou por haver bastante sorte no desfecho, valha-nos isso.

Depois marcaram-se ainda umas quantas acções de divulgação e recolha de assinaturas em restaurantes (outra péssima ideia, como mais tarde se pôde constatar) mas de facto, por isto e por aquilo, principalmente por aquilo, praticamente nada funcionou, até porque naquela época a praga acordista estava a dar os primeiros passos e a balbuciar as primeiras asneiras; ou seja, em suma, nos primórdios as pessoas ainda se interessavam menos pelo assunto do que mais tarde começou a suceder. Enfim, uma após a outra, destas acções em ambientes de comezaina resultou uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.Mais azares, portanto. Uns reais, se admitirmos que tal coisa existe de facto, e outros vituais — que são bem piores do que os primeiros.No Fakebook, quase todos os dias surgiam novos grupos que se diziam “anti-AO”. Um desses grupos, obviamente infiltrado por acordistas, logo, mais falso do que uma nota de quinze euros, chegou a “ter” para cima de 90.000 “membros” (ena, tantos!) e muito rapidamente se transformou numa verdadeira tasca de arruaceiros, o que até não é de todo um fenómeno novo — ou sequer raro — no dito Fakebook, e rapidamente aquilo se transformou num fórum de propaganda acordista.

Distingamos claramente a rede social Facebook da rede anti-social Fakebook. Ambas coexistem, e com bastantes áreas comuns, naquela que é a mais conhecida plataforma do género. Como sempre sucede quando surge uma nova ferramenta (ou arma ou substância química ou máquina, por exemplo), tudo depende do uso que fazemos dela; uma utilíssima  chave-de-fendas pode servir tanto para aparafusar uma caixa em madeira como para perfurar uma caixa craniana, assim como qualquer inocente corta-unhas pode ser usado não apenas para os devidos e atalhantes efeitos mas também como instrumento de tortura. Não surpreende, por conseguinte, de mais a mais reconhecendo nós o génio que o ser-humano revela para o bem e o talento inato que possui para o mal, que até o original conceito de Mark Zuckerberg se tenha rapidamente transformado no seu oposto diametral: o “livro das faces” é hoje em dia o livro do esfacelamento. Da crucificação virtual, da condenação remota, da perseguição sistemática; numa palavra, da falsidade: o Fakebook.

Ainda é possível, se bem que já muito dificilmente, fazer-se no verdadeiro Facebook algo de útil ou, ao menos, positivo, minimamente agradável ou engraçado que seja. Podemos no entanto continuar, alguns de nós, a usar essa e outras redes virtuais para fins verdadeiramente sociais e não tendo por objectivo o seu contrário, ou seja, utilizá-las como armas anti-sociais. Foi a partir do Facebook, com alguma ajuda do Twitter, que a ILC-AO se tornou conhecida do chamado “grande público” e foi dali que passou ao terreno, que saiu para “a rua”. No Facebook agregámos vontades, juntámos esforços dispersos e vozes perdidas, mobilizámos milhares e cativámos outros tantos para uma luta que é de todos, os que estão e os que não estão na “rede”.

Mas o Face não tem absolutamente nada a ver com o Fake, esse embrião parasita do corpo são. O original corre sérios riscos de vir a ser totalmente devorado, canibalizado, exterminado pela sua cópia malsã (e pirata). O Fakebook parece-se em tudo com o original, a mesma plataforma, tecnicamente igual. Mas já não é “só” pelos truques avulsos de abomináveis patifes que se distingue, é também — ou principalmente — pela protecção da cobardia dos “anónimos” com nomes inventados ou “alias”, pela promoção maciça dos autos-de-fé particulares, cirúrgicos, dirigidos ad hominem em sistemáticas campanhas de demolição de carácter. Os canalhas acordistas pretendem demolir caracteres, alguns canalhas que não são acordistas adoram demolir amiúde um carácter; venha o diabo e escolha.

Mas que gente é esta, afinal? De onde lhes virá tanto ódio? E porquê, santo Deus?! Como conseguem odiar tão violentamente aqueles que estão ao seu lado a combater o “acordo” que eles próprios dizem combater também? Porque se encarniçam mais contra os “seus” do que contra os acordistas?

Ou, colocando a questão no patamar da luta política — e o AO90 não passa disso mesmo –, a quem serve a ofensa que um anti-acordista dirige publicamente a outro? A quem interessam as calúnias, as  injúrias, as insinuações canalhas entre pessoas que, pelo menos aparentemente,  estão do mesmo lado da barricada? Quem beneficia (e o que se prejudica) com o envenenamento das “hostes” anti-acordistas, com a sua fragmentação em pequenos grupos, minúsculos grupinhos e ridículos grupelhos?

Se são verdadeiros resistentes, genuínos opositores, convictos activistas, então porque inventam mentiras, difundem calúnias, propagam difamações sobre um vosso camarada?

Não será por azar, certamente. Isso não pode ser. Isso só pode ser medo. O medo que têm os ratos. Sim, os ratos. Não são todos nem são quase todos. Mas são muitos.

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One thought on “Uma história (muito) mal contada [XIII]

  1. Uma história que deve ser conhecida, de ratos e ratazanas, de oportunismos e desculpas esfarrapadas, de hipocrisia e traição.

    Que não te doam as mãos.

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