Uma história (muito) mal contada [XI]

roquegameiro3A voz do Povo

Em 17 de Dezembro de 2009 enviámos a primeira “press release” para diversos jornais e estações de rádio. No último editorial desse ano, o jornal “Público” declarava oficialmente a sua rejeição do AO90. Janeiro de 2010 foi o mês de lançamento do “site” da ILC-AO. A 19 de Fevereiro, a iniciativa foi pela primeira vez divulgada por um órgão de comunicação social: rádio “TSF”, entrevista da jornalista Cláudia Arsénio. Em Março, duas outras entrevistas: no dia 1, ao “Rádio Clube Português e, no dia 25, de novo à “TSF”. No dia 8 de Abril teve início a recolha de assinaturas. E apenas 6 dias depois aconteceu a primeira entrevista da iniciativa a um canal de televisão: “SIC Notícias”, no Jornal das 9, então conduzido pelo jornalista Mário Crespo.

Esta última entrevista, que contribuiu decisivamente para o lançamento da ILC-AO, resultou de diligências pessoais de Maria do Carmo Vieira (que me contactou pela primeira vez em 17.02.10), professora, veterana activista da luta contra o “acordo ortográfico”; foi aliás o seu, e muito justamente, até pelo imenso trabalho de divulgação que desenvolveu ao longo de vários anos, o primeiro perfil que publicámos na “galeria” de subscritores, militantes e apoiantes da iniciativa.

Além dos primeiros fundadores, ainda em meios virtuais, houve felizmente quem se apercebesse de que, a haver uma solução para (liquidar) o AO90, ela só poderia passar por uma ILC.

A começar por Gisela Pereira, florista, de Lisboa. Acompanhou desde a primeira hora todo o processo de fundação da ILC e nela colaborou activamente, com imenso e muitíssimo competente trabalho.

A partir de Fevereiro de 2010 e até finais do ano seguinte, foram surgindo muitas outras pessoas que igualmente deixaram nesta luta a sua marca pessoal, indelével, insubstituível.

Em Abril, dia 28, surge Maria José Abranches, uma professora de Lagos que teve ao longo de pelo menos 4 anos uma acção importantíssima, nomeadamente através dos seus textos, de grande rigor e coerência.

A seguir, em 23 de Setembro, aparece Paulo Jorge Assunção, jurista, de Carcavelos. Excelente orador, como mais tarde todos pudemos constatar. Produziu um parecer jurídico sobre a ILC-AO e integrou delegações representativas da iniciativa em diversas ocasiões, nomeadamente no Parlamento.

Já no ano de 2011, a 2 de Fevereiro, junta-se-nos Paulo Costa, de Lisboa, formador de profissão e “blogger” por gosto. Sempre firme neste combate, continua ainda hoje a publicar no seu “blog” excelentes (e cirúrgicos) textos sobre a “cacografia”, denunciando também o cAOs que se vai já instalando por aí.

De seguida, a 20 de Março, recebemos Rui Valente, de Coimbra, técnico de Teatro. Com participação em todas as áreas de actividade do movimento anti-AO, foi o primeiro activista a representar “oficialmente” a Iniciativa.

Em 31 de Maio, junta-se à luta Octávio dos Santos, de Lisboa, jornalista e escritor, um indefectível adversário do acordismo. Publica em diversos órgãos de comunicação social e na “blogosfera” e participa em várias discussões “online” sobre o assunto, sempre com a frontalidade que o caracteriza.

E uns meses depois de Rui Valente integrar a ILC, surge a 15 de Dezembro a bióloga e tradutora Hermínia Castro, de Setúbal. Desenvolveu, ao longo de mais de três  anos, um imenso trabalho de divulgação e organização, incluindo, em várias ocasiões, o dificílimo papel de “porta-voz” da Iniciativa.

Foi aliás com aqueles dois camaradas, Hermínia Castro e Rui Valente, que se formou o “núcleo operacional” da ILC. Em várias ocasiões deslocaram-se ambos a Lisboa, o Rui vindo de Coimbra e a Hermínia de Setúbal, expressamente para reuniões de trabalho em que, na maior parte dos casos, estávamos presentes apenas nós os três.  Algumas pessoas ficaram convencidíssimas, a julgar pelo volume e pela frequência da publicação de conteúdos, de que nós tínhamos uma grande equipa a trabalhar, que haveria com certeza muita gente no “staff”, mas não, de todo: quase tudo foi feito só por ela, ele e eu.

Quase tudo, sim, mas com imensas ajudas, é claro. Esporádicas e espaçadas, consoante a  disponibilidade de cada qual, mas é de inteira justiça referir outras pessoas que contribuíram de alguma forma para a Causa em geral ou para a ILC em particular.

Graça Maciel Costa, tradutora, vive e trabalha em Almada. Sempre fez tudo o que pôde, e foi de facto muita coisa, entre textos e imagens, no nosso “site” e também no Facebook.

Jorge Rabaça, que gere dois cafés e em ambos não apenas recolheu assinaturas (foram largas dezenas!) como ajudou as pessoas a preencher os impressos; criou até um sistema, no  seu telemóvel, para obter rapidamente os dados de eleitor.

Ana Almeida, dona de uma lavandaria em Carcavelos. Em 2012 (lá chegaremos) esteve num evento da ILC-AO em Zamora, Espanha.

Maria Oliveira, professora (“de Algures, Norte de Portugal”), uma das militantes que preferiram optar pelo anonimato. Entre muitas outras acções, promoveu a ILC junto de todas as direcções escolares e de toda a hierarquia superior da Igreja Católica em Portugal.

GF, outro “anónimo”, do Porto, lançou um “site” de apoio que acabou por se revelar um grande sucesso em termos de promoção do movimento anti-AO90:  http://www.portuguespt.com/

Isabel Coutinho Monteiro, tradutora, do Estoril. Indefectível apoiante, tem diversas participações no nosso “site”.

João Ricardo Rosa (emigrado na Alemanha), um jovem algarvio com imenso talento na área das “novas tecnologias”, realizou diversos trabalhos de imensa valia técnica, em especial uma aplicação para Firefox que permite “ler” qualquer página de Internet em Português-padrão.

O Ti  Manuel, sapateiro e saxofonista, natural da Amareleja (“a terra mais quente de Portugal”, como ele não se cansa de repetir), que do alto dos seus 82 anos é homem de dar excelentes  conselhos e de dizer coisas acertadas (“isso do acordo é uma parvoíce”, por exemplo).

Enfim, muitas outras pessoas poderiam ser aqui mencionadas — e algumas sê-lo-ão ainda com certeza — mas estes exemplos já dão uma boa ideia do “nosso povo”, o povo da ILC-AO.

Um povo mergulhado naquela que se sabia de antemão iria ser uma luta absolutamente desigual e mesmo, sejamos claros, potencialmente perigosa: lutar contra o AO90 é lutar contra quem, ao certo, contra que interesses instalados, que jogos de poder, que manobras de bastidores, que (e quão) tenebrosos homens-de-mão, testas-de-ferro, agentes infiltrados, sabotadores, traidores, hipócritas, mentirosos compulsivos, vaidosos patológicos?

Ao fim e ao cabo, todos o sabemos hoje e sinceramente espero jamais alguém tenha sequer tentado ignorar tão esmagadora evidência, esta luta não é para meninos (ou meninas). Não vamos a lado algum nem com a ingenuidade da pura retórica nem com argumentos tíbios; não pode conseguir-se seja o que for na base de tecnicismos bacocos, deixando assim resvalar o combate para um “debate” de aspectos técnicos num assunto que de técnico nada tem; não se combate a mediocridade dos acordistas passivos, a vaidade dos acordistas militantes e as negociatas chorudas dos mentores de uma óbvia manobra política apelando simplesmente à sua “compreensão”, pedindo-lhes favores, sejam eles quais forem, rogando-lhes a esmola de um “segundo olhar”, isto é, que se dignem considerar uma qualquer espécie de “revisão“. Mas como “revisão”? Que “revisão”? Como se “revê” o absurdo? “Absurdo” é adjectivo e é substantivo também, mas em qualquer dos casos é de sentido absoluto, não admite gradações: não há “pouco absurdo” ou “muito absurdo” ou “mais ou menos absurdo”; ou é absurdo ou não é.

Das duas, uma: ou entendemos que a mentira de Estado se resolve apenas com a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade, ou então não entendemos afinal coisa nenhuma sobre aquilo que é o “acordo”. Ou se entende que a verdade consiste apenas em revelar o estado da mentira, ou então estaremos a colaborar nós mesmos com ambas as coisas, a mentira e o Estado que a engendrou. Poderá isto porventura parecer um simples jogo de palavras mas, lamento, não sei, como nunca soube, expressar de outra forma aquilo que sempre foram os princípios basilares — e expressos e inerentes e sem alternativa — da nossa luta contra o AO90.

Assim se explicam, por conseguinte e por si mesmas, as dissidências e dissenções nas “hostes” anti-acordistas: cada derrota anunciada é mais um tiro no pé, cada manobra suicida não passa disso mesmo, é puro suicídio; ou seja, é traição à Causa e quem tais imbecilidades promove, por vaidade, por sede de protagonismo ou por simples vedetismo, não passa portanto de um miserável traidor.

Ora, precisamente, jamais existiu na nossa iniciativa o mais ínfimo resquício de vaidade, protagonismo ou vedetismo.

As circunstâncias explicam em boa parte, nomeadamente se atendermos à forma atribulada e isolada como tudo começou, nesta luta, porque nunca houve na nossa ILC qualquer tipo de “vedetas”. Sempre foram pessoas absolutamente comuns, em larga maioria, os activistas e voluntários da ILC-AO. Sempre fomos activistas anónimos, no sentido de desconhecidos; nunca privilegiámos quaisquer “figuras públicas”. Algumas destas aderiram à iniciativa, subscreveram-na, militaram nela e por ela, mas sempre ombro-a-ombro com os demais, em absoluto pé de igualdade.

Existe na Bíblia uma expressão que ilustra esta nossa atitude, que é também um princípio, uma postura moral: Vanitas vanitatum omnia vanitas (Eclesiastes)

A vaidade, não. A vaidade, nunca! A verdade, sim. A verdade, sempre!

Como se diz no primeiro parágrafo dos impressos de subscrição: «Somos simples cidadãos que se mobilizam, enquanto “sociedade civil”, na promoção e defesa da Língua Portuguesa em todas as suas cambiantes culturais nacionais.»

Simples cidadãos. Tão simples e tão cidadãos como aquele motorista de táxi que me disse, em forma de pergunta, a coisa mais inteligente que alguma vez ouvi (ou li) sobre o AO90:

Acordo Ortográfico? Mas as nossas palavras estão erradas?

Está tudo perguntado, está tudo respondido.

Apenas não está ainda tudo dito…


Imagem: Roque Gameiro (1864-1935), desenho a lápis e tinta-da-china, “Pateo do Peneireiro”, Lisboa

O local que Gameiro representou está hoje irreconhecível, praticamente em ruínas, mas nas imagens Google (em Street View) aparece isto escrito numa janela emparedada:

Cemitério de beijos,
Ainda tens fogo nas tumbas,
Ainda as uvas ardem
Debicadas por pássaros.

[R2_281122]


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