Uma história (muito) mal contada [XII]

Os meus agradecimentos

Estamos cronologicamente mais ou menos a meio desta história (muito) mal contada, é boa ocasião para ir já agradecendo umas coisas, não vá de repente dar-me por exemplo uma travadinha, longe vá o agoiro.

Começo, portanto, por daqui enviar os meus mais sinceros agradecimentos ao James, pelo fantástico Mercedes que disponibilizou ao 1.º subscritor da ILC-AO, que por mero acaso, como sabemos, calhou ser este vosso criado, salvo seja.

É de facto uma bela máquina, este “série C” (ou lá o que é), e à conta dela, com aquela matrícula personalizada e tudo, tenho eu feito um sucesso tremendo aqui pela Costa do Estoril e arredores. Aliás, costumo passear imenso ao volante desta extraordinária viatura, vou ali à Boca do Inferno, por exemplo, amiúde, ou a Sintra ou ao Guincho ou a Manique ou à Buraca, e até oiço os aplausos da multidão que se apinha à borda da estrada para me ver passar, os “ah” e os “oh” de espanto, “olha, lá vai o gajo da ILC-AO, ena, mas que pinta”, e assim, mas que gente simpática, isto por aqui é tudo malta do melhorio.

Escusado será dizer que não há nada como manter um certo estatuto, vá, e portanto não poderia um bacano assim como eu, em tão destacada quanto mediática posição, além de regiamente remunerada (estou podre de rico, pois claro), circular por aí montado numa caranguejola qualquer. Pode ser que agora outra alminha caridosa me arranje uma viatura decente, que isto de andar apeado (e quem diz apeado diz montado num Corsa ou num Saxo, por exemplo, que horror) é desprestigiante à brava, lá diz o aforismo dos cámones, “tu és o que conduzes” (ou, no original em língua ianque, “you are what you drive“).

Deus te pague, James, ok, por conseguinte, és um tipo munta fixe.

Pronto, do carro e do guito já estou despachado, venha outra dose de encómios, e tal, vamos lá a mais uns quantos obrigadinhos.

Primeiros as entidades oficiais, as mais assim para o abstracto.

Portantos.

Os meus agradecimentos à CNPD, por ali me terem “ensinado” que não é pública a correspondência oficial entre um cidadão e uma entidade pública. Recebido por email: «O direito de informação aos visitante e subscritores deve ser feito nos termos do art. 10º da Lei 67/98 de 26 de Outubro, e não pela divulgação da correspondência trocada com a CNPD.»

É no que dá alguém armar-se em pessoa bem educada, peço imensa desculpa pelo meu “erro”, caríssima CNPD, em vez de ter perguntado previamente se podia transcrever as minhas mensagens e respectivas respostas, para com isso esclarecer os subscritores da ILC-AO, devia ter reproduzido e publicado logo tudo, pronto, não se falava mais nisso. Mas assim, não, fiquei “ciente”, e por isso agradeço penhoradamente àqueles serviços do Estado, toca a tomar nota, quando pedirem informações à CNPD não podem publicar as respostas da dita CNPD, oh, que maravilha, as respostas são pelos vistos “pessoais”, estão sujeitas a “reserva da vida privada” (dos estatais funcionários, presumo), é como se aquelas perguntas e respostas fossem bilhetinhos entre namorados ou coisa do género.

Ora bem, e a seguir? A quem mais devo agradecer?

Ah, claro, já se me ia varrendo, outro serviço a que devo deixar os meus agradecimentos, não menos sinceros do que os anteriores, é aos CTT, Central de Carcavelos, sita na chiquérrima localidade da Rebelva, por toda a atenção que me dispensou ao longo de quatro anos. Claro que dispensaria eu bem a atenção que me dispensaram, mas as coisas são como são, lá dizia o outro, isto ele não há nada como realmente, cabe aqui reconhecer que eu cá não merecia de todo nem tanta atenção assim nem que aquela gente se maçasse por minha causa ou, melhor dito, por causa da Causa anti-AO e do Apartado 53, 2775-901 Carcavelos, para onde uns tantos cidadãos enviaram uns quantos milhares de envelopes.Desde a sistemática exigência de documentos e mais documentos para renovar o aluguer da dita caixa postal a cada ano, os CTT lembraram-se de me obsequiar com meia dúzia de chatices avulsas: por exemplo, alguém ali mandou devolver aos remetentes (quando os havia nos envelopes, o que até é raro) sabe-se lá  quantas subscrições por virem endereçadas só a “Apartado 53”, sem “Excelentíssimos Senhores Fulanos de Tal” ou coisa que o valha; depois disto, ainda não satisfeitos com as deferências e mesuras à minha excelentíssima pessoa, foi-me exigido entregasse “uma lista de nomes” que passariam a ser os únicos aceitáveis para constar no espaço para o destinatário nos envelopes; indiquei os acrónimos “ILC” e “ILC-AO”, com as respectivas variantes grafadas por extenso, mais o meu próprio nome (idem, as iniciais “JPG” e minha graça com as letras todas); tive ainda de apresentar cópias da legislação (CRP e lei 17/2003) que garantia aos CTT não estarem a ser aldrabados pelo responsável pela “iniciativa cívica” requerente, sim, que isto nunca se sabe com quem estão os Correios a lidar, há por aí gatunos e bandidos a alugar apartados nos correios que até ferve, ele é droga em barda e pornografia a granel, pois claro, assinar contratos, mostrar documentos, entregar cópias de tudo e mais alguma coisa não chega para nada, há que assegurar a legalidade e a “transparência”, raios.

Pois aqui ficam, repito, os meus penhorados agradecimentos por tanta e tão amiudada preocupação dos CTT (da Rebelva, essa simpática localidade) para com a ILC-AO em geral e para com a minha pessoa em particular, aproveitando o ensejo para, já agora, agradecer também por me terem obrigado a esperar sistematicamente na “bicha” geral, por vezes ao longo de várias horas, sempre que algum subscritor se lembrava de enviar a sua cartinha com registo — simples ou com aviso de recepção (!!!), por regra contendo essas cartinhas apenas subscrições inválidas, oh, mas que  grande azar. Em suma, apreciei imenso o rigor “operacional” dos CTT, que se traduziu, caso fosse possível somar todos os tempos de seca, digo, de espera, em algo como um ou mesmo dois dias de vida que se me feneceram ali, naquele “serviço postal”, com a senha na mão, olhando com desespero (e raiva) para o contador de tickets pendurado no alto.

Adiante, despachemos mais uns quantos muitóbrigados, que se faz tarde.

Aqui ficam os meus agradecimentos também, assim em geral, a toda a volta, à maneira de quem dá milho aos pombos, porque são muitos e desconheço suas graças, aos cidadãos (e às cidadãs, sejamos devidamente paritários) cujo modo de vida consiste em “indignar-se” e que, portanto, se “indignaram” à brava o tempo todo comigo (mas quem eu é que tu pensas que és, hem?), com a ILC (vocês são mesmo burros, então não se vê logo que uma petição é que era?!), com o Apartado (mas para que raio é isso, hem, então não se vê logo que uma petição…), com os dados de eleitor (mas o que diabo vão vocês fazer com os meus dados, hem?!), com o facto de não haver recolha de dados (então e agora como posso eu saber se assinei essa porcaria ou não, hem?!), com a hipótese de haver recolha de dados (mas o que diabo vão vocês fazer…), com o espaço para o nome (é curto, não cabe tudo, onde é que escrevo?, mas que parvoíce), com o espaço para o número de eleitor (mas para que serve isto, hem, então o cartão de cidadão não chega?, mas que estupidez), com os espaços para Concelho e Freguesia de recenseamento (então o cartão de cidadão… mas que chatice!) e até com o espaço para a assinatura: é assinatura ou é “rubrica”?

Há quem chame a isto “ossos do ofício”. Porém, agora sou eu quem pergunta (e quem, ainda que vagamente, se “indigna”), mas qual ofício, hem, mas qual ofício?!

(Eia, olha, afinal isto de um tipo se indignar até que não é nada mau, caramba, já me sinto mais aliviado, uff!)

“A Máquina da Indignação” é uma lapidar expressão de Rui Valente; vale como instantâneo do conceito. Os “indignados” profissionais, vulgo, os tugas, são felizmente uma minoria e o tuguismo está saudavelmente circunscrito em ghettos (especialmente no Fakebook).

No “mundo real”, ou seja, “cá fora”, onde não é assim tão fácil como nas redes anti-sociais para qualquer cobarde armar-se em herói, vivemos numa comunidade com um mínimo de regras: de convivência, de educação, de urbanidade e, no que diz respeito à questão que nos interessa em especial, regras de carácter: não vale tudo, minhas senhoras e meus senhores, meninos e meninas.

E além de regras há também barreiras físicas inultrapassáveis, como é evidente.

Nós, os cidadãos, partilhamos um mesmo espaço, uma mesma “cidade” (no caso, de apenas 200.000 habitantes), com limites — invisíveis mas reais. Há quem diga que os adversários do AO90 são uma espécie de “irredutíveis gauleses”, como sucede na célebre “Aldeia de Astérix“. Digamos que não será bem uma aldeia, com tal número de “vizinhos” já estaremos a falar de uma cidade de dimensão média, pelo menos à escala portuguesa, mas a verdade é que mesmo uma grande metrópole, por mais gigantesca que seja, como Londres, S. Paulo ou Nova Delhi, por exemplo, necessariamente acaba, termina, finda. A “nação” (ou cidade ou aldeia) anti-acordista não é, obviamente, infinita. Presumir o contrário é negar a evidência, pretender que a “nação” não tem limites (ou que os limites não são aqueles) é o mesmo que desatar a correr contra um muro que se chama “realidade”.

Por conseguinte, depois de manifestar o meu reconhecimento em particular a alguns “vizinhos”, devo também expressar a outros a minha dívida de gratidão em geral.

Aos desistentes, porque sem eles como termo de comparação não saberíamos o que é a resistência e quem são os resistentes.

Aos medrosos, porque sem eles, idem, não reconheceríamos os corajosos.

Aos intriguistas, porque sem as suas intrigas não conheceríamos os verdadeiros amigos.

Aos viciados em conflitos, que se não existissem teriam de ser inventados para que se pudesse correr com eles.

Aos invejosos, porque se há inveja de medíocres é porque há algo de jeito que a provoca.

Aos plagiadores, porque ninguém roubaria o trabalho de outrem ou as ideias alheias se estas ou aquele não valessem nada.

Aos deslumbrados consigo mesmos por nos terem proporcionado momentos divertidos, grandes barrigadas de riso.

Aos bajuladores, que sempre aparecem quando tudo corre bem e sempre desaparecem quando nem por isso, por me terem dado a oportunidade (e o prazer, se bem que desagradável) de os mandar bajular outro.

Os meus profundos agradecimentos, por conseguinte, às pessoas “difíceis”, digamos assim, que por este mundo de Cristo se reproduzem como pipocas, mesmo sabendo-se que esses, os dos primórdios da iniciativa, não são nada que se possa comparar com os verdadeiros malucos que mais tarde surgiram. Digo “malucos” para facilitar a compreensão. A maluquice é incomparavelmente mais fácil de entender, para as pessoas normais, do que a pura e simples maldade.

Quanto aos maldosos (e malvados), aos hipócritas, maníacos e tarados, o que tenho a apresentar não é evidentemente qualquer espécie de agradecimento.

É outra coisa.

logobadge1

[R3_281122]


One thought on “Uma história (muito) mal contada [XII]

  1. O que eu me ri a ler isto… :^)
    Se bem que isto não seja só rir: “contar a história” é bem capaz de ser o que de mais importante se anda a fazer contra o AO neste momento.

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