Uma história (muito) mal contada [II]

AR_revista_Sabado0715Não sai dela uma reforma, uma lei, um princípio eloquente, um dito fino! A deputação é uma espécie de funcionalismo para quem é incapaz de qualquer função. É o emprego dos inúteis.
Eça de Queirós, “Uma Campanha Alegre”, 1891

A porca da política

Pulhítica, diz o povo. Temos de aceitar que se trata de uma “arte”, visto que está pejada de verdadeiros artistas, e consiste basicamente, a vidinha do político, não em servir a causa pública mas em servir-se dela o mais e o mais depressa que puder.

No fundo, as coisas funcionam na política exactamente da mesma forma que em qualquer outro ambiente da vida animal, isto é, trata-se apenas de uma questão de recursos, os disponíveis e a sua partilha, obedecendo esta à mais pura e dura lei da selva — a lei do mais forte. Forte besta, por conseguinte, forte idiota, pode ser, mas de qualquer forma tem mesmo de ser forte quem se mete na pulhítica; terá, no mínimo, por uma questão de sobrevivência em tão pouco saudáveis ambientes, de ser o mais pulha possível, pois com certeza, é uma fatal inerência, perdeu-se completamente a “polis” da política, ficaram somente os pulhas na política.

Vem este intróito pôr-se mesmo a jeito, salvo seja, para explicar o facto de não haver no “acordo ortográfico” um módico de acordo e nem um pingo de ortografia, o que remete inevitavelmente o caso para a esfera da pulhítica. Pois por quem mais, se não os pulhíticos, e por que outros motivos, além de interesses pessoais, poderia ter sido parido semelhante aborto? Porque se lembraram eles de tal idiotice, uma bambochata que não serve para nada de útil e que veio apenas semear desunião e discórdia onde antes havia harmonia em sã diversidade? Porque fingem eles ignorar todos os protestos contra o seu deles “acordo”? Porque não leram sequer os pareceres negativos dos mais qualificados especialistas na matéria? Porque persistem, cegamente, friamente, tenebrosamente nesse aleijão abominável?

E, já agora, para rematar, como diabo conseguiram eles fazer passar semelhante coisa, aprová-la por esmagadora maioria no Parlamento e torná-la “obrigatória” na Administração Pública, no Ensino e nas demais “entidades do Estado”?

Ah, bem, a resposta a isso está contida na própria pergunta — a política, como dizia Luís XIV de si próprio, é o Estado — mas valerá talvez a pena esmiuçar (de novo) como sucedeu também neste caso semelhante desgraça.

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