Da resistência ao aborto gráfico
Quem me conhece sabe que não sou de militâncias. Não me embalo com democracias. Todavia há maneiras de prosseguir intentos.
Há cinco anos, o surpreendente empenho do institucionalão saco de plástico, apanhou-me num fim-de-semana na praia e tomei consciência que o inacreditável estava a ir por diante com mão invisível ante a bovina atonia geral. Depois da petição das 100 000 assinaturas à Assembleia encabeçada por Vasco Graça Moura haver sido humilhantemente arquivada ao esquecimento por uma horda de deputados desqualificados, parecia-me bem que mais nada se haveria fazer por contrariar a ignomínia. O que era surpreendente! Porque todos a que falava na porcaria do aborto gráfico se mostravam tão contrariados e ofendidos como eu.
Pois bem, no meio daquela resignação fúnebre animei-me quando descobri a I.L.C. e os seus mentores, que prosseguiam, afinal, o intento de atalhar ao vergonhoso aborto gráfico com um projecto definido. A I.L.C., com os seus mentores e colaboradores era o único porto de abrigo dos que, como eu, não desistiam, mas não viam bem o que fazer.
Infelizmente a I.L.C. não teve êxito. Congregadora de vontades individuais, mas apolítica, apartidária e não corporativa — uma verdadeira iniciativa de cidadãos — a I.L.C. demonstrou que a democracia — sempre incensada nos media e agitada panfletariamente contra ditaduras e fassistas — há-de ser boa é para… gregos.
O diário Público e o semanário O Diabo, que se assumiram e assumem militantemente contra o aborto, e outros que continuam a escrever em português sem caso de abortografias como o Sol, o I, os Económicos ou a revista Sábado, nenhum – NENHUM! — se dispôs a encartar os impressos da I.L.C. para recolha das necessárias 35 000 assinaturas.
Mas a I.L.C. perseverava. E era só o que mexia.
Outros, por vaidade, ciumeira ou sei lá porquê, em lugar de congregarem a massa de descontentes que como eu andava à nora em 2010, dividiram-na. — O espectáculo dos grupelhos rivais da I.L.C. no livro das fuças a maldizerem-na, com erros de português, foi desgraçado.
Chegados aqui, o aborto gráfico tomou Portugal de presúria e, refastelado no diário do governo, alambazado aos dicionários, mina tudo para embrutecimento do indígena. Ele é ver o índex das asneiras compilado pelo confrade J.P.G. da I.L.C.. A única asneira que lá falta — a pior, a meu ver — é dos novos mentores do referendo que surgem agora, ou mais outra vez, a fazer melhor que a I.L.C.: recolher, não 35 000, mas 79 000 (!) assinaturas para propor um referendo àqueles deputados engajados a tudo menos às Belas Letras ou sequer à Gramática. Como o farão não sei dizer; sem o empenho de diários, semanários, pasquins ou folhas de couve com um encarte de impressos como descrevi em cima, e sem os voluntários que angariaram a custo e expensas próprias as c. de 15 000 assinaturas da I.L.C. …
E é isto, a resistência ao aborto gráfico. Cada um faz a sua. Eu, por mim, enquanto tiver caneta e força nos dedos vou assinando e rasurando. E evitando protagonismo.
Isto foi só um desabafo!… — E agora vou ver a corrida na monumental da minha terra.
(Imagem da Radiotelevisão Portuguesa, ex-programa «Arte & Emoção».)
Transcrição de: Da resistência ao aborto gráfico – Bic Laranja, 2 de Julho de 2015